segunda-feira, 25 de março de 2024

Analista Político, Rui Jorge Semedo: “AUSÊNCIA DE PRINCIPAIS PARTIDOS NAS LEGISLATIVAS AGUDIZARÁ A CRISE COM CONSEQUÊNCIAS IMPREVISÍVEIS”

 

O analista político, Rui Jorge Semedo, advertiu que se os principais partidos não concorrerem às eleições, perante a situação que se vive no Supremo Tribunal de Justiça e a caducidade da Comissão Nacional de Eleições, poderá agudizar a situação política com consequências imprevisíveis na Guiné-Bissau, tendo defendido o cumprimento da legalidade em todas os setores para que o país possa ir às eleições em condições normais e num clima democrático em que todos concorrerão em pé de igualdade.

O politólogo exortou o chefe de Estado guineense, Umaro Sissoco Embaló, para aproveitar este momento da crise política para rever o seu posicionamento institucional não com os partidos políticos, mas sim com todos os órgãos de soberania, particularmente os três poderes da democracia.   

“O Presidente da República deve refletir e aproveitar este momento para rever o seu posicionamento institucional, particularmente não só com os partidos políticos, mas também com todos os órgãos de soberania, os três   poderes da democracia, para descobrir se realmente é um cenário que nasceu dos partidos políticos ou está a ser arquitetado por pessoas para depois tirarem dividendos políticos”, assegurou.

Em entrevista ao jornal O Democrata para falar de novos cenários políticos, da falta de cumprimento da legalidade e de eventual boicote do processo eleitoral se os prazos legais não forem respeitados como tem anunciado algumas formações políticas, Rui Jorge Semedo  esclareceu que a crise interna a nível do Estado e da governação do país é mais dominante neste momento do que aparentemente se vive a nível dos partidos políticos e/ou entre a liderança do Madem-G 15 e o Presidente da República, Umaro Sissoco Embaló, que anunciou que vai afastar-se do partido.

“NÃO PODEMOS FALAR DE UM PARLAMENTO E DE UM GOVERNO SAÍDOS DAS ELEIÇÕES” 

Questionado se o chefe de Estado se tem imiscuído nos problemas internos dos partidos políticos, o politólogo disse que cabe aos partidos confirmarem essa informação, mas lamentou o fato de os cidadãos não poderem falar neste momento da existência de outros órgãos, um Parlamento e um governo saídos das eleições a funcionarem ou um Supremo Tribunal de Justiça a funcionar com autonomia, competência de opinar sobre a orientação e a fiscalização das eleições.

“Para mim, não existe uma crise interna no Madem-G15, mas sim a nível do Estado e da governação”, afirmou.

Nos últimos dias tem-se intensificado críticas contra a atuação do Presidente da República sobre a realização das eleições presidenciais. O PRS e a APU-PDGB, por exemplo, exigiram que as presidenciais sejam realizadas ainda em novembro deste ano e que o próximo Presidente a sair das eleições seja empossado em fevereiro de 2025, período que deverá coincidir com o fim do mandato do presidente em exercício.

Para Rui Semedo, os guineenses não devem permitir que sejam arrastados pelas opiniões de correntes, porque “a Guiné-Bissau além de ter a sua própria Constituição da República tem a sua lei eleitoral que define os prazos para a realização das eleições, quer    legislativas, quer presidenciais.

“Partindo dessas orientações, matematicamente, e se tomarmos em consideração que tivemos eleições em dezembro de 2019 e o presidente assumiu o poder em fevereiro de 2020, é óbvio que em 2024 estamos no ano de eleições para fevereiro de 2025. Se o atual presidente renovar o mandato, deverá tomar posse em fevereiro. Se não conseguir, tomará posse quem ganhar”, indicou.

Rui Jorge Semedo disse que a Guiné-Bissau está habituada a provocar confusões na interpretação da lei de forma “irresponsável e desonesta”.

“É a mesma confusão a que assistimos relativamente à interpretação do Acordo de Conacri e as competências do Presidente da República em matéria da dissolução do Parlamento, a queda do governo e outras matérias. O presidente chegou a apontar a realização das eleições presidenciais apenas em novembro de 2025 e vieram outros grupos de políticos e partidos políticos que apoiaram essa medida inconstitucional e agora felizmente essa intenção está a ser contestada por algumas formações   políticas. Os partidos políticos devem trabalhar neste caminho de cumprimento da legalidade, não deturpar e manipular a sociedade, porque essa estratégia pode contribuir apenas na morte da democracia e minar os esforços de estabilização política e governativa”, defendeu.

Admitiu que é justo num contexto de anormalidade se fale de surgimento de novos partidos ou plataformas políticas que congreguem dissidentes de vários partidos políticos, porque “foi desta forma que nasceu MADEM-G15 e com certeza vamos ter mais formações políticas, coligações ou plataformas desta natureza, todos ligados à uma engenharia palaciana como surgiu o PRID e outros partidos políticos”.

“Estes partidos podem ter, nos primeiros momentos da sua história, um impacto eleitoral, mas são partidos que duram muito pouco tempo. Não é justo criar rotura, esvaziar o poder dentro de um partido para enfrentar uma luta interna ou forjar novas lideranças nestes partidos. Se se confirmar, será uma estratégia encomendada para esvaziar poderes das lideranças e fragilizar partidos, caso não consigam provocar alterações nas lideranças a nível dos partidos. E é bom que não esqueçamos que os partidos que já cimentaram as bases estarão sempre em vantagem na corrida eleitoral”, alertou.

O analista político frisou que é da responsabilidade do chefe de Estado influenciar o cumprimento da legalidade, existência de instituições legítimas e credíveis, nomeadamente a CNE, o STJ e os partidos políticos que devem marcar uma posição firme sobre o cumprimento dos prazos legais, porque “só existem quando falamos da democracia e são condições indispensáveis para efetivação desse processo, não devem ser uma carta fora dos baralhos”.

“Se os partidos recusarem concorrer às eleições fora dos prazos legais, terá sim implicações. Foi o que assistimos no país vizinho, no Senegal, em que o Presidente Macky Sall queria impor a sua agenda pessoal aos partidos, mas não conseguiu porque uniram esforços com a sociedade civil e o Tribunal Constitucional para dobrá-lo politicamente, depois de um veredito. Na Guiné-Bissau, os partidos políticos têm demorado a reagir às decisões do Supremo que se faz de vestes   do Tribunal Constitucional, porque também protegem apenas os interesses dos grupos, não nacionais”, criticou.

Reforçou que os partidos que se levantaram  contra  a atuação do chefe de Estado  e da má governação do país devem continuar a pressionar-se mais para que haja espaços para a liberdade de expressão, do cumprimento da legalidade e da democracia, afirmando  que o silêncio do PAIGC e da coligação Plataforma Aliança Inclusiva-PAI  Terra Ranka não revela nenhum sinal de alívio, apenas perderam a capacidade de lutar pela defesa das suas conquistas eleitorais   e desafios que tinham pela frente e  estão  na plateia a observar os protagonistas em ação, porque “ninguém se sente aliviado quando perde aquilo que lhe pertence”.                   

ALTOS DIRIGENTES E A ATUAL DIREÇÃO DO PRS DEVEM RECORRER “FIELMENTE” AOS ESTATUTOS DO PARTIDO

Questionado sobre o que pode acontecer se o presidente interino do Partido da Renovação, Fernando Dias, continuar a não atender às exigências de um grupo de “altos dirigentes do partido”, que reclama a realização do congresso extraordinário, Rui Jorge Semedo afirmou que cada partido tem os seus estatutos internos que orientam o seu funcionamento, razão pela qual os altos dirigentes e atual direção devem “recorrer fielmente” a esses instrumentos.

O politólogo aconselhou que não adianta o presidente recusar as exigências, se os instrumentos internos apontam para a realização do congresso, mas se existirem alguns elementos ou qualquer engenharia feita depois da reunião do Conselho Nacional do partido que atribuiu alguma responsabilidade ao atual presidente interino, que seja considerada, quer na avaliação dos militantes que exigem a realização do congresso, quer na da atual direção.

Rui Jorge Semedo defendeu que tudo deve ser regulado a partir dos mecanismos legais existentes no partido, não fora desse quadro, porque “apenas isso pode criar as condições internas favoráveis ao partido para os próximos embates eleitorais”.

“Não vale a pena estarmos a refletir sobre vontades de um ou de outro lago, do grupo de altos dirigentes ou da atual direção interina. A única forma de estabilizar a luta interna pelo poder no partido é o cumprimento dos princípios legais que orientam a forma como o partido deve funcionar”, indicou.

O grupo de altos dirigentes acusou Fernando Dias de   desvio de fundos e de estar a dirigir o partido com “mão de ferro”, as acusações que o próprio refutou e pediu que sejam provadas.

Instado a pronunciar-se sobre essa matéria, Rui Jorge Semedo considerou normal fazer acusações num ambiente político de tensão e do ponto de vista das despesas realizadas pelo partido, para apurar a veracidade dos fatos.

“Se se chegar à conclusão a partir dos elementos comprovativos, devem ser acionados os mecanismos legais para responsabilizar os dirigentes que tiveram comportamentos desviantes e a utilização irresponsável dos fundos do partido” sublinhou, contudo, alertou que a luta que se verifica neste momento pode enfraquecer o partido, porque “não faz sentido fazer acusações só por fazer sem apresentar os elementos fatuais”.

“Os militantes e dirigentes devem reunir os elementos, organizar os dossiês, os documentos necessários e depois estudar a possibilidade de apresentá-los no congresso. No congresso, pode-se discutir a real situação e responsabilizar quem deve ser responsabilizado. Neste momento, o país vive um momento político muito tenso não só dentro dos partidos políticos, como também fora dos partidos. Não digo que seja muito mau para o país, mas deve-se tomar algum cuidado porque estamos a aproximarmo-nos do período eleitoral”, exortou.

Alertou que se essas acusações continuarem, o PRS poderá correr o risco de continuar a ter desgastes, do ponto de vista eleitoral, e consequente a perda de mandatos no Parlamento, tendo aconselhado os dirigentes a gerirem muito bem a crise interna, porque “poderá reduzir o potencial eleitoral do PRS”.

 “É um assunto que ultrapassa a dimensão nacional e nos tribunais devem ser acionados mecanismos para investigarem as denúncias e depois apresentar os resultados. Essas acusações apontam para um único caminho, a corrida eleitoral dos militantes  e dirigentes que querem provocar alterações na liderança”, assinalou, apontando que a decisão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) de indeferir o pedido de anotação da Resolução n°1/2023, de 18 de fevereiro, alegando vício de inexistência por fundamento legal e estatutário revela que “ estamos numa situação muito  embaraçosa” não só ao nível  do PRS, como também no STJ , que “há mais de três meses está numa situação de ilegalidade”.

Rui Jorge Semedo disse que politicamente o Supremo não está em condições de tomar certas decisões ou obrigar instituições, quer sejam elas políticas ou de outra natureza a cumprirem as suas medidas ou observarem a legalidade, se o próprio STJ não está a cumprir este requisito da legalidade e não tem um presidente.

“Não só não tem um presidente, como também está a pecar na forma como o atual presidente interino assumiu a instituição e como foi afastado o presidente José Pedro Sambú”, sublinhou e disse que a situação exige dos partidos políticos uma ação global para pressionar não só a presidência para resolver o problema no Supremo, bem como na Comissão Nacional de Eleições (CNE), órgão gestor do processo, que também apresenta um problema de legalidade.

Frisou que em momento nenhum a CNE e o Supremo Tribunal de Justiça terão a coragem de exigirem partidos ou candidatos a deputado para cumprirem a legalidade, se não estão a cumprir a legalidade, porque “será uma confusão tremenda que poderá abrir precedentes com risos graves durante o todo o processo”.

“Os partidos políticos devem opinar e posicionar-se para analisar se a situação das instituições estruturantes para a vida da democracia está resolvida ou não. Será que podemos falar do Supremo e da CNE dentro de um contexto normal da democracia neste momento, não? Para mim, o maior problema não são as estruturas internas dos partidos, mas sim as entidades responsáveis para o seu funcionamento”, indicou.

Por: Filomeno Sambú

Conosaba/odemocratagb

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