quinta-feira, 5 de janeiro de 2023

Opinião: PARQUE M’BATONHA E OS EFEITOS DO ANTROPOCENO: PORQUE DEFENDER A SUA MANUTENÇÃO E PRESERVAÇÃO?


“O interesse nacional sobrepõe-se ao interesse ambiental”.

Me chamou bastante atenção esta afirmação do Presidente da República, Umaro Sissoko Embalo, perante os profissionais de meios de comunicação social, em reação às manifestações contrárias as obras em curso nas dependências do Parque M’batonha. Volto a ela no final desse texto.

Por ora, dedico-me a abordagem de algumas questões pertinentes no tocante ao tema. Bem, para quem não sabe, o parque M’batonha, localizada na região central de Bissau é uma das pouquíssimas reservas de água doce da capital guineense e um lugar de repouso para diversas espécies de aves locais e migratórias. Além de também abrigar diferentes espécies de animais aquáticos, para os quais o mesmo constitui um espaço sine-qua-non e vital para a reprodução.

À partida, em minha avaliação, a extinção e assolação daquele patrimônio, em favor da construção de quaisquer que sejam obras (nesse caso concreto de Mesquita, escola e hospital, como assegurou o próprio presidente e que por sinal são estruturas louváveis e que o país precisa) traduzir-se-á, por um lado, em flagrante descumprimento dos compromissos ambientais assumidos pelo país em distintos fóruns internacionais do ambiente e questões climáticas; e, por outro, o mais preocupante por sinal, em agravamento da vulnerabilidade ecológico-ambiental que já nos coloca, conforme os estudos da Fundação MoIbrahim, na terceira posição do ranking de países mais vulneráveis a mudanças climáticas.

Essa situação desautoriza, por assim dizer, a atribuição de nossa parte dos efeitos de mudanças climáticas (como enchentes de bolanhas, secas e falta de chuva entre outros) aos eventos naturais. Nos convida, na contramão, a levar a sério a era do antropoceno e seus preocupantes e nefastos efeitos. O antropoceno, um termo vulgarizado no início do milénio pelo químico holandês Paul Crutzen, vencedor do Prêmio Nobel de química na década de 1990, para quem é leigo no assunto, constitui uma nova era geológica no qual prepondera o papel do homem sobre a natureza. Ou seja, uma era na qual as atividades humanas (devido aos avanços tecnológicos e industriais) impactam e transformam drasticamente a natureza, gerando variados problemas de ordem ambiental e climático.

Neste sentido, é profícuo reconhecer que é demasiado triste e lamentável saber que pela nossa própria iniciativa (me refiro mais diretamente aos autores das obras no parque) iremos destruir um rico patrimônio nacional como é o M’batonha a troco de gigantescos prejuízos ecológicos e sociais não apenas a nossa geração, mas também a vindoura. Espero sinceramente que esta iniciativa cesse o mais rápido possível e que as autoridades competentes assumam suas responsabilidades e atuem para o bem de todos.

À guisa de conclusão, volto agora, conforme prometi de antemão, a declaração de sua excelência presidente da República. Senhor presidente, eu particularmente não consigo dissociar o interesse ambiental de interesse nacional. Deixa me ser mais claro: em minha ótica, e penso que também seja a percepção da maioria, o interesse ambiental (no que respeita o nosso território) constitui natural e automaticamente o interesse nacional. Não fosse assim o país não enviaria uma delegação inteira ao Sharm el Sheik, no Egito, para participar na cúpula de clima COP27 – ou esse gesto serviu/serve apenas para agradar a comunidade internacional?

Enfim, acredito que ainda há tempo de o senhor usar sua magistratura de influência para desautorizar essa iniciativa. As instituições que se projetam edificar no parque são importantes e toda a sociedade reconhece e aplaude isso. Mas há vários outros lugares pela cidade ou pela sua região metropolitana para a realização dessas construções. Lugares como parque de M’batonha são extremamente valiosos e estão presentes em todas as cidades que se queiram social e ecologicamente sustentáveis – vide o Central Park de Nova York ou Parque Ibirapuera na cidade brasileira de São Paulo para citar alguns. Portanto, as constantes manutenção e preservação do nosso M’batonha se devem justamente a estas e outras valores.

Por: Deuinalom Fernando Cambanco
Mestre em Relações Internacionais

Conosaba/odemocratagb

Sem comentários:

Enviar um comentário