sábado, 27 de agosto de 2022

ESCULTORES GUINEENSES ACUSAM MINISTÉRIO DO TURISMOS DE ENTREGAR O SETOR EM MÃOS ALHEIAS

Os escultores guineenses acusaram o Ministério do Turismo e Artesanato de entregar o setor a mãos alheias e de estar a dar oportunidades a outras pessoas para representarem a escultura guineense que não “entendem nada de esculpir”. Admitem passar por muitos sacrifícios e de terem poucas recompensas e apoios do executivo.

Em entrevista ao jornal O Democrata (agosto de 2022) para falar do impacto da escultura no país e do papel do Estado para impulsionar este campo artístico, os escultores revelaram que a Guiné-Bissau não está a corresponder com as exigências da União Económica e Monetária do Oeste Africano (UEMOA) sobre a estruturação e a organização do setor do artesanato, que pudessem permitir a entrada de fundos que a organização monetária sub-regional disponibiliza aos países membros para participar nas feiras internacionais e exposições de obras de artes.

Os escultores lamentaram que o setor tenha sido, depois do mandato do falecido Presidente da República, Luís Cabral, relegado ao último plano pelos sucessivos governos e ter caído no esquecimento total.

“Depois do mandato do Presidente da República Luís Cabral, os sucessivos governos relegaram o setor para o último plano, abandonaram-no e está no esquecimento total”, disse Idiaming José Biaguê do Centro artístico de Belém.

“Viver da escultura é difícil. Um escultor consegue apenas assegurar a subsistência da família, mas resolver outras necessidades básicas, nem pensar”, afirmou e disse que a má perceção que se tem das estatuetas, muitos cidadãos nacionais não as compram, porque “representam diabos”.

“Os desenhos representados em forma de estatuetas em madeira sofrem de sérios preconceitos. Alguns cidadãos nacionais interpretam esta arte como símbolo do irã (espírito, ser sobrenatural) ou algo para cerimónias tradicionais e diabólicas. Este aspeto contribuiu significativamente para o baixo número de consumidores nacionais”, criticaram.

CENTRO ARTÍSTICO DE BELÉM PEDE INSTITUCIONALIZAÇÃO DA CÂMARA E OFÍCIOS NACIONAL

A funcionar há mais de 46 anos, o Centro Artístico de Belém pediu que seja institucionalizada a Câmara de Artes e Ofícios Nacional (CAON), para que possa trabalhar diretamente com a União Económica Monetária Oeste Africana (UEMOA), porque, “desta forma será possível apresentar as obras do artesanato da Guiné-Bissau nas plataformas internacionais”.

Idiaming José Biaguê, administrador do Centro Artístico de Belém, disse que a CAON não é ainda uma organização nacional, embora tenham feito trabalhos nesse quadro.

Biaguê exortou o governo a organizar e estruturar o setor do artesanato para que o país possa ter o privilégio de participar nas feiras e reuniões internacionais que são organizadas pela UEMOA.

Idiaming José Biaguê afirmou que, mesmo que os artistas nacionais participem nesses encontros da UEMOA de forma individual ou em organizações, sentem-se limitados, porque a “ignorância” do Estado em organizar o setor do artesanato é “gritante”, tendo revelado que a Guiné-Bissau tem estado a perder muitas oportunidades e verbas disponibilizadas para os Estados membros da organização monetária sub-regional.

“Esses bolos, que são destinados para a Guiné-Bissau, acabam por ser retirados por falta de cumprimento das exigências da UEMOA. Quem perde com isso somos nós, os artistas, e principalmente o país. Por isso, é importante estruturar o artesanato”, indicou.

Idiaming José Biaguê informou que a iniciativa da criação do centro surgiu no âmbito da necessidade de ajudar os jovens estudantes oriundos de diferentes zonas rurais da Guiné-Bissau com desejo de continuar os estudos na capital Bissau.

Biaguê explicou que, desde o desaparecimento físico do padre Hermano Batista, mentor do projeto, o centro de jovens não tem tido apoios, sobretudo do governo.

“Hoje, os jovens quadros formados pelo centro estão a dar resultados visíveis a nível do aparelho do Estado. O centro merecia ser amparado pela estrutura do Estado guineense”, defendeu.

“O padre facilitava-nos com a venda dos nossos produtos. Comprava-os aos escultores do centro e vendia-os no estrangeiro e dessa forma também conseguíamos vender. Apesar de continuarmos com as vendas no estrangeiro, já não é igual. Fazemo-lo agora com enormes dificuldades”, lamentou.

O administrador do Centro Artístico de Belém revelou que, depois do falecimento do padre fundador do centro artístico, aquela estrutura não tem recebido também grandes apoios da Igreja do Cristo Redentor, de quem esperava receber algum apoio, embora tenha a sua autonomia administrativa e financeira. Sublinhou ainda que a casa de arte juvenil, desde foi sempre autossuficiente, ainda assim precisa de algum apoio, sobretudo depois de o seu mentor ter falecido.

O administrador confirmou que as peças de escultura não são consumidas a nível nacional e que os maiores consumidores são estrangeiros, de modo que trabalhar atualmente no artesanato na Guiné-Bissau é “um grande problema”.

Questionado sobre o envolvimento do setor turístico nessa matéria, Biaguê respondeu que é uma área que não se desenvolveu significativamente ao ponto de atrair turistas para comprar produtos do artesanato guineense.

“Internamente, tem sido difícil conseguirmos realizar grandes vendas dos nossos produtos, às vezes passamos uma semana sem vender uma peça”, revelou, para de seguida enaltecer o empenho que o antigo Presidente Luís Cabral deu para o setor do artesanato e fez lembrar que na maioria de suas viagens levava sempre obras e ainda dava apoio ao centro como forma de incentivá-los a prosseguir o trabalho de arte.

Lamentou que depois da época de Luís Cabral, nenhum dos sucessivos governantes tenha conduzido a Guiné-Bissau e o setor do artesanato ao ritmo de Luís Cabral e ter dado valor ao trabalho de arte, em particular da escultura e valorizado os trabalhos do centro na promoção da cultura a nível nacional e internacional, bem como da formação dos jovens oriundos de diferentes cantos rurais do país.

O administrador revelou que a maior dificuldade que o centro atravessa reside na comercialização das peças. Os troncos, a matéria-prima, com os quais são elaboradas as estatuetas são vendidos a preços muito caros e o centro não está a ter capacidade para continuar a comprá-los.

COMPRAM OS NOSSOS TRABALHOS PARA APRESENTAR NA EXPOSIÇÃO E NEM SABEM O QUE REPRESENTAM – SANCA

O escultor José Carlos Sanca acusou o Ministério do Turismo e Artesanato de entregar o setor a mãos alheias e de estar a dar oportunidade a outras pessoas para representarem a escultura guineense, mas que “não entendem nada de esculpir”.

“Muitas vezes recebemos verbas para representar o país nas feiras internacionais, mas são divididas a nível dos gabinetes. Compram os nossos trabalhos e não sabem explicar o que são: Nessas condições, como é que a UEMOA vai continuar a disponibilizar mais verbas para a Guiné-Bissau, se as pessoas que vão representar não entendem nada da madeira” questionou?

O artista frisou que a instabilidade política tem causado um retrocesso à institucionalização e estruturação da Câmara de Artes e Ofício (CAON), para que pudesse existir uma organização nacional da classe que representasse o país nas feiras internacionais de artesanato.

“Com sucessivas quedas de governos, os diferentes dirigentes da CAON não conseguiram dar continuidade ao projeto de criação de uma associação nacional de escultores. O atual presidente da CAON, desde a sua nomeação, não fez as diligências junto dos presidentes regionais para saber onde paramos e o que precisa ser feito”, disse.

José Sanca afirmou que o estado da escultura na Guiné-Bissau está de pernas viradas para o céu e criticou que é uma área que não é valorizada pelos guineenses. Sanca disse a O Democrata que não incentiva o seu filho a ser escultor por ser um setor precário e sem valorização.

José Carlos Sanca disse que o governo nada fez para a materialização da Feira do Artesanato de Bissau, mas sim foi um esforço conjunto dos artistas que já não aguentavam mais sentar nos algures da praça de Bissau.

“Vendíamos em diferentes zonas, mas era mais fácil encontrar-nos no passeio de Henrique Rosa. Alguns dos nossos colegas conseguiram espaços dentro do mercado central, que teve incêndio e tínhamos que procurar um refúgio. Foi nesta base que pedimos apoio ao Carlos Gomes Júnior e conseguimos este espaço”, relatou.

Sanca frisou que adquirir matéria-prima tem sido difícil e ainda custa caro. Revelou que são bloqueados quando vão à procura desse material no interior do país, de modo que passaram a comprar troncos ou lenhas na cidade de Bissau, o que lhes tem saído muito caro.

“Somos bloqueados. Exigem-nos ter licença para ter acesso à de troncos e o nosso poder económico é muito inferior a isso. Para entrar com cinco, seis ou sete troncos é um problema e na maioria das vezes somos bloqueados”, disse.

No que refere a mitos à volta da escultura, Sanca salientou que esse fenómeno acontece mais no seio de fiéis muçulmanos, mas têm comprado as estatuetas nos últimos tempos.

O escultor disse que gostaria que houvesse mais proximidade do governo com o sector, para que pudessem, em conjunto, organizar uma campanha de sensibilização que esclarecesse a toda população guineense que a escultura é uma forma de manifestação da cultura, não tem nada a ver com a questão dos diabos.

José Carlos Sanca profetiza que daqui a menos de vinte anos, se a situação da escultura não mudar, a Guiné-Bissau não terá novos escultores e o setor pode desaparecer.

O escultor afirmou que uma das dificuldades que enfrentam é a falta de poder de compra dos cidadãos nacionais, porque a procura de clientes estrangeiros diminuiu, devido à pandemia da Covid-19.

“Uma pessoa tem que ter coragem e paciência para ser um escultor, às vezes passamos uma semana sem que uma só pessoa pergunte quanto custa uma peça”, lamentou.

O artista afirma que a escultura é o ponto focal para alcançar o desenvolvimento na Guiné-Bissau, razão pela defendeu que é preciso valorizá-la e injetar grandes investimentos.

Sanca defendeu ainda a criação da escola do artesanato, onde a nova geração possa aprender a esculpir e que seja também criado alguma peça de identificação de escultor.

“EXISTE MUITO SACRIFÍCIO, MAS POUCA RECOMPENSA MONETÁRIA” – DECANO EM ESCULTURA

O antigo escultor guineense, Adulai Djaló, que começou a trabalhar em 1974, disse que aprendeu a trabalhar na escultura muito cedo, tendo confessado que existe muito sacrifício no setor e pouca recompensa em termos monetários. Acrescentou que antes, a escultura vendia e muito “porque vinham brancos por todo o lado para comprar uma peça e eram os nossos maiores clientes”.

“Até a peça que consideravamos que não prestava, tinha sempre uma pessoa que se interessava por ela”, lembrou com um olhar de tristeza, acrescentando ainda que os materiais de trabalho são cada vez mais caros e que os troncos, atualmente, custam muito dinheiro para quem tem poucas finanças.

O artista afirmou que a situação é desencorajadora, porque “a pessoa perde o mercado e a forma de trabalhar”.

“É triste testemunhar muitos dos nossos colegas a desistirem da profissão que mais gostam. É verdade que tem muito sacrifício, mas temos que ter muita coragem para enfrentar os desafios”, enfatizou.

Adulai Djaló reconheceu a contribuição do antigo Presidente Luís Cabral na forma como impulsionou o setor, para de seguida revelar que nunca beneficiou diretamente das verbas do governo, porque era um escultor ambulante e a promoção que Luís Cabral fazia atraia os turistas que visitavam a Guiné-Bissau e desta forma vendiam e sentiam o esforço do então presidente.

Adulai Djaló denunciou que, muitas vezes, as verbas que são destinadas à Guiné-Bissau são canalizadas para outras pessoas que não conhecem nada da escultura para representar o país lá fora.

“Eles compram as nossas peças para ir apresentá-las sem conhecer o nosso trabalho”, criticou.

Quanto ao poder de compra no mercado nacional, Djaló frisou que não há poder de compra e que os clientes estrangeiros continuam a ser os maiores compradores, mas nos últimos tempos tem reduzido a procura destes por causa do novo coronavírus.

De acordo com Adulai Djaló, na vigência da pandemia, o governo fez um recenseamento das pessoas que trabalham na feira do artesanato para depois ajudá-las, mas jamais foram tidas nem achadas.

“Pagamos três mil e quinhentos francos CFA e NIF de dois mil francos CFA, e até ao momento ninguém nos se comunicou connosco “, revelou.

Sobre o futuro da escultura, o decano disse acreditar que ainda é possível mudar o paradigma e ganhar novas dinâmicas, caso contrário o setor não terá uma vida longa, porque já está a registar-se a falta de interesse da nova geração pela escultura, devido às dificuldades que enfrentam.

Adulai Djaló exortou o Estado a colaborar com a cultura, colocar a escultura em primeiro lugar e investir seriamente nesse setor, porque pode contribuir e impulsionar o desenvolvimento do país.

Djaló admitiu que as pessoas da religião muçulmana são as que mais pensam que uma obra de escultura é símbolo de diabo, quando na verdade é apenas uma manifestação artística e representação da cultura.

O escultor pediu um espaço confortável para a feira do artesanato, porque o espaço no coqueiro não reúne as condições, quando chove infiltra a água da chuva, não conseguem trabalhar e, às vezes, são obrigados a sentarem-se no chão e no meio de muita humidade. Perante estes fatos, pediu às autoridades, sobretudo ao Ministério do Turismo e Artesanato, a investirem muito para garantir que a escultura guineense tenha outra dimensão.

António Carlos Sanca também escultor descreve a situação por que passa o setor como “péssima e vulnerável” e sem apoio do Estado da Guiné-Bissau para a sua valorização e preservação.

“Com a situação da pobreza que atravessamos no nosso país, se uma pessoa não tiver que comer, acha que ela vai ter interesse em comprar uma estatueta para enfeitar a sua casa, não” salientou.

António Carlos Sanca disse que é possível viver do trabalho de escultor, mas um artista não pode sonhar em fazer poupanças e guardar alguma coisa para outras necessidades.

O escultor reconheceu que a maior dificuldade que enfrentam é conseguir matéria-prima e o fraco poder de compra dos cidadãos nacionais.

António Sanca denunciou que o preço dos troncos subiu “drasticamente” no mercado, uma peça que era vendido a um preço de dois ou três mil passou a custar agora dez mil ou quinze francos CFA e materiais que eram de quinhentos ou setecentos e cinquenta francos CFA custam atualmente cinco mil francos CFA

Neste momento, segundo Sanca, não têm um cliente certo, devido aos constrangimentos causados pelo novo coronavírus, os estrangeiros diminuíram as suas visitas ao país e o mercado nacional não tem poder de compra.

“Nesse momento vendemos mais peças pequenas. As pessoas que viajam compram alguma peça pequena como um presentinho para um amigo ou familiar. Não compram peças grandes devido ao excesso de peso. As nossas peças grandes ficam às vezes por mais de dois anos sem comprador”, informou.

O artista também confirmou que a não existência de uma associação nacional de escultores e enalteceu a importância da criação da Câmara de Artes e Ofícios Nacional, porque “sem essa associação, a Guiné-Bissau não poderá participar nas feiras internacionais, também o fundo da UEMOA vai continuar a ser bloqueado por não cumprimento das exigências da organização”.

Por: Djamila da Silva
Foto: D. S
Conosaba/odemocratagb

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