segunda-feira, 24 de outubro de 2022

Linha de fronteira: ROUBO DE GADO AMEAÇA A CONVIVÊNCIA ENTRE AS COMUNIDADES RURAIS E ALIMENTA CONFLITOS

As comunidades rurais localizadas na linha de fronteira entre a Guiné-Bissau e o Senegal estão confrontadas com casos de roubo de gado bovino perpetrado por grupos armados.

O setor de São Domingos, região de Cacheu, norte do país, é uma das zonas mais afetadas pelo aumento de casos de roubo de gado contra a população indefesa e em situação de aflição.

A crescente prática do roubo de gado nos últimos tempos ameaça a convivência pacífica intercomunitária que outrora existia nas aldeias da linha de fronteira entre os dois países, conforme relatou à repórter da REJOMEI, o jornalista e especialista em matéria de roubo de gado da estação emissora comunitária “Kassumai”, de São Domingos.

Segundo dados estatísticos da Rede Oeste Africana para a Edificação da Paz na Guiné-Bissau (WANEP – GB) consultados pela REJOMEI-GB, no período de 2018 a 2019 foram roubados 1667 bovinos por bandos armados, nas zonas fronteiriças entre a Guiné-Bissau e o Senegal, fato que elevou o nível de desconfiança entre as comunidades rurais e aumentou o nível de risco de um conflito comunitário.

MAIMUNA DANFA – UMA VÍTIMA DE ROUBO DE GADO QUE SE RENDEU AOS GATUNOS

A equipa de reportagem da Rede de Jornalistas sobre Mercado e Economia Ilícitos da Guiné-Bissau (REJOMEI-GB) ouviu uma senhora da aldeia de de N’Ghaba, arredores da cidade de São Domingos, que faz da criação de gado bovino uma atividade geradora de rendimento, mas que foi assaltada várias vezes por grupos armados que lhe levaram tudo.

Maimuna Danfa confessou à repórter que, na verdade, se rendeu por completo aos gatunos, porque não tem como se defender, muito menos tem a proteção das forças de segurança daquela zona.

“No dia 17 de setembro deste ano, roubaram quatro cabeças de gado e uma vitela do cural onde estavam guardados. É a segunda vez que estou a ser vítima de roubo de gado. O que me deixa totalmente revoltada e muito desanimada de viver e continuar a assistir a esta situação acontecer sem que alguém me socorra e que faça alguma coisa para acabar com o roubo de gado”, relatou, prosseguindo com lágrimas “estou de mãos atadas e já não sei o que fazer!”

“Sou viúva e sustento os meus filhos com esta atividade de cria de animais, pago as mensalidades da escola dos meus filhos”, contou, lamentando que o país tenha chegado a essa situação, em que ladrões roubam a mão armada e não há ninguém que os identifique e os responsabilize perante a justiça.

“Não temos a justiça a funcionar. Para nós, o Estado não existe nesta zona! Agora não tenho nenhuma esperança de encontrar os meus quatros animais”, disse.

Ouvido pela REJOMEI-GB, o jornalista da Rádio Comunitário Kassumai e especialista em matéria de roubo de gado bovino, Maurício Gomes, confirmou a existência de um clima de tensão na fronteira entre as comunidades rurais criadoras de gado, quer da parte guineense, quer do lado senegalês.

“As aldeias vizinhas do Senegal (Mpack, Brigadje, Brofai-Bainunca, Brofai-Djola, Tubacuta e Camarakunda) têm denunciado frequentemente o roubo de gado, acusando a parte guineense de ser o responsável pelo roubo. E a parte guineense, toda seção da Campada, faz contra acusações de que estão a ser vítimas de mentiras dos vizinhos do Senegal”, relatou o jornalista, que confessou estar muito preocupado com a tensão que cresce a cada dia entre as comunidades, por causa do roubo de gado perpetrado por grupos armados.

Sobre estes casos e dos riscos de conflito intercomunitário, a REJOMEI-GB ouviu o líder tradicional da Comunidade de São Domingos, que criticou a fraca capacidade dos agentes da polícia em combater o fenômeno no setor.

Agostinho Djaura disse que é urgente a intervenção das autoridades policiais, com recurso a estratégias capazes de estancar o roubo, de forma a evitar que o clima de tensão que reina na zona fronteiriça descambe em conflito entre as comunidades dos dois países vizinhos.

“O fenómeno tem preocupado bastante as comunidades. É uma prática ilícita que está a afetar, de certa forma, o rendimento económico da população local e, consequentemente, cria frustração nos criadores de animais. O gado é uma espécie de um banco para um criador, por isso se for roubado cria um grande problema no seio da família que tem gado como a única fonte de rendimento económico”, contou o chefe tradicional.

Contactado pela REJOMEI-GB para falar sobre as medidas levadas a cabo para combater o roubo e, consequentemente, garantir segurança às populações e aos seus animais, o Comissário da Polícia da Ordem Pública da Província Norte, Sambum Seidi, explicou que, neste momento a corporação que dirige já montou postos permanentes de vigilância fronteiriça em Bigene, Farim e Ingoré.

O Comissário revelou que em apenas três meses da implementação de uma nova estratégia de combate ao roubo, as forças de segurança recuperaram mais de 300 cabeças de gado, que já foram entregues aos respetivos donos.

Por: Mamudo Dansó
vice-coordenador da REJOMEI
Email. rivadanso@gmail.com
Conosaba/odemocratagb

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