Juristas nacionais consultados pelo O Democrata divergem quanto à caducidade da direção da Comissão Nacional de Eleições (CNE), em relação à sua legitimidade para gerir o processo eleitoral, sobretudo as eleições agendadas para o dia 18 de dezembro.
Uma corrente defende que a eleição da nova direção apenas pode ser feita na Assembleia Nacional Popular e por dois terços dos deputados, mas a ANP está dissolvida e a Comissão Permanente não pode substituir a plenária do Parlamento.
Perante esse imbróglio que suscita debate e contestação dos partidos políticos, o Democrata consultou dois juristas da nossa praça para analisar e debruçar sobre a competência ou não daquele órgão para gerir o processo eleitoral, particularmente as eleições legislativas antecipadas de 18 dezembro.
Trata-se de Mamadu Saliu Djaló, que defende que a atual direção da CNE tem legitimidade para organizar o processo eleitoral e Hotna Cufuk Na Dohá que afirma que a atual direção da CNE está caduca e que o figurino que apresenta não tem competências, de acordo com a lei, para gerir as eleições, por isso defendeu um entendimento político entre partidos políticos.
JURISTA SALIU DJALÓ: “ESTA DIREÇÃO DA CNE TEM LEGITIMIDADE PARA ORGANIZAR ELEIÇÕES”
O jurista Mamadu Saliu Djaló afirmou que a direção da Comissão Nacional de Eleições (CNE), liderada pelo Juíz Conselheiro M’Pabi Kabi tem legitimidade, ao abrigo da lei, para organizar eleições na Guiné-Bissau, contudo reconheceu que o mandato da direção executiva terminou no mês de maio e que cabe à plenária da Assembleia Nacional Popular decidir a eleição de novos membros da CNE, por dois terços dos deputados em efetividade.
“Uma vez que o Parlamento foi dissolvido, os estatutos da CNE, no seu artigo terceiro, número 6 da lei número 02/2010, salvaguarda essa situação. A lei diz que o mandato dos membros da Comissão Nacional de Eleições só termina com a tomada de posse de novos membros eleitos pela plenária da Assembleia Nacional Popular, ressalvando todas as vicissitudes que possam ser invocadas em relação à caducidade dos órgãos”, esclareceu.
Djaló disse que o mais desejável seria que a Assembleia Nacional Popular, através da sua plenária, elegesse os novos membros da CNE, tendo em conta a periodicidade de quatro anos e que, segundo a lei, “uma vez completado o período razoável, era efetivamente organizar novas eleições”. Acrescentou que, com a dissolução do Parlamento, é impossível para já falar da eleição de novos membros da CNE pela Assembleia Nacional Popular.
“Não é por acaso que a lei determina dois terços dos deputados em efetividades de funções para eleição de novos membros da Comissão Nacional de Eleições, o que não é o caso neste momento. A Comissão Permanente não pode fazer isso, porque o artigo 95 da Constituição mostra claro que em nenhum preceito e nem pela interpretação, não é possível admitir que a Comissão Permanente escolha os membros da CNE”, assegurou o jurista.
Sobre a solução ou consenso político defendido por várias formações políticas para a eleição de novos membros da CNE para supervisionar o processo eleitoral, o jurista disse que não percebe efetivamente o que os partidos querem em concreto com o entendimento político que reclamam. Alertou, neste particular que, se existir um entendimento político, os partidos estarão a preceder o que a lei já tinha salvaguardado sobre situações de género. Para Mamadu Saliu Djaló, a solução passa apenas pelo cumprimento da lei da CNE.
“Não se trata de uma comissão que integre apenas os membros do secretariado eleitos pela plenária da Assembleia Nacional Popular com dois terços, mas também todos os titulares da representação de todos os órgãos da soberania deste país, como também reúne todos os partidos concorrentes às eleições.
A lei admite que seja fiscalizado, desde o ato de recenseamento até ao anúncio dos resultados, de maneira que não vejo nenhuma necessidade de procurar outros consensos à margem desta lei, uma vez que temos os membros do secretariado eleitos pela plenária da ANP, embora estejam no fim do mandato. Temos a situação do Parlamento que não pode cumprir essa atribuição ou a missão de eleger novos membros”, enfatizou.
Questionado sobre a falta de quórum dos membros do Secretariado da CNE, criticada pelos partidos, dado que um dos membros daquele órgão assumiu a função do Juíz conselheiro no Tribunal de Contas, o jurista afirmou que não existe falta de quórum no Secretariado da CNE, “porque Idriça Djaló, um dos membros do Secretariado Executivo, que concorreu para novos juízes conselheiros do Tribunal de Contas, fez questão de requerer o adiamento da posse. O pedido foi deferido pelo presidente do Tribunal de Contas, sabendo da complexidade que a sua assunção ao cargo poderia complicar o processo eleitoral”.
“Sendo assim, Idriça Djaló ainda não é juiz conselheiro daquela instituição, porque não assumiu a função, de maneira que continua no Secretariado da CNE, por isso que não se pode falar de falta de quórum na CNE”, contou.
“Com todo respeito para os signatários da carta aberta entregue à Comissão permanente da ANP, a carta só pode servir apenas para chamar atenção, mas não há nenhuma possibilidade para quem tenha boa-fé, que esteja democraticamente a concorrer e que se paute pelos princípios democráticos. Não há espaço para desacreditar o processo eleitoral, uma vez que a lei admite que nós, enquanto concorrentes, devemos acompanhá-la do início ao fim, a não ser que haja outras vicissitudes futuras que possam aparecer durante processo eleitoral, mas com a atual composição da CNE, não vejo razões para preocupações”, frisou.
HOTNA: DIREÇÃO DA CNE NÃO TEM LEGITIMIDADE PARA REALIZAR ELEIÇÕES E APOIA SOLUÇÃO POLÍTICA
O Democrata ouviu igualmente a opinião de outro jurista sobre a caducidade da direção da Comissão Nacional de Eleição e se está em condições legais para supervisionar ou organizar o processo eleitoral.
Confrontado com a situação, o jurista Hotna Cufuk Na Dohá disse que na verdade, a direção atual da Comissão Nacional de Eleições não está apenas com problemas de caducidade do mandato dos seus membros ou de realizar eleições no país, mas depara-se também com o problema de impedimento de um dos membros da direção, o Presidente da CNE.
“A CNE está na caducidade, porque, de acordo com o artigo terceiro da lei da Comissão Nacional das Eleições, os membros do secretariado executivo são eleitos por dois terços dos deputados em efetividade das funções para um mandato de quatro anos renovável por igual período. Há pessoas que defendem que o número 06 deste mesmo artigo estabelece uma regra que permite os membros do secretariado estarem fora desta situação da caducidade, pelo facto de estabelecer que os membros da CNE iniciam as suas funções com a tomada de posse e cessam o mandato com início de funções com os novos membros, mas estamos perante a caducidade, porque o mandato foi limitado por número 01 do artigo terceiro”, explicou o jurista.
O jurista admitiu que o artigo número 6 da lei da CNE permite que o secretariado executivo da Comissão Nacional de Eleições funcione, enquanto se aguarda que os novos membros entrem em funções. Explicou que o artigo em causa resolveu o problema da vacatura, porque “caso contrário, não estaríamos apenas a falar do problema da caducidade, como também da vacatura, o que significaria fechar as portas da CNE e mandar todos para casa. Mas perante esta situação devem continuar a exercer, aguardando a chegada dos novos membros”.
“Se as funções cessaram é claro também que o mandato acabou, sendo assim estaríamos perante a caducidade dos membros do secretariado executivo daquela instituição encarregue de organizar escrutínio, portanto o artigo número 6, repito, resolve apenas a situação da vacatura. O artigo 10 do mesmo diploma determina no seu número 1 que, em caso de impedimento permanente ou renúncia do membro do secretariado, neste caso concreto, José Pedro Sambú, se proceda a nova eleição do membro em causa, nos termos do artigo terceiro” contou, para de seguida, alertar que o presidente interino da CNE, M’Pabi Kabi, só pode fazer o trabalho provisoriamente, aguardando a eleição do novo presidente.
Sobre a dificuldade da eleição de nova direção da CNE devido a dissolução do Parlamento, Hotna Cufuk Na Dohá defende a busca de consenso político entre os partidos que tinham assento parlamentar na décima legislatura. Ressalvou que é preciso que os partidos alcancem um entendimento à volta da figura interessada para ocupar a função de presidente da Comissão Nacional de Eleições.
Questionado sobre as implicações ou consequências dessa decisão no futuro, se a atual direção realizar o escrutínio, o jurista disse que é possível não haver nenhuma consequência se os interessados não protestarem sobre os atos praticados pela direção caducada da CNE. Advertiu que se algum interessado vier a contestar a legitimidade do órgão para gerir o processo eleitoral, terá a razão.
Alertou que poderá levar a não realização de eleições e se tentarem forçar o processo, criará uma confusão no futuro, que pode chegar até à impugnação de atos praticados pela pessoa que não tem legitimidade de organizar as eleições, o que não seria bom para o país”.
“O presidente é quem dirige a CNE e neste momento não temos essa pessoa. Não podemos considerar o substituto como presidente, porque não se trata de uma substituição numa situação normal, mas sim da pessoa que é impedida e a lei obriga a que se faça eleição naquele lugar, de maneira que aquela substituição não pode transformar-se num mandato, porque o secretário executivo não tem mandato de presidente da Comissão Nacional de Eleições”, esclareceu.
Por: Aguinaldo Ampa
Foto: A.A
Conosaba/odemocratagb
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