quinta-feira, 27 de maio de 2021

Seca, degradação de zonas de pasto e doenças inquietam criadores de gado


A região de Gabú conta com 657326 cabeças de gado bovinos, 156349 caprinos, 193445 ovinos (censo de 2009), sendo que, atualmente, estes dados tenham subido em mais de 10%, mas podendo ter sido também afetado seriamente com a problemática da seca, que atingiu fortemente a região leste do país, aliada à degradação de zonas de pasto e de doenças de animais, segundo responsáveis do setor pecuário.

Nesta reportagem, pretende-se abordar em grandes linhas a importância do subsetor da pecuária na economia nacional e a sua decadência gradual, devido ao aumento da seca no leste, zona potencial de criação de gado que, também, tem reflexo sobre os recursos naturais.

Entrevistas com responsáveis de estruturas de apoio e criadores, exploração de documentos e relatórios de organizações que apoiam o desenvolvimento do setor permite apurar informações reais sobre a situação da pecuária nas regiões de Gabú e Bafatá.

De acordo com as informações disponíveis, o subsector da pecuária desempenha um papel particularmente importante na economia do país, contribuindo com 17% do PIB nacional e com 32 do PIB do setor agrário. A grande concentração da cria do gado bovino verifica-se no leste do país (85%), o que tem traduzido numa importante pressão e degradação dos recursos naturais na zona.

Esta situação poderá constituir brevemente um ponto de estrangulamento importante ao desenvolvimento da zona leste do país, com reflexos consideráveis sobre a economia do país em geral.

Outro dos principais obstáculos ao desenvolvimento da cria do gado bovino, segundo os responsáveis da associação de criadores e suíno, está ligado à saúde ou falta de dela do animal, o baixo potencial genético das raças locais, à insuficiências de locais de pastagem e, sobretudo, de água durante a época seca. Essa situação obriga os criadores a prática da transumância em direção aos principais cursos de água (Geba, Tchaianga e Corubal) durante o período que vai de dezembro a julho.

Apoiar pastores de gado

De acordo com Aladje Tidjane Candé, presidente da Associação dos Criadores de Gado Bovino e Suíno da Região de Gabú-Balal Gainako, (entenda-se em dialeto fula apoiar os pastores) a problemática de seca, ou seja, as mudanças climáticas na Região de Gabu já é uma realidade com o aumento considerável da temperatura, deixando as bolanhas e principais lagoas, riachos e rios em estado de total sequeira a partir do mês de fevereiro, obrigando os criadores a percorrem, em cada ano, mais de150 km, em direção ao norte do país, a procura de pasto e agua, onde sofrem grandes problemas (inclusive de roubos maciços) e consequências durante esta transumância, devido à falta de aplicação da Lei de Terra e fixação de corredores de gado.

Segundo Aladje Tidjane Candé, os criadores, apesar de possuírem grandes manadas de gado bovino, vivem em condições de pobreza extrema, situação que se deve, principalmente, ao fraco desenvolvimento das infraestruturas e dos serviços de apoio, as limitadas oportunidades de acesso às tecnologias apropriadas de transformação e conservação dos produtos lácticos e seus derivados.

Como exemplo de degradação gradual do setor da pecuária, o presidente da associação de criadores apontou alguns dados menos encorajadores, sublinhando que em 2015 exportaram para outras regiões do país mais de 20 mil cabeças de gados para fins comerciais, enquanto nestes últimos três anos nem “conseguimos atingir 15 mil gados exportados”, o que demonstra claramente que a seca, a mortalidade e falta de pasto afetam drasticamente a vida dos criadores, assim como do país.

Informou que de janeiro a maio deste ano morreram mais de 121 vacas no rio de Tchetche na tentativa de conseguirem água para beber, acabando não poder subir.

Febre aftosa mata mais de 393 gados

Outra grande preocupação dos criadores da Região de Gabú terá a ver com o surgimento da doença do gado denominada febre aftosa (fievre aphteuse) que está a fustigar os animais da zona.

Segundo informações avançadas pelo presidente da Associação Balal Gainako, este ano morreram em cinco corais das comunidades de Banim, Balança, Pinar Farina, Missira e Camboido, na seção de Tchanhana, setor de Gabú, 393 gados, devido à febre aftosa.

Esta situação está provocar enormes prejuízos à comunidade dos criadores, muito preocupada e sem perspetivas em vista de verem erradicada a doença, uma vez que os serviços veterinários da Guiné-Bissau não dispõem de vacinas para fazer face à epidemia, explicou aquele responsável. Também, esta doença foi confirmada desde 2016, no Senegal e, atualmente, atingiu a Guiné-Bissau, causando enormes prejuízos económicos à população.

Segundo Candé, os serviços veterinários da região estão simplesmente fazer tratamento aos animais, porque não há vacinas e também estão muito limitados em termos de meios e recursos humanos.

Em Gabu existe apenas um médico veterinário para cuidar de cerca de 700 000 cabeças de gados e o resto do pessoal são técnicos médios. Com esta limitada equipa não se consegue fazer face às demandas da região tão vasta e com enormes crias, razão pela qual exorta o Governo a criar condições mínimas necessárias para os serviços veterinários funcionarem.

Degradação dos serviços pecuários

Realmente, o setor pecuário carece de muitas coisas. No entender do presidente da associação dos criadores de gado da região de Gabú, para que haja uma melhoria da qualidade de gado face à procura de mercado tem que ser feita muita coisa, nomeadamente implementação de um programa de apoio à curto, médio e longo prazo, cujo objetivo visa contribuir para o desenvolvimento resiliente e sustentável do setor pecuário.

Porém, manifesta-se preocupado com a degradação dos serviços veterinários, em que, atualmente, ninguém quer fazer a especialização neste domínio, o que torna cada vez mais estes serviços débeis e sem capacidade de resposta a sua missão e responsabilidades.

“É um setor que está degradar progressivamente, devido à escassez de recursos humanos aliada à desmotivação dos poucos recursos que ainda sobram neste setor tão vital para a economia nacional”, sublinhou.

“Precisamos ter serviços fortes para que possamos ter resultados que possam melhorar a produtividade e a segurança alimentar e criando um sistema autossustentado de maneio sanitário que permita a obtenção de medicamentos vacinas, desparasitantes e outros”, defendeu Aladje Tidjane Candé.

Políticas públicas

Tanto a Carta Nacional da Política Agrícola, como o PNIA, o Plano Nacional para o Ambiente como o DENARP I e II estabeleceram orientações estratégicas em termos de segurança alimentar, de gestão e preservação do Ambiente e da luta contra a pobreza. O que significa conciliar o uso durável dos recursos naturais ao desenvolvimento económico. Este imperativo é cada vez mais evidente no Leste do país, onde se concentra 85% do gado bovino e ao mesmo tempo, assiste-se uma degradação acentuada dos recursos naturais e com penúria em água tanto para o consumo animal como humano.

Com esta reportagem que consistiu em entrevistas, exploração de documentos e relatórios de projetos de desenvolvimento, identificou-se como prioridades a implementação de alternativas tecnológicas, que permitem rentabilizar e conciliar o desenvolvimento da pecuária e a regeneração dos recursos naturais na zona.

Ao nível das comunidades de criadores de gado que habitam a zona leste do país, o artigo responde aos seus anseios de verem melhoradas as suas condições de vida, através da criação de bases que permitam a sedentarização do gado, pressuposto fundamental para que as crianças possam ser escolarizadas e o seu bem-estar económico e social sejam garantidos de maneira durável e sustentável.

Contribuição das ONG

Entretanto, a situação em que vivem os criadores e a população em geral preocupam as organizações de desenvolvimento comunitário que intervém na zona. Aliás, nos seus planos estratégicos, espelham orientações claras de intervenções que devem ser feitas para atenuar a situação crítica em se encontra a zona leste, desde as problemáticas da seca, de desenvolvimento dos setores agropecuários, saúde, educação e acesso aos financiamentos e realização de infraestruturas.

Foi nesta linha de ação que a DIVUTEC com o apoio financeiro da União Europeia e em parceria com o IMVF-Instituto Marquês Vale Flor de Portugal implementou, num passado recente, projeto de desenvolvimento pecuário, construindo quatro furos pastoris em diferentes localidades da Região de Gabu para garantir água para o consumo animal e humano, unidade leiteira na cidade de Gabu com o propósito de valorizar os produtos lácticos, através de recolha e transformação do leite. Ainda construiu um campo de produção da ração animal com a introdução também da raça melhorada. Igualmente, deu apoio às campanhas de vacinação do gado em toda a região.

De igual modo, no âmbito de um outro projeto financiado pela AECID-Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento, em parceria com a ACPP realizou cinco furos pastoris em diferentes localidades da Região de Bafatá assim como a construção e equipamento de uma unidade de transformação de leite em Bantandjam, setor de Bambadinca, apoio às campanhas de vacinação em estreita colaboração com os serviços regionais da veterinária de Bafatá e Gabu.

Paralelamente, no quadro de outras cooperações, desenvolveu um vasto programa de luta contra a pobreza nas regiões de leste e sul da Guiné-Bissau, através de implementação de ações conducentes ao financiamento de atividades geradoras de rendimento, formação e reforço de capacidades técnicas das comunidades.

Enfim, uma ação concertada e coordenada entre as autoridades, ONGs e parceiros de desenvolvimento pode atenuar as enormes ameaças que pairam sobre o setor pecuário nas regiões do leste e que, consequentemente, terão reflexos negativos sobre a economia da população e do país em geral, o que poderá agudizar o nível da pobreza no seio das comunidades.

É importante e urgente a conceção e implementação de programas integradas de luta contra a pobreza, através de ações de investimento sério nos domínios de combate à seca, repovoamento florestal, promoção de agricultura ecológica resiliente às alterações climáticas, sensibilizações temáticas e introdução de tecnologias apropriadas para o aproveitamento das potencialidades existentes, reduzindo a pressão sobre os recursos naturais e, sobretudo, aplicação da Lei da Terra e do seu regulamento que, consequentemente, poderá reduzir os conflitos intercomunitários.

Texto e fotos: Djuldé Djaló
Conosaba/nô pintcha

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