domingo, 30 de maio de 2021

Guiné-Bissau: CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA SEM LEI PARA CRIMINALIZAR VIOLAÇÕES AMBIENTAIS

 

[REPORTAGEM _abril_2021] Os cidadãos guineenses vivem em más condições ambientais. O país não tem ainda uma lei para criminalizar os violadores da política ambiental que o governo tenta implantar. Os processos inadequados de tratamento de lixos que inundam as bolanhas e os mares são desastrosos para o meio ambiente. As zonas húmidas estão a ser invadidas por construções de casas que violam algumas regras ambientais que o governo está a tentar a implementar.

Os ambientalistas estão bastante preocupados e garantem que, se o meio ambiente não for muito bem preservado, as gerações vindouras não disfrutarão de recursos naturais, porquanto a Guiné-Bissau é um país altamente vulnerável às alterações climáticas.

Por outro lado, a ausência, na Constituição da República, de instrumentos legais de criminalização de crimes ambientais está a causar ainda mais dores de cabeça aos ambientalistas nacionais. Entendem que se houvesse uma lei que punisse crimes ambientais, salvar-se-iam os recursos naturais que existem e reduzir-se-ia o risco de vulnerabilidade ambiental no país.

“CRIMINALIZAÇÃO DAS PRÁTICAS VIOLADORAS DO MEIO AMBIENTE VISA GARANTIR UM FUTURO SUSTENTÁVEL”

O especialista guineense em Direito Ambiental, Welena da Silva, defendeu em declaração à nossa reportagem a necessidade da aplicação concreta da lei do ambiente. No seu entender “é urgente inscrever a preocupação da problemática ambiental na Constituição da República da Guiné-Bissau”. Espera que na próxima revisão constitucional, a lei da criminalização das práticas violadoras do meio ambiente esteja consagrada na lei magna da Guiné-Bissau para que possa haver uma real proteção do ambiente. Sustentou ainda que é urgente e necessário estabelecer os princípios jurídicos que visam garantir a sustentabilidade no futuro do ambiente.

“No plano legislativo deve haver na Guiné-Bissau uma lei de crime ambiental para criminalizar certas práticas e certas condutas dos cidadãos sobre o ambiente”, assegurou à nossa reportagem, lamentando que “a Constituição da República da Guiné-Bissau, é das poucas constituições no mundo que não têm um único artigo sobre a problemática ambiental.

Defendeu que “o desafio do nosso Estado deve ser o de integrar a lei da proteção do ambiente nos pacotes da próxima revisão da Constituição da República”, lamentando por outro lado que “neste momento o nosso país não está em condições de poder dar uma verdadeira resposta a um crime ambiental uma vez que não está previsto na lei”.

Para Welena da Silva a criminalização ambiental não tem apenas a função de punir, mas também de prevenir. No seu entender, deve haver legislação ambiental para a responsabilização civil de crimes na matéria ambiental. Considerou, por outro lado, que as medidas administrativas criadas pelo governo para proibições de certas práticas ou condutas contra o ambiente são insuficientes e insistiu na criminalização das más práticas ambientais que estão cada vez mais a fragilizar o equilíbrio ambiental que se pretende estabelecer na sociedade guineense.

Acusou o governo da Guiné-Bissau de ser o maior violador das leis ambientais, uma vez que tem autorizado a implementação de vários projetos sem nenhuma avaliação prévia do impacto ambiental, para saber se um determinado projeto poderá ou não provocar danos ao ambiente.

No seu entender, o navio KARPOWER que agora fornece energia elétrica a cidade de Bissau é um exemplo flagrante de violação das leis ambientais pelo governo da Guiné-Bissau.

Na mesma conversa com a nossa reportagem, Welena da Silva interroga se o Estado da Guiné-Bissau sabe e conhece bem, neste momento, quais os impactos que o referido navio pode ter no ambiente marinho. Na sua visão, é necessário antes de executar qualquer projeto, fazer-se  um estudo de avaliação ambiental para saber se pode ou não ser implementado.

Os projetos ambientais, no seu entender, devem respeitar a lei do impacto ambiental no sentido de fazer com que as gerações vindouras possam ter também acesso aos recursos naturais.

Todavia, Welena da Silva considerou que é possível a Guiné-Bissau explorar os seus recursos naturais e a sua biodiversidade. Sendo que para isso será preciso ter em consideração as preocupações ambientais. Sublinhou igualmente que é fundamental que a Guiné-Bissau aposte na educação ambiental desde o pré-escolar no sentido de poder educar as pessoas desde muito cedo sobre como e porque se deve proteger a água, as florestas, o solo e porque se deve fazer os estudos de impactos ambientais, porque é que as áreas protegidas e os animais devem ser conservados.

Defendeu, por outro lado, a razão pela qual os componentes das práticas culturais e tradicionais das etnias guineenses podem ser explorados no sentido de serem aproveitadas para enriquecer a luta pela proteção dos recursos naturais.

“Felizmente as nossas comunidades quase todas elas têm regras costumeiras. Tem práticas amigas do ambiente, até porque o costume é uma fonte de direito e na maior parte dos casos é mais eficaz do que a própria lei. É preciso investir no conhecimento dos costumes e na sua promoção para o bem do ambiente na Guiné-Bissau” disse.

Contudo, existem várias leis dispersas sobre o ambiente na Guiné-Bissau. É o caso, por exemplo, da Lei de Base do Ambiente, Lei da Terra, Lei de Avaliação do Impacto Ambiental, lei da floresta. Todas essas leis avulsas não estão a ser implementadas. Ou seja, morreram no parto antes de nascer. Por isso, Welena da Silva apelou a implementação efetiva das referidas leis e todas as outras convenções ambientais ratificadas pelo governo da Guiné-Bissau.

O ambientalista defendeu ainda a aplicação de todas as leis e políticas públicas de ambiente elaboradas e aprovadas pelo governo da Guiné-Bissau, exortando que “não podemos darmo-nos ao luxo de querermos o desenvolvimento a qualquer custo”.

Para Welena da Silva, a solução para ter um meio ambiente desejável na Guiné-Bissau passa necessariamente pela coordenação de esforços entre as diferentes estruturas do Estado na proteção do ambiente. O ambientalista considera que não pode haver ilhas isoladas no combate às alterações climáticas.

No seu entender é fundamental o governo promover a participação do público na tomada de decisões em matéria ambiental. Advertiu neste particular para a necessidade do governo ter em consideração, na implementação dos seus projetos, as preocupações ambientais para evitar a ocorrência de danos ambientais. No seu entender, “mais vale prevenir do que remediar”, por isso, o Estado da Guiné-Bissau deve adotar na sua política ambiental as medidas que antecipem os efeitos lesivos de uma determinada ação humana ao ambiente.

“Se vamos construir uma estrada ou explorar petróleo, o princípio da prevenção obriga que antes do início da atividade exploratória sejam identificados os potenciais impactos negativos que aquela atividade possa causar no ambiente para adotarmos as medidas de minimização de riscos” explicou sustentando que há ainda outras medidas de precaução em caso de dúvidas ou certezas cientificas sobre o impacto ambiental que uma determinada atividade possa ter no meio ambiente.

Por exemplo, o principio de poluidor pagador que tem como base o principio da justiça porquanto todos têm direito a um ambiente saudável. Assim, no seu entender, “quem exerce alguma atividade poluidora tem que pagar. Se não pagar vai criar externalidades negativas” porquanto, esse mesmo individuo vai beneficiar dos rendimentos ou tirar proveitos daquela atividade e provocar danos a comunidade, a um ambiente que é um bem comunitário sem indemnização.

Welena da Silva lamenta que infelizmente ainda não exista na Guiné-Bissau o cumprimento escrupuloso de todas as normas e princípios ambientais.

Na verdade, tem havido respeito por algumas dessas leis, “não obstante, haver na Guiné-Bissau violações grosseiras das normas e princípios ambientais por parte das entidades estatais que fazem as leis do ambiente”.

Todavia, o especialista garantiu a nossa reportagem que “há um regime de responsabilização na lei de base de ambiente, de responsabilidade não só objetiva como subjetiva. A própria Constituição da República estabelece que o Estado e demais pessoas coletivas são responsáveis por atos e omissões que praticam no exercício das suas funções”.

 Portanto, na sua visão “é possível responsabilizar pessoas de direito, devido a especificidade da problemática ambiental” mas também, sobretudo, pela relação entre o cidadão e o ambiente, deve-se elaborar uma legislação especial para a responsabilidade civil em matéria ambiental, tanto das entidades públicas e particulares, como existe em outros países.

O especialista defendeu ainda que é dever do Estado da Guiné-Bissau controlar a gestão da floresta em todo o território nacional mediante concessão de licenças de exploração e de fiscalização de toda a atividade exploratória. Lamentou, por outro lado, o fato de apenas haver regras na lei florestal para emissão de licenças para o corte da floresta, sugerindo que elas devem apenas ser respeitadas.

Na leitura de Welena da Silva, a sociedade civil da Guiné-Bissau tem desencadeado poucas ações no domínio do ambiente. No seu entender, os homens da sociedade civil têm um papel importante na preservação do meio ambiente no país e não devem resumir as suas ações apenas no âmbito político partidário. O ambiente deveria também merecer a preocupação da atuação dos ativistas da sociedade civil, procurando saber como gerir os recursos naturais denunciando, desencadeando fortes  sensibilizações e alertando as autoridades competente sobre violações de normas ambientais.

Instado a pronunciar-se se os guineenses têm a consciência do direito humano e ecologicamente equilibrado, afirmou que não, para de seguida sustentar que a maior parte dos guineenses ainda não compreendeu porque é que se deve proteger o ambiente e quais são os riscos que a Guiné-Bissau poderá enfrentar.

Tal como os outros especialistas mundiais Welena da Silva confirmou também que a Guiné-Bissau é o segundo país do mundo mais vulnerável a subida do nível das águas do mar e das alterações climáticas depois do Bangladesh. De acordo com os estudos que o ambientalista referiu, se as temperaturas continuarem a subir, o arquipélago dos Bijagós e a cidade de Bissau correm o risco de sofrer inundações daqui a 50 anos.

Assim, advertiu ao governo pelas más condições de tratamento de lixos na Guiné-Bissau. Considerou que o lixo é um dos elementos que além de causar prejuízos a saúde humana também provoca danos ao solo. Esclareceu, por exemplo, que uma fábrica não pode estar em qualquer zona habitacional. O especialista voltou a sublinhar que é preciso, na Guiné-Bissau, um investimento sério na Educação ambiental desde o pré-escolar para que os guineenses saibam a forma e maneira de lidar com o ambiente e tudo o que está a sua volta.

Todavia, considerou as cíclicas crises políticas que a Guiné-Bissau atravessou desde a sua ascensão a democracia multipartidária como um dos fatores da atual situação ambiental. Mas também considerou que não se pode agarrar as cíclicas crises políticas como desculpa.

Entende que é necessário os guineenses trabalharem arduamente para que não haja mais crises ou que as crises políticas não penalizem tanto as questões ambientais.

Contudo, Welena da Silva garantiu que há uma boa parte do público da Guiné-Bissau que não conhece as leis ambientais do país. Por isso, no seu entender, o governo deveria promover gratuitamente nos Media o conhecimento das leis vigentes no país sobre o ambiente. Ou seja, o governo deveria investir na disseminação gratuita do conhecimento popular e comunitário das leis ambientais em todo o território nacional. Para que as leis ambientais estejam ao alcance de todos cidadãos nacionais, Welena da Silva defendeu a necessidade da existência de um portal eletrónico nacional para a publicação gratuita de boletins oficias e todos os atos normativas sobre o ambiente em todo o território nacional.

CONSTRUÇÕES NAS ZONAS HUMIDAS DEIXAM GUINÉ-BISSAU EM RISCO DE FICAR SEM ÁGUA SUBTERRANEA

Por seu lado, o Diretor Geral da Autoridade de Avaliação Ambiental Competente da Guiné-Bissau, Mário Biaguê, considerou de crime ambiental todos os fatores ou atividades que põem em causa o ambiente e os seres que nele vivem, pontando como exemplos, os casos da poluição das lagoas e de desmatação desnecessária das florestas que, na Guiné-Bissau, não foram infelizmente consideradas de crimes ambientais, uma vez que não estão previstas na Constituição da República.

Para Mário Biague, não obstante a Guiné-Bissau não ter na Constituição da República crimes ambientais, mas tem algumas leis que podem ser implementadas na tomada de decisões sobre crimes ambientais. Lamenta, todavia, as várias atitudes que, na Guiné-Bissau, colocam em causa a preservação do ambiente como por exemplo as construções de casas nas zonas de recarga aquífera, fazendo com que todas as zonas húmidas do país corram o risco de ficar sem água subterrânea que desempenha um importante papel no equilíbrio da natureza no país.

Mário Biague advertiu também que as queimanças aleatória das florestas, a caça de espécies em preservação podem trazer graves consequências ao meio ambiente, se o governo não regular bem o setor ambiental, correndo o risco de não ter uma floresta natural uma vez que serão desmatadas algumas espécies de árvores que hoje existem. Ou seja, se a Guiné-Bissau não replantar mais árvores, poderá correr o risco de não ter mais uma floresta natural se continuar com a desmatação de algumas espécies de árvores que quase já não existem.

“Todos sabemos da importância das florestas, não só em termos ecológicos, mas também em termos de medicina tradicional” lembrou Mário Biague, mas o Diretor-geral da Autoridade de Avaliação Ambiente Competente da Guiné-Bissau sublinhou ainda a necessidade de haver a criminalização ambiental para punir os infratores.

Mário Biague recorda que há uma série de constatações de atitudes contra o ambiente cuja tendência é cada vez mais para aumentar uma vez que continuam a não existir punições para regulamentar as atividades de exploração ambiental.

  Mário Biague disse que a Avenida Pansau Na Isna está a ser neste momento inundada por águas de chuvas em consequências da construção de casas nas zonas húmidas. O que traz, por outro lado, consequências notáveis aos moradores daquela zona em virtude de assoreamento da bolanha de Bolola. Mas, considera que o desenvolvimento é veículo de consequências ao ambiente. Por isso, existem métodos e instrumentos que balizam o equilíbrio dos valores sociais e ambientais que, se forem cumpridos, haverá uma alteração mínima no ambiente. Sustentou, por outro lado que um dos princípios ambientais é de garantir que todo mundo tenha um ambiente são e agradável. Por isso, existem no país vários instrumentos que equilibram as consequências do desenvolvimento no ambiente, mas que não são aplicáveis devido a “consciência guineense”. 

Solicitado a pronunciar-se sobre o impacto ambiental do Barco da empresa KARPOWER que fornece a energia elétrica a cidade de Bissau, o responsável pela Autoridade de Avaliação Ambiental da Guiné-Bissau considerou que o primeiro violador dos instrumentos disponíveis para a proteção do ambiente é o Estado da Guiné-Bissau. Mário Biague esclareceu que no início da implementação do projeto, o governo foi pacífico com a empresa sob alegação de falta de energia elétrica na altura na cidade de Bissau. Mas, agora “tem verificado o incumprimento e os danos e também há hoje um acompanhamento paulatino de estudos que estão em curso”.

No seu entender, antes da empresa KARPOWER iniciar o trabalho no projeto de fornecimento da energia elétrica a cidade de Bissau, deveria ter havido um estudo do impacto ambiental para poder ser atribuída a licença para produzir e distribuir a energia elétrica na capital. O que minimizaria os riscos ao meio ambiente marinho. Mário Biague lamentou também o comportamento dos cidadãos que muitas vezes deitam fora lixos em qualquer lugar, sobretudo nas valetas que, na época das chuvas, colocam em risco a saúde humana e o meio ambiente. Aquele técnico de avaliação ambiental lamentou o fato de haver, na Guiné-Bissau, pessoas que queimam lixos de forma aleatória.

 Para Mário Biague, as mudanças climáticas aumentam o aquecimento global e podem interferir na saúde dos seres vivos, exortando que toda a população deve lutar para o bem-estar do ambiente praticando ações que vão manter a estabilidade, a saúde e sustentabilidade ambiental no futuro.

O Diretor Geral da Autoridade de Avaliação Ambiental Competente revelou a nossa reportagem que a política nacional do ambiente definiu claramente, através do plano de gestão de ambiente, as regras bem como as responsabilidades na matéria ambiental em todo o território nacional, que está do momento em revisão. Todavia, não descartou a possibilidade de haver conflitos de interesses pessoais por parte dos decisores sobre atribuição de licenças de investimento, violando assim os instrumentos que prevêem a proteção do ambiente.

No olhar de Mário Biague os recursos naturais da Guiné-Bissau podem ser explorados, mas deve haver respeito às preocupações da lei de terra e ter também em consideração os impactos ambientais. Por outro lado, considerou de extrema importância a proteção das áreas protegidas porquanto dentro delas existem zonas de desenvolvimento que são as mais sensíveis.

Ainda no capítulo das áreas protegidas, Mário Biague alertou que existem várias zonas na Guiné-Bissau que deveriam ser declaradas zonas protegidas. Por exemplo, as zonas dos mangais cujo governo tem vindo a receber denúncias da sua exploração ilegal por cidadãos da Guiné-Conacri no zona sul do país. Visivelmente preocupado com o fenómeno da exploração ilegal dos mangais, disse a nossa reportagem que os mangais são zonas de reprodução de peixes e está constantemente ameaçada. Garantiu que com a extinção dos mangais na Guiné-Bissau, não haverá mais uma zona para reprodução de peixes e haverá também riscos de inundações. Mário Biague acredita que a dimensão das leis de ambiente varia de localidade para localidade tendo em consideração a intensidade da intervenção do Estado para garantir uma partilha equitativa.

Por: António Nhaga / Djamila da Silva 

Conosaba/odemocratagb

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