O politólogo guineense, Rui Jorge Semedo, entende que o Presidente Umaro Sissoco Embaló poderá continuar a presidir às reuniões do Conselho de Ministros, no futuro governo, mas afirmou que não terá a mesma autoridade que tinha no governo da iniciativa presidencial, porque agora existirá um executivo com legitimidade das urnas, a par de um cenário diferente no Parlamento.
O analista político fez estas observações em entrevista ao semanário O Democrata, para falar da coabitação entre o governo e Presidente da República (PR), bem como sobre o que esperar das relações entre os titulares de órgãos de soberania, para garantir a estabilidade política e governativa.
Perante o cenário político saído das eleições legislativas de 4 de junho de 2023, vencidas pela coligação PAI-Terra Ranka, Semedo alertouque é importante que as partes pautem a sua ação pelo bom senso e consciência de que deve haver autonomia dos órgãos.
XI LEGISLATURA DEPENDERÁ DA INTERPRETAÇÃO DAS LEIS E PRINCÍPIOS DE SEPARAÇÃO DE COMPETÊNCIAS
Tendo em conta o histórico de relacionamento entre os órgãos da soberania, a XI legislatura poderá não ser fácil, até porque “o país está ainda num processo de aprendizado de relacionamento interinstitucional”.
“Não porque o PR pertence a uma família política diferente da maioria parlamentar, até porque já tivemos crises onde o PR é da mesma formação política que a maioria parlamentar. Neste momento, do ponto de vista parlamentar, há uma situação favorável para a maioria sustentar e liderar o governo. Se cada órgão de soberania se comportar dentro das suas competências, não haverá chances de grandes conflitos”, frisa.
O politólogo advertiu que se o Presidente da República quiser liderar ou estar presente no governo da maioria parlamentar e continuar a ter dificuldades na interpretação dos princípios de separação de competências, “aí, sim, vamos ter uma situação de disputa nas interpretações das leis e, sobretudo, na ordem constitucional”.
Relativamente aos projetos de reforma constitucional existentes, um do PR e outro da Assembleia Nacional Popular (ANP), o analista relembra que, de acordo com os princípios constitucionais, a revisão da Constituição da República é da competência da Assembleia.
Rui Jorge Semedo apela aos parlamentares a terem um posicionamento responsável e equilibrado, que possa contribuir para a elaboração de uma Constituição que se adeque aos desafios do país e que permita, acima de tudo, o fortalecimento das instituições, criando condições para afinar o relacionamento saudável entre órgãos da soberania.
O especialista lembra a abertura dada pela Constituição a que o PR conduza o Conselho de Ministros e os problemas que daí resultam. “Essa abertura torna o Presidente da República como um pivô na condução do Conselho de Ministros”, insiste.
Semedo também defende que a revisão Constitucional tenha em consideração a questão da nomeação do Procurador Geral de República, porque “essa figura tem tido papel de ‘cão de guarda’ do Presidente da República, usado como um assessor do PR, ao invés de desempenhar o seu papel de “defensor público e fiscalizador do funcionamento da democracia e do Estado”.
Para Rui Semedo, o problema da Guiné-Bissau não está no sistema político adotado, o semipresidencialista, mas sim na dificuldade de os atores políticos lidarem com a Constituição da República, serem fiéis às leis da República e às abordagens de consolidação e fortalecimento das instituições.
“Mesmo adotando o modelo presidencialista, o que nos garante que vamos evitar conflitos?”, questiona.
“As engenharias de competências dos órgãos naturalmente vão mudar, onde todos terão outra responsabilidade”, antecipou.
O politólogo defendeu que a maior preocupação deve ser o aperfeiçoamento do modelo semipresidencialista e a promoção das reformas que possam regular as leis, em função daquilo que é a compreensão sobre as lacunas existentes.
Neste particular, lembrou que o país já experimentou diferentes sistemas, do colonialismo à ditadura militar ou partido único. “O problema não tem a ver com os modelos”, mas sim com o desatar das amarras da colonização e do regime do partido único, para poder entrar num contexto democrático que funcione de forma natural.
“Vários derrubes de governos e dissolução do Parlamento são meramente caprichos dos Presidentes, porque nenhum deles conseguiu trazer argumentos suficientes e alinhados com a Constituição da República”, defendeu.
SIMÕES PEREIRA DEVERIA FICAR COMO SIMPLES DEPUTADO PARA CONTRIBUIR NOS DEBATES
Rui Jorge Semedo antecipou que o papel do líder da coligação PAI-Terra Ranka, Domingos Simões Pereira (DSP), enquanto presidente da Assembleia Nacional Popular (ANP), será apenas de mediador, sem grande influência na ação do próprio primeiro-ministro ou na construção da agenda a ser debatida. “Também há uma força política na oposição, mesmo sendo a minoria”, recorda.
“A figura do DSP na liderança da ANP e da coligação, embora o país nunca tenha experimentado, não constituirá um obstáculo. Por isso, cada membro da ANP deve assumir a sua responsabilidade e contribuir na criação de condições para que haja liberdade”, preconizou.
“Há uma maioria no Parlamento e com os acordos de incidência parlamentar, vai reforçar-se. É aqui que reside a capacidade de influência do governo, não na figura do Presidente da ANP”, lembra.
O politólogo ouvido pelo O Democrata alertou que não se pode descurar que há um regimento a ser respeitado, independentemente do peso da bancada e advertiu os parlamentares que o povo não espera que continuem os “amordaçamentos” das liberdades e dos direitos humanos, já que “o país está num contexto democrático”.
“Não devem continuar as perseguições, proibições de manifestações, sequestros e espancamentos”, reforçou.
Afastada fica a possibilidade de o país estar a caminhar para um sistema parlamentarista, com o Domingos SImões Pereira na presidência da ANP.
“O que está a acontecer não retira o país do sistema semipresidencialista para o parlamentarista. Mesmo que Domingos Simões Pereira tenha assumido a presidência do parlamento, o governo será fiscalizado pelos deputados”, calcula.
“A minha preocupação é por quanto tempo o Domingos Simões Pereira vai liderar o Parlamento? Que resultado isso terá para a ANP? Se pretende ficar até às eleições presidenciais, não está a valorizar a ANP. Muitas pessoas argumentam que, enquanto Presidente da ANP, terá maior chance de ter contactos, mas isso é uma falácia e falsa questão”, expressa.
Rui Jorge Semedo está convencido que, para o líder da coligação vencedora das eleições de junho, seria preferível se este se preservasse, ficando apenas como deputado, sem qualquer cargo específico.
“Na presidência da ANP, não poderá dar a sua contribuição durante o debate no Parlamento, apenas será um moderador. Do ponto de vista político, a sua ação na plenária não será interventiva, nem no executivo. Mas se ficar fora da mesa, terá uma ação interventiva, tanto no Parlamento, como no governo, por ser líder do partido com maior força no sustento da coligação”, sugere.
“O PRESIDENTE PRECISA ACENDER A SUA IMAGEM”
Questionado sobre se o novo quadro político enfraquece a posição do Presidente da República, Rui Semedo acredita que não. O especialista antecipa que um PR menos “ostensivo” na fiscalização da ação governativa e menos presencial nas reuniões do Conselho de Ministros.
O analista lembra que as legislativas de 4 de junho transmitiram uma mensagem de fragilização da imagem do Presidente Sissoco, tendo em conta o seu envolvimento no processo eleitoral. Porém, isto não significa que as eleições presidenciais de 2025 estejam decididas.
“Não quer dizer que [Domingos Simões Pereira] já tem tudo garantido para as presidenciais, apesar de ter dado um passo importante. Deve trabalhar para assegurar essas conquistas, tanto com o desempenho do governo como com o desempenho do Parlamento”, aconselhou. Lembrou o politólogo que se a Coligação não conseguir maximizar os ganhos eleitorais, poderá sofrer desgaste, com reflexos nas eleições presidenciais.
“O Presidente precisa acender a sua imagem. Por exemplo, o Presidente José Mário Vaz teve um percurso descendente e quando chegou o período eleitoral ele ficou sozinho. A aproximação do PTG à Coligação, a demarcação dos partidos que tinham apoiado o Presidente nas presidenciais passadas, é já uma perda visível do PR no próximo embate eleitoral, caso tencione fazer o segundo mandato. São indicadores da própria popularidade do PR”, soma à análise, aconselhando a que o PR promova um relacionamento institucional saudável.
Relativamente à renomeação de Bacari Biai para o cargo do Procurador Geral de República (PGR), Rui Semedo estima que exista uma “insatisfação” do PR para com o antigo PGR, por este não estar a cumprir as agendas.
“O PR disse que ele não será cão de guarda, mas duvido se realmente não será o cão de guarda, mesmo por simples razão, qual é a autonomia do Procurador? A lei não concede ao Procurador a possibilidade de autonomia, para poder realmente exercer sem amarras as suas funções. Neste contexto de pós-eleição, qual é o desafio? É um passo apontado para as corridas presidenciais?”, pergunta.
No seu entender, tal facto demostra que o PR obstaculizará os nomes que serão indicados ao cargo de primeiro-ministro, levando o país a um período pós-eleitoral tenso.
Por: Epifânia Mendonça
Conosaba/odemocratagb
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