domingo, 27 de agosto de 2023

Opinião: SE TUDO O QUE UM ELEITOR OBTÉM DE UMA ELEIÇÃO É UMA CAMISOLA BARATA, ISSO NÃO CHEGA PARA DEFENDER A DEMOCRACIA

Um artigo publicado na semana pela emissora alemã DW analisou porque é que as ex-colônias francesas na África parecem assoladas por golpes. Muitos dos especialistas entrevistados culparam os altos níveis de pobreza, a sociedade civil e as medias ineficazes, bem como a excessiva influência Francesa.

O analista de governação Ovigwe Eguegu (nigeriano) é citado dizendo que os líderes eleitos nas ex-colônias francesas fizeram pouco para melhorar a vida dos cidadãos.

“É por isso que acontecem esses golpes populistas . São golpes populistas, temos que ser francos”, disse ele.

Eguegu argumentou que, se as pessoas não virem os benefícios de um governo eleito democraticamente, haverá muito pouco apoio para elas em tempos de crise.

“Por que é que eles (os eleitores) devem apenas se engajar no exercício do voto e nada muda? Para eles, os (golpes) são vistos como uma forma de chocar o sistema para ver se isso poderia levar a um resultado muito melhor”, disse ele, ao admitir que a liderança militar raramente melhorou a situação.

Bram Posthumus, um jornalista independente que fazia reportagens sobre a África Ocidental, foi mais contundente: “Uma das coisas que esses golpes sucessivos demonstram é a noção bastante clara de que a experiência com a democracia de Estilo Ocidental no Sahel, pelo menos, foi um completo fracasso”

Estes analistas estão corretos nas suas análises das causas dos golpes, e os argumentos que eles fazem podem se aplicar a muitos outros países africanos onde os regimes vigentes são assolados por uma crise de legitimidade, embora ainda não tenham ocorrido golpes.

No entanto, é muito cedo para dizer que estes regimes estejam a salvo. Não devemos nos surpreender se, nos próximos 10 anos, mais da metade dos países africanos forem governados por soldados (incompetentes, mas patriotas).

É fácil ver onde as coisas deram errado. A pergunta difícil é: porque é que a democracia falhou tão dramaticamente na maior parte da África? Aqui, somos confrontados por uma situação estranha; a democracia falhou em muitas partes da África porque foi bem-sucedida.

O nível da mobilização/participação dos cidadãos que vemos em países como Guiné Bissau, Niger, Nigéria, Quênia e Uganda durante as campanhas eleitorais não é mais possível alcançar, ou mesmo imaginar, em países como a Grã-Bretanha, onde nasceu a democracia de estilo ocidental. Cada tabanca é tocada. É apenas um cinismo profundo que explica o baixo comparecimento no dia da votação.

A escala e o nível de pormenor em que os candidatos presidenciais africanos e membros do parlamento e senado, fazem campanha, implica que os concorrentes (candidatos) têm que fazer mais promessas personalizadas (face a face), sentados numa cadeira de plástico no quintal dos votantes – promessas que eles não podem possivelmente cumprir.

A decepção dos eleitores com seu péssimo desempenho é, portanto, mais profunda. As eleições também são um exercício frenético de negociação com eleitores em grupos de interesse, como deve ser. Num contexto de economias pobres, isso cria um problema de repartição quando um candidato se torna presidente e seu partido ganha o parlamento. Cada ministério, cada posto de embaixador, a liderança das agências e institutos estatais é por “apadrinhamento”; tudo é dado as tribos, clãs, famílias, e regiões que ajudaram a construir a vitória para o titular.

A moeda desse “apadrinhamento” é a corrupção. E, numa situação de economias pequenas e anêmicas como são as economias dos países de África, esta repartição vai fazer com que sejam poucos comendo, e a maioria passando fome. Além disso, nomear pessoas para cargos dessa maneira significa que as lideranças partidárias nem sempre conseguem os melhores talentos a bordo e, portanto, as pessoas melhores preparadas que ajudariam a criar sucesso econômico e social quase nunca poderão entrar para o governo. Nunca houve uma melhor receita para um golpe de estado.

Se as economias africanas fossem mais ricas, permitindo que a coligação eleitoral vitoriosa fosse alimentada ao máximo, deixando o suficiente para gastar com o resto do país, os riscos de golpe seriam menores. Esse cenário político altamente competitivo deixa os eleitores com migalhas.

Na Guiné Bissau, por exemplo, eleitores perspicazes vão participar no maior número possível de comícios para colecionar camisolas, bonés, panos, guarda-chuvas, e todas as bugigangas em oferta. Na época das eleições, um participante de um comício em série terá conseguido até dez camisolas ou três panos. As camisolas e panos podem ser de qualidade duvidosa, mas serão suficientes para eles usarem até a próxima eleição em quatro anos, quando renovarão o guarda-roupa.

Ao contrário dos argumentos populares, os golpes não são bem-sucedidos porque são populares. Eles são no porque não há oposição pública suficiente a eles. Se tudo o que um eleitor ganha de uma eleição é uma camisola barata, então não tem incentivo suficiente para esse eleitor defender a ordem democrática.

A vacina contra golpes militares e a segurança de um governo democrático eleito vêm da mesma fonte, crescimento econômico e distribuição igualitária da riqueza nacional.

Além do crescimento econômico, devemos tentar “sistemas de eleições proporcionais” tal como os vigentes na Namíbia, África do Sul e Ruanda. Neste sistema, muitas vezes os candidatos não têm eleitorados específicos, isso reduz a capacidade dos chefes dos clãs e interesses poderosos de exercer patrocínio sobre o estado.

Depois de décadas falando sobre ” genuína democracia africana “, podemos estar começando a criar uma. Ainda é algo confuso neste momento vislumbrar sua forma emergente. Pode levar a mais algumas democracias liberais fracassadas e outras duas dúzias de golpes para lá chegar .

Mas, é preciso acreditar que a nossa democracia está a funcionar. Que tem deficiências que podem ser melhoradas. Mas, o ponto principal e urgente, é levar toda a classe política a perceber a importância e a pertinência de saber distinguir, na pratica política, a diferença entre os: 1) interesses da nação (em relação aos quais é preciso saber buscar consensos e a negociar com patriotismo); 2) os interesses partidários, étnicos, familiares e de amigos; e 3) os interesses pessoais, individuais.

Por: JORGE MANDINGA
Empresário e político
25 AGOSTO 2023
Conosaba/odemocratagb

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