segunda-feira, 21 de agosto de 2023

A história de estátua da Maria da Fonte, em Bissau

 


Maria da Fonte, ou Revolução do Minho, é o nome dado a uma revolta popular ocorrida na primavera de 1846 contra o governo cartista presidido por António Bernardo da Costa Cabral, devido às novas leis de recrutamento militar, por alterações fiscais e pela proibição de realizar enterros dentro de igrejas. A revolta iniciou em Póvoa de Lanhoso e depressa se alastrou pelo norte do país. Uma mulher do povo chamada Maria, natural da freguesia de Fonte Arcada, terá começado este motim que, por isso, ficaria conhecida pela alcunha de Maria da Fonte. O governo de Cabral acabaria por ser destituído.

Braço no ar, foice ao ombro, por vezes pistola na mão, busto generoso moldado por um corpete justo, saia rodada e pés descalços – eis o retrato-robô de Maria da Fonte, uma mulher que todos conhecem mas ninguém sabe ao certo quem foi. Fica a ideia de que se tratou de uma grande revolucionária, e as estátuas espalhadas pelo País fazem que, na nossa imaginação, a confundamos com a própria República, outra entidade abstrata com corpo e rosto femininos.

O monumento é da autoria do arquiteto Ponce de Castro. A primeira pedra foi lançada em 1934. O monumento foi inaugurado em 1941. O granito veio do Porto. Enquanto a estatuária colonial foi derrubada, a seguir à independência, este monumento, colonialista por excelência, foi o o único que resistiu à fúria do camartelo do PAIGC. Ainda lá está, agora encimado com a a estrela de cinco pontas, que faz parte da bandeira da República da Guiné-Bissau.

Há, na Foz do Douro, Porto, um monumento, datado de 1934, que terá inspirado o de Bissau, o "Monumento ao Esforço Colonizador Português", da autoria dos escultores Alferes Alberto Ponce de Castro (? - ?) e de José de Sousa Caldas (1894-1965). "Foi construído expressamente para a Exposição Colonial, inaugurada em Junho de 1934 no Palácio de Cristal. Compõe-se de um obelisco encimado com as armas nacionais; na base, seis esculturas estilizadas simbolizam as figuras a quem se deve o esforço colonizador: a mulher, o militar, o missionário, o comerciante, o agricultor e o médico!. (Fonte: Turismo do Porto).

O arquiteto e escultor Alberto Ponce de Castro era natural de Tavira, é o autor do Monumento aos Mortos da Grande Guerra, situado defronte dos Paços do Concelho de Tavira. Em 1922 o alferes de cavalaria Alberto Ponce de Castro era reformado e fez um requerimento, à Câmara dos Deputados, ao abrigo da Lei nº 1244. O requerimento seguiu para a Comissão e Guerra (Fonte: Debates Parlamentares > 1ª República > Câmara dos Deputados > VI Legislatura > Sessão legislativa 01 > Número 101 > 1922-07-12 > Página 4)

A estética deste monumento é, pois, claramente estado-novista, típica dos anos 40/princípios de 50... Fazia parte dos projetos de "monumentalização" da cidade de Bissau, anunciados em 1945 pelo governador Sarmento Rodrigues... Foi parcialmente destruído (ou vandalizado) depois da independência (ao que me disseram), mas resistiu: o que é irónico, é que os habitantes de Bissau continuem a chamar àquela praça, a Praça do Império...

O monumento tem várias leituras: para uns pode ser uma obra-prima, para outros um mamarracho… Eu, que sou contra o camartelo dos iconoclastas (de todos os iconoclastas, a começar pelo camartelo camarário), acho piada que o monumento tenha sido poupado, contrariamente ao resto da estatuária do colonialismo português…

Para os camaradas que fizeram a guerra colonial, como eu, e que conheceram este monumento, devo dizer o seguinte: toda a arte (e é difícil fazer a distinção entre arte e propaganda...) traz a marca do seu tempo e fala do seu tempo... Seria fácil, há cinquenta atrás, do alto da nossa arrogância juvenil, apodar o monumento de 'colonial-fascista'... Mas já nos tempos que por lá passei, em Bissau, em 1969/71, o termo raça me fazia urticária... Qualquer que fosse a raça em causa…

Hoje é sabido, de resto, que não existem raças humanas... Pertencemos todos à mesma espécie, Homo sapiens sapiens... É uma constatação científica, não é uma asserção do politicamente correcto... Dito isto, ainda bem que os guineenses souberam reaproveitar o Monumento ao Esforço da Raça... Afinal, parte do seu património histórico, tal como a "o casco velho" de Bissau, da mesma maneira que os marcos milíários que pontuavam as vias romanas ligando a Lusitânia ao resto do Império Romano, fazem parte do nosso património histórico...

Sem comentários:

Enviar um comentário