sexta-feira, 21 de abril de 2017

«OPINIÃO» “DECRETO DO GOVERNO SOBRE A CAMPANHA DE CAJÚ: PRESENTE ENVENENANO AOS PRODUTORES”- JORNALISTA MUNIRO CONTÉ


Os sucessivos governos inconstitucionais que o Presidente da Republica José Mário Vaz tem impingido ao povo Guineense nesta legislatura de má memoria coletiva, continuam a fazer mossa no aparelho de Estado, violando leis, invertendo regras e ferindo a moral e ética de boa gestão e administração, em prol dos interesses pessoas.

 Sendo que todos os executivos forjados pelo Chefe de Estado na base de uma maioria, que os observadores e críticos mais sensatos descrevem de efémera e presumida, provocaram “abanões” no aparelho de Estado, este, liderado por  Umaro  Sissoko, tem batido todos os recordes, dando mostras de ser exímio na tomada de medidas nefastas para a vida das populações.

Em menos de 3 meses de exercício, o atual executivo, que de acordo com a Constituição e o regimento da ANP, entrou em caducidade desde 13 de Fevereiro de 2017, já entrou em rota de colisão contra tudo e todos: com os funcionários de carreira, devido às mudanças nos lugares intermédios na administração pública, com todos os estrangulamentos delas decorrentes; com os ambientalistas, mediante a autorização para a construção de uma barragem hidroelétrica numa zona protegida; com comerciantes, mediante o aumento das taxas de importação; e com os amantes da cultura, com o despejo dos funcionários da Direcção-Geral da Cultura do seu edifício-sede onde são promovidas as atividades desse sector estratégico considerado porta-bandeira da Guiné-Bissau e, subsequentemente, vector importante para a universalização dos recursos guineenses no domínio cultural, musical e áreas afins.

O último tiro ao boneco foi disparado com a aprovação pelo Conselho de Ministros do Decreto-Lei que interdita a participação dos operadores económicos estrangeiros na Campanha de Comercialização de Castanha de Caju.

Por se tratar de um sector que pode alavancar a nossa economia, trazemos à reflexão alguns estrangulamentos que a decisão do Governo pode provocar, não deixando, porém, desse exercício inspirarmos em modelos - quer já experimentados no passado, quer os que estavam em carteira antes da rotura provocada com a demissão, sem apelo nem agravo, do Governo então liderado pelo Eng. Domingos Simões Pereira na fatídica noite de 12 Agosto de 2015.

 O apoio e incentivo ao produtor
Sendo a Guiné-Bissau o segundo produtor africano e quarto produtor mundial da castanha de cajú, a atividade do produtor deve requerer apreço e reconhecimento da parte do Estado, não devendo se limitar apenas a manifestações de intenções. O que é mesmo que dizer, a visão, as ideias e os projetos no sector do caju devem ser traduzidos em benfeitorias para o agricultor que, com a colheita, dá o primeiro passo, galvanizando toda uma dinâmica que vem desembocar na exportação de milhares de toneladas com todas as suas vantagens na tributação, gerando milhões de receitas para os cofres do Estado.

Aliás, foi nessa base de raciocínio que o primeiro Governo do PAIGC na Legislatura 2014-2018 elegeu o agricultor-produtor como o primeiro beneficiário, partindo do pressuposto de que “entre os 3 intervenientes, ou seja o produtor, o intermediário e o exportador, deve-se valorizar o produto da venda ...”. Para dar cunho àquela medida, o então executivo solicitara um estudo do Banco Oeste Africano do Desenvolvimento (BOAD) com o objetivo de preparar uma lei que estabeleça quanto cada interveniente deve ganhar, mas sempre com prioridade ao produtor. Isso, sem descurar o papel do intermediário e o do exportador, ambos protegidos ao abrigo da lei, com vista a conferir maior visibilidade a esses intervenientes como forma de atrair créditos através dos bancos.

 A exclusão dos estrangeiros
 Não se sabe muito bem por que “carga de água” veio a ideia de proibir os estrangeiros de comprar a castanha de cajú sem que previamente seja preparado técnica e financeiramente o mercado. Acresce-se o fato de o Decreto-Lei não oferecer a mínima margem em termos de prazo para a sua entrada em vigor.
É caso para dizer que tudo foi feito a quente, numa desconsideração aos atores que, com a sua quota, contribuíram nos últimos anos com mais de 150 bilhões de FCFA para a operacionalização da campanha e, nessa lógica, excluir os estrangeiros e desconstruir uma estrutura ou modelo que criou ideias e bases para o sucesso das 2 mais recentes campanhas (vide a campanha 2015, com mais de 170 mil toneladas exportadas e 2016, com mais de 200 mil toneladas exportadas).
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Especialistas e conhecedores do sector de cajú até ironizam essa medida, via decreto-lei governamental, afirmando: “Estão a enganar o povo! Na venda da vaca, dão-nos o rabo e eles ficam com a vaca. Na realidade, quem irá comprar são os estrangeiros, na capa dos nacionais. E como diz alguém, os beneficiários serão os eternos empresários guineenses que detêm o monopólio da exportação, ou seja os mesmos operadores que são também os maiores devedores do Estado”.

 Modelos que evidenciaram maiores resultados
Como reportámos num dos parágrafos em epígrafe, a ideia de privilegiar o nacional foi equacionada nos sucessivos governo do PAIGC, mas enquanto uma estratégia de médio e longo prazo cuja sustentabilidade seria inspirada numa fase piloto na qual dois exportadores (nessa altura o GETA-Bissau e Gedneral Trading) tinham manifestado interesse em participar, garantindo a compra da totalidade da castanhas colectada pelos intermediários selecionados. Na altura, a ideia era de ter 3 tipos de operadores
  1. Intermediário local: cujo objetivo era enquadrar grupos de jovens e de mulheres nas aldeias que seriam técnica e financeiramente acompanhados para poderem retirar a castanha da mata e colocar em armazéns preparados para o efeito. Pretendia-se com esta politica valorizar a vida no campo e reduzir o êxodo rural.
  2. Intermediário nacional que seria qualquer pessoa singular ou coletiva devidamente autorizada para o efeito e que teria como missão comprar a castanha no intermediário local e levar até Bissau para vender ao exportador
  3. Exportador, que comprando no intermediário nacional iria vender para o exterior
Para tal era necessário ter o estudo para determinar a cadeia de valor, proporcionar formação aos produtores, intermediários e exportadores, bem como proporcionar soluções de financiamento junto do sistema bancário para todos os intervenientes, com base na lei e no conhecimento prévio de quanto cada um dos intervenientes irá ganhar no negócio.
Para solucionar o problema do financiamento, estava em fase avançada a instituição dos chamados “armazéns recibos” que permitiriam a um intermediário local ou nacional fazer campanha com um montante ínfimo de dinheiro a ser concedido por um banco ou uma instituição de microfinanças. A ideia é que o intermediário receba, por exemplo 100 mil F CFA, e vá comprar castanha que depois leva ao armazém, receba um recibo a dizer que entregou a castanha no valor de 100 mil. O banco ou instituição dá-lhe contra o recibo o montante de 100 mil para voltar a comprar e armazenar.
Com esta operação, pode-se chegar ao fim da campanha com um volume de negócios superior a 1.000.000 CFA sem ter tido este montante no início da campanha. Isto é possível com a definição do papel e área de atuação de cada operador de tal forma que o intermediário nacional não poderá comprar ao produtor diretamente e o exportador não poderá comprar diretamente ao intermediário local, devendo passar pelo intermediário nacional.

Desperdício dos ganhos em detrimento da promoção de tachos para a minoria
Em contraste com essas ideias susceptiveis de perenizar sucessos e gerar bons resultados na fileira de caju, o Decreto de Fevereiro de 2017 coloca-nos perante o enigma, se não mesmo ameaça dos chamados “testas de ferro”. Acontece que os estrangeiros que supostamente dizem pretender excluir vão criar e financiar

O perigo maior é que, não havendo muita concorrência, o preço poderá ser no máximo 500 francos, quando, em face do valor do dólar no mercado, o preço ao produtor pode ser maior. Ao limitarem a concorrência, os “testas de ferro” estão a querer garantir lucros avultados para a minoria catalogada como eternos empresários monopolistas do sector. 

Curiosamente, o Decreto-Lei que vem excluir os operadores estrangeiros na campanha veio coincidir com o momento em que estavam em carteira, no quadro do Terra Ranka, um conjunto de ações deslizantes que tinham sido programadas até 2020, sendo de destacar entre elas a aposta na transformação local. Basta referirmos o caso do Grupo OLAM, que tinha abandonado a Guiné-Bissau, justamente no Governo no qual Victor Mandinga era Ministro das Finanças, com a garantia de só voltar a fazer campanha e em decorrência investir no sector da transformação do produto quando o país oferecer condições de estabilidade política e social propensa aos investimentos.
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Por outro lado, com apoio do Banco Mundial, estava em perspetiva a compra pela cadeia de super-mercado Norte-Americano WALMART de todo o cajú transformado proveniente da Guiné-Bissau, o que só viria dar impulso à indústria de transformação nacional. Tudo está em risco por causa desse decreto malicioso.

Ilações e conclusões
Depreende-se do conteúdo do Decreto-Lei doses escritas e literárias da francofonia, com a utilização de termos como “pessoa física”, que é uma tradução literal de “personne phisique” em Francês. Um erro crasso pois a expressão correta seria pessoa singular, que se contrapõe a pessoa coletiva. Esse facto só vem aquilatar, mais uma vez, aquela tendência de copier-coler, na qual este Governo tem sido exímio, próprio de quem não tem visão e ideias e que, no entanto, faz recurso a métodos menos convencionais e por vezes mais ortodoxos, dando vazão a improvisos e engenharias atípicas.

Por Muniro Conte

Jornalista e Estudante do 3º Ano de Direito

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