A primeira cimeira Coreia/África decorre esta terça e quarta-feira, em Seul, na Coreia do Sul, com delegações de 48 países africanos. O Presidente sul-coreano prometeu milhões de dólares em ajuda ao desenvolvimento e em incentivos ao investimento. A cimeira é também um “acto de soft power”, descreve Álvaro Nóbrega, professor no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas de Lisboa.
“O Futuro que Construímos: Crescimento Partilhado, Sustentabilidade e Solidariedade” é o lema do encontro em cuja abertura o Presidente sul-coreano comprometeu-se em duplicar a ajuda pública ao desenvolvimento em África para chegar aos 10 mil milhões de dólares em 2030 e também prometeu 14 mil milhões de dólares de financiamento em exportações para ajudar as empresas sul-coreanas a expandir o comércio e os seus investimentos no continente africano.
À semelhança de outras cimeiras, o encontro Coreia-África “é um acto de soft power” em que o país anfitrião procura alargar a sua influência num continente hoje reconhecido pelas potencialidades de investimento e pela abundância de riquezas minerais, explica Álvaro Nóbrega, professor no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas de Lisboa. Se até agora a presença sul-coreana em África era discreta, com destaque para a África do Sul, a cimeira “marca uma afirmação da Coreia do Sul e da sua política africana”.
A Coreia do Sul visa, nomeadamente, recursos minerais como o cobalto, a platina ou o lítio que são essenciais para sectores tecnológicos de ponta, desde o fabrico de veículos eléctricos, à indústria da Defesa. Tanto é que o Presidente sul-coreano admitiu, em entrevista à AFP, que a Coreia do Sul “é uma potência industrial de alta tecnologia, mas depende fortemente das importações no que toca a 95% das suas necessidades em minerais”. Nesse sentido, Álvaro Nóbrega aponta que o primeiro objectivo da cimeira de Seul é “garantir o aprovisionamento de matérias minerais que são essenciais para a economia sul-coreana e para a transição para a chamada economia verde”.
O que é bom para a economia, é bom para o ambiente e a sustentabilidade local? “Os investimentos são importantes. Claro que quando associamos as áreas extractivas aos investimentos, vemos sempre que eles poderão ser predatórios, mas se esses apoios forem bem acolhidos e bem aplicados, naturalmente que se revertem progressivamente para as populações. Se, pelo contrário, forem desaproveitados, não chegarão às populações e, portanto, a questão da distribuição é fundamental”.
Álvaro Nóbrega elenca um segundo objectivo da cimeira Coreia/África que “é retirar apoios ao vizinho do lado, à Coreia do Norte, que contou tradicionalmente com uma boa ligação com alguns países africanos, especialmente durante o período da Guerra Fria e no tempo que se seguiu e que tem vindo de alguma maneira perder essa ligação”.
O encontro junta chefes de Estado e de governo de 48 países africanos, nomeadamente os Presidentes de Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe. Angola é representada pelo secretário de Estado das Relações Exteriores.
O Presidente de Moçambique, Filipe Nyusi, participa no fórum de negócios Coreia-África e, à margem da cimeira, tem um encontro bilateral com o seu homólogo Yoon Suk Yeol, assim como com executivos de empresas sul-coreanas. Moçambique tem já um investimento sul-coreano da empresa Kogas, que detém 10% no consórcio de pesquisa de gás natural da Área 4 do Rovuma. A Samsung Heavy Industry anunciou, esta segunda-feira, que prevê arrancar com a construção da segunda plataforma flutuante para a extracção de gás natural liquefeito no terceiro trimestre deste ano, depois de já ter instalado uma primeira infra-estrutura. Mas até que ponto a segurança em Cabo Delgado permite estes investimentos, quando a francesa TotalEnergies suspendeu as operações de construção da unidade de processamento de GNL em Cabo Delgado e ainda não retomou os trabalhos?
Para Álvaro Nóbrega, os investimentos sul-coreanos mostram que “há uma vontade, uma aposta nesse sector” e que “a questão da segurança vem sendo trabalhada”, nomeadamente graças à presença doRuanda que indica uma "tentativa de criar alguma estabilidade nessa zona”. “É uma forma de energia muito relevante que interessa a um conjunto de países e é de esperar que o processo continue”, acrescenta. Da mesma forma, a indústria petrolífera de Angola também atrai a Coreia do Sul que oferece tecnologia no âmbito da construção naval e da construção das próprias plataformas.
Ainda na cimeira, o Presidente de Cabo Verde, José Maria Neves, integra um painel sobre “Expansão do Comércio e Criação de Emprego” e tem marcado um encontro com o chefe de Estado sul-coreano. Na véspera do evento, Cabo Verde e a Coreia do Sul assinaram um memorando de entendimento para promover acções de cooperação nas áreas da economia, comércio, cultura, ciência e educação.
Para terminar, outro aspecto realçado por Álvaro Nóbrega é a questão de Seul mostrar que não se quer imiscuir nos assuntos internos dos outros países: “As áreas que são classificadas como prioritárias da cooperação com África são sete e nestas a questão da política interna nunca é referida. É um aspecto interessante destas relações porque não tem o chamado condicionalismo político, ou seja, não é sensível à questão do sistema político. Se é democrático ou se não é democrático não entra nessa equação.”
Por: Carina Branco
Conosaba/rfi.fr/pt/
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