quinta-feira, 20 de junho de 2024

“Sissoco Embaló corre o risco de não ter apoio para a reeleição”

O Presidente da Guiné-Bissau minimizou os pedidos de demissão do ministro da Juventude, Cultura e Desporto, Augusto Gomes, do responsável pela pasta da Energia, Hidiberto Infanda, e do secretário de Estado da Juventude, Garcia Biifan. Os três demissionários pertencem à APU-PDGB e a decisão resulta depois do líder do partido, Nuno Nabiam, ter retirado o apoio político a Umaro Sissoco Embaló.

O analista político, Rui Jorge Semedo, considera que estas demissões representam uma ruptura na base de apoio do Presidente guineense.

O que representam estas demissões para a estabilidade governativa da Guiné-Bissau?

Do ponto de vista governativo, há quatro anos que a Guiné-Bissau não é um país estável. Estas demissões representam uma ruptura e um desgaste na base do apoio do Presidente da República Umaro Sissoco Embaló.

O APU-PDGB foi o partido que apoiou, na segunda volta das eleições presidenciais, o então candidato Umaro Sissoco Embaló. Depois das eleições, o presidente da APU-PDGB- Nuno Gomes Nabiam, foi quem assumiu a responsabilidade, no lugar do presidente da Assembleia Nacional Popular, de investir -à margem da Constituição da República- o actual Presidente da República.

Essa aliança durou até o momento em que Nuno [Nabiam] decidiu colocar o seu cargo de conselheiro do Presidente da República à disposição, porque - já nessa altura- estava a ver o interesse em se poder preparar para eventuais eleições.

A APU-PDGB considera que a situação política do país está a ser marcada por interferências do Presidente da República nos partidos políticos. Fala em sequestro das instituições do Estado e acusa Umaro Sissoco Embaló de querer garantir um segundo mandato. São acusações graves...

Essas acusações não são apenas da APU-PDGB, mas de todos os partidos que estiveram a apoiar o Presidente da República, refiro-me ao PRS e ao MADEM-G15. Neste momento, o Presidente da República está em ruptura com a principal base de apoio, correndo o risco de não ter apoio partidário para a sua reeleição, como aconteceu com o seu antecessor, José Mário Vaz, durante as eleições presidenciais de 2019, onde foi para o pleito sem apoio partidário.

Actualmente, o chefe de Estado conta apenas com o apoio de pequenos partidos. Um deles- o PTG- tem assento no Parlamento, os outros são partidos parlamentares, sem uma expressão eleitoral forte para suportar uma eventual candidatura para que Umaro Sissoco Embaló seja reeleito.

Outra acusação feita pela APU-PDGB tem a ver com a questão da circulação de drogas e com a participação de membros das estruturas do Estado. Penso que cabe à APU-PDGB e aos outros partidos comprovarem esta acusação que é grave e que precisa ser investigada.

O líder da APU-PDGB, Nuno Nabiam, pede que sejam marcadas eleições presidenciais ainda este ano. 

Acha que é esta a solução? 

O país tem condições para realizar essas eleições?

Para se estabilizar o país é necessário cumpri-ser com aquilo que está previsto nas leis. Isso nem deveria ser uma exigência de Nuno Nabiam, trata-se de uma obrigação constitucional e institucional do Presidente da República, Este deve cumprir com aquilo que está previsto na lei e não tentar incentivar ou provocar debates desnecessários a respeito daquilo que está previsto na lei.

A eleição presidencial foi realizada em 2019 e Umaro Sissoco Embaló assumiu o poder logo no começo de 2020, em Fevereiro. Então, tecnicamente. é obrigatório marcar eleições no final deste ano para que o novo chefe de Estado possa assumir o cargo no início de 2025.

Verifica-se uma tentativa de manipulação não só das instituições, mas também da própria opinião pública, nacional e internacional, particularmente com a intervenção [do constitucionalista português] Bacelar Gouveia a tentar contribuir para a manipulação das leis do país.

A situação ainda piorou com inoportuna intervenção do presidente da CNE que não tem competência alguma para se debruçar sobre esse assunto. Todavia, tendo em conta a agenda em que se meteu [o presidente da CNE] e o Professor Bacelar Gouveia, ambos fizeram de tudo para tentar aprofundar a crise político-institucional que o país tem vivido, nos últimos tempos.

Como se explica essa ingerência? Quais são as motivações?

Pretende-se provocar a incompreensão e má interpretação das leis do país. Porque um professor universitário, que tem acompanhado e participado na elaboração das leis do país -da Constituição da República- deveria ter a noção daquilo que estava a dizer a respeito de fazer as eleições gerais só em 2025, quando se sabe que o Parlamento foi dissolvido em Dezembro de 2023- constitucionalmente isso não enquadra.

Por outro lado, a CNE apenas tem a competência legal para se pronunciar sobre resultados eleitorais e não sobre o mandato.

O Presidente da República da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló, considerou que estas demissões são “uma questão menor”. Fala em "infantilidade política" e remete a questão para o primeiro-ministro Rui Duarte de Barros...

Ontem, 18 de Julho, ficou evidente que o Presidente da República ficou muito preocupado. Só pelo facto de decidir fazer aquela comunicação já mostra, muito claramente, que não é assunto menor.É um assunto que mexe com a pretensão que tem em ser reeleito nas próximas eleições. Estamos a falar de um desgaste na sua base de apoio que não foi iniciado pela APU-PDGB, outros partidos, caso particular do PRS e do próprio MADEM-G15, tiveram a mesma postura.

O assunto não é do primeiro-ministro, uma vez que estamos a falar de um primeiro-ministro de fachada, não resulta de eleições, foi indicado à margem da Constituição da República.

A responsabilidade daquilo que está a acontecer é do Presidente da República e ele deve assumir as responsabilidades pela instabilidade que se vive no país. Então, não se pode pensar em reeleição sem ter base de apoio, sem ter o apoio dos partidos. Pelo

menos até hoje, os partidos são actores fundamentais para os processos eleitorais.

Umaro Sissoco Embaló afirma que pagou o apoio que teve destes partidos…

Penso que o Presidente da República fez essas afirmações sem reflectir na gravidade dessa comunicação.

A lei eleitoral da Guiné-Bissau não permite que o Presidente da República financie os partidos durante o pleito eleitoral.

Ele disse que não é um fundo público e que tirou o dinheiro do seu próprio bolso. Então quanto é que o

Presidente da República ganha para estar a financiar, com somas elevadas, estes partidos?

Talvez hoje o país não tenha condições para que o Ministério Público possa averiguar estas afirmações, mas futuramente são questões que Umaro Sissoco Embaló, depois de abandonar o poder, terá de enfrentar a justiça para clarificar essas declarações que o comprometem.

O papel do Presidente da República não é estar a financiar os partidos durante os actos eleitorais, mas sim permitir que os partidos concorram em pé de igualdade. Cada um deve ter liberdade, conforme aquilo que a lei prevê, de procurar os recursos e financiar a sua campanha. Não compete ao Presidente da República financiar os partidos, com fundos supostamente duvidosos.

Conosaba/rfi.fr/pt

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