domingo, 30 de julho de 2023

Líder do Partido Luz: “NÃO HÁ NENHUMA MAIOIRA ABSOLUTA QUE GARANTA A TRANQUILIDADE NA GOVERNAÇÃO”

 

[ENTREVISTA_julho_2023] O líder do Partido Luz da Guiné-Bissau (PL-GB), Lesmes Mutna Monteiro, disse que não há nenhuma maioria absoluta que garanta a tranquilidade na governação, acrescentando que os partidos podem criar abertura, canais de diálogo e envolver diferentes atores para criar um senso de concórdia nacional para fazer face aos desafios que o país tem pela frente.

“Portanto, 54 deputados, na nossa realidade não garante, não garante estabilidade governativa para os próximos quatro anos”, insistiu e disse que em relação a dois projetos da Revisão Constitucional, um da iniciativa do Presidente da República, Umaro Sissoco Embaló, e outro da Assembleia Nacional Popular, não haverá um sucesso, nem a consolidação da estabilidade, se não houver um espírito de diálogo entre os atores políticos. 

O presidente do PL-GB criado recentemente e que participou nas últimas eleições legislativas sem conseguir eleger um deputado, fez estas observações na entrevista ao semanário O Democrata para falar dos desafios dos novos deputados da décima primeira legislatura, bem como dos temas ligados aos projetos da Revisão Constitucional entre as iniciativas do Presidente da República, Umaro Sissoco Embaló e do Parlamento. No entendimento de alguns observadores políticos, a questão da revisão constitucional é uma das razões que precipitaram a dissolução da Assembleia Nacional Popular, em maio de 2022. 

“PARA UMA GOVERNAÇÃO ESTÁVEL, HÁ QUE HAVER UMA CONFIANÇA MÚTUA ENTRE OS PRINCIPAIS ATORES”

Lesmes Mutna Monteiro disse que o foco da Assembleia Nacional Popular não tem a ver com a liderança, mas sim com a configuração do Parlamento, um parlamento com os mesmos partidos políticos que constituíram o hemiciclo nas últimas legislaturas, com tónica em questões pessoais, de guerras de facções, o que pode levar-nos a concluir que poderá não ser diferente das anteriores legislaturas.

“O que esperamos, nós do Partido Luz da Guiné-Bissau, enquanto políticos, é que as futuras discussões sejam centradas naquilo que é essencial e do interesse nacional. Temos problemas sociais, nomeadamente a pobreza, a educação e a saúde. Essas questões, sim, devem estar na pauta da futura legislatura. É óbvio que as pessoas é que constituem os partidos políticos e que foram eleitas, mas se não mudarmos o figurino, a forma de pensar, de agir e de encarar a política, com certeza vamos ter a mesma situação e essa legislatura não será diferente das outras”, advertiu.

“Fiz essa chamada de atenção, porque é fundamental que haja uma coordenação sã entre o governo, a Presidência e Assembleia Nacional Popular. Não fiz referência com relevância ao poder judicial, por não ter um figurino político. Para termos uma governação estável, há que haver uma confiança mútua entre os principais atores para atingir os objetivos preconizados”, assinalou.

Admitiu que é possível atingir os objetivos preconizados, mas alertou que o país parte para uma situação de conflitualidade e que toda a engenharia que está a ser feita neste momento é para preparar as eleições presidenciais que deverão ocorrer em 2025.

“Quando temos uma agenda, não podemos estar a pensar em outras situações que comprometam essa agenda,  resolver os problemas do povo da Guiné-Bissau, não açambarcar os principais órgãos do poder”, aconselhou, para de seguida afirmar que a iniciativa da revisão constitucional é da competência da Assembleia Nacional Popular, através dos deputados, nem mais “é óbvio e é indiscutível”, porque  “se houver algum contributo que o Presidente da República ou a sociedade civil possam dar é salutar”, mas vai depender da abertura da ANP em acolher esse contributo.

“Mas há um dado curioso em tudo isso. Depois da Revisão Constitucional, o projeto será submetido ao Presidente da República e se não houver uma colaboração entre essas instituições, a revisão não existe. O Presidente, além de poder de veto, pode simplesmente esquecê-la na gaveta, não devolvê-la à Assembleia Nacional Popular. O falecido Presidente Kumba Ialá fê-lo. Se for devolvida à ANP, talvez tenha outro tratamento para ultrapassar o veto, mas se for esquecida na gaveta… a experiência do passado diz-nos que não será possível a Revisão Constitucional. Portanto, é preciso abertura, mais diálogo, colaboração e deixar as guerrinhas entre as instituições”, avisou

Questionado sobre que tipo de sistema (semipresidencialismo ou presidencialismo) o país deve adotar para ultrapassar a crônica crise de coabitação entre os poderes políticos, Lesmes Mutna Monteiro frisou que quando se fala de sistemas, fala-se de leis e para que esses sistemas sejam factíveis deve imperar a vontade do homem.

“Enquanto as pessoas não se adaptarem às exigências das leis, será difícil consolidar um sistema perfeito para o país. Defendo o sistema presidencial. Podemos experimentá-lo, aliás, já escrevi sobre isso. Tendo em conta o nosso figurino e a nossa cultura, facilmente poderemos ter dois galos a cantar na mesma capoeira, mas também não é perfeito”, indicou.

Disse que o sistema presidencial tem as suas vantagens e desvantagens, uma das vantagens é que o país passa a ter uma eleição, deixar de dispender muito dinheiro e depender da comunidade internacional que investe muitos fundos nas eleições na Guiné-Bissau. Outra vantagem é que a Assembleia Nacional Popular passará a ter o poder de destituir o Presidente da República, através do Impeachment e o Presidente terá poder sobre a Assembleia e logo não vamos ter Assembleia, Governo e Presidente.

“Nisso, vamos ter um governo liderado, de um lado, pelo Presidente, e do outro, vamos ter a Assembleia Nacional Popular. No sistema que nós temos, não é possível aplicar o Impeachment de que se falta tanto nos bastidores. A ANP poderá, sim, iniciar um processo de investigação contra o Presidente da República, mas terá que passar pelo Procurador Geral da República e quem nomeia o PGR é o Presidente da República. Se um procurador iniciar um processo penal contra o Presidente, ele pode demiti-lo e indicar outra figura”, afirmou.

Segundo Lesmes Monteiro, o problema ou maior estrangulamento no sistema político guineense está nas pessoas, razão pela qual, desde a abertura política no início dos anos noventa, nenhum governo saído das eleições chegou ao fim da legislatura, “apenas o Presidente José Mário Vaz fê-lo” disse, apelando que haja bom senso entre as pessoas e atores políticos.     

Por: Filomeno Sambú

Conosaba/odemocratagb

Sem comentários:

Enviar um comentário