sexta-feira, 21 de julho de 2023

A missão da sétima legislatura

 

Acredito que já está na hora de deixarmos de lado o argumento, na minha visão, TEIMOSO, segundo o qual a Constituição da República (CR) não contém nenhum defeito e não precisa de ajustes, dado que a “mesma” vigora nos países como Cabo Verde e Portugal e, ao longo de tempo, tem sido eficaz. Ou seja, nesses países a mesma Constituição não tem gerado conflitos entre poderes como é o caso da Guiné-Bissau. Portanto, o problema não é da CR, sim das pessoas que ocupam a presidência da República. Considero teimoso esse argumento por uma razão muito simples: a nossa experiência democrática mostra que a mesma não funciona no nosso país. Não é razoável continuar insistindo na ideia de que um dia virá alguém que vai fazer o uso correto desse dispositivo.

Seleciono, para essa breve reflexão, alguns artigos que reservam ao chefe de Estado um poder que, a meu ver, tem contribuído muito para instabilidade política no país, ora por incompatibilidade com as funções do Primeiro-Ministro ou da Assembleia Nocional Popular (ANP), ora por imprecisão do legislador (artigos que dão margens para várias interpretações) e que, convenientemente favorecem sempre o presidente de República em relação ao executivo ou legislativo.

Artigo 69º

1 - Compete ainda ao Presidente da República:

a)      Dissolver a Assembleia Nacional Popular, em caso de grave crise político, ouvidos o presidente de Assembleia Nacional Popular e os partidos políticos nela representados e observados os limites impostos pela Constituição.

b)      Demitir o governo, nos termos do nº 2 do artigo 104º da Constituição.

Artigo 98º

1-      O Primeiro-Ministro é nomeado pelo Presidente da República tendo em conta os resultados eleitorais e ouvindo partidos políticos representados na Assembleia Nacional Popular.

2-      Os Ministros e Secretários de estado são nomeados pelo Presidente da República, sob proposta do Primeiro-Ministro.

Artigo 104º

2-O presidente da República pode demitir o governo em caso de grave crise política que ponha em causa o normal funcionamento das instituições da república, ouvido conselho de Estado e os partidos políticos com assento parlamentar.

Esses são apenas alguns artigos que mostram, de maneira clara, o quanto a CR confere poderes demais, no meu ponto de vista, ao presidente. Analisando atentamente esses artigos, a começar pelo 69º que atribui ao presidente o poder de dissolver o parlamento. Respeitando, é claro, os limites impostos pela CR no seu artigo 94º nº 1 onde está escrito: “A Assembleia Nacional Popular não pode ser dissolvida nos doze meses posteriores à sua eleição, no último semestre do mandato do Presidente da República ou durante a vigência do estado de sítio ou de emergência”. Nota-se, além da imprecisão do artigo quando fala em “grave crise política” o que deixa margens para muitas interpretações, o mesmo confere um poder muito grande ao presidente, e ao tentar limitá-lo, no art. 94º, o legislador acabou fazendo muito pouco.

            O artigo 104º também é um dos que mais tem gerado instabilidade política no país, por causa da sua imprecisão. Novamente em relação ao conceito de “grave crise política que ponha em causa o normal funcionamento das instituições” (não há nenhuma lei que esclareça o conceito de grave crise política) os presidentes têm usado desse dispositivo de maneira indiscriminada para demitir os governos. Por esta razão, não é de se surpreender que nenhum chefe do executivo conseguiu a “façanha” de terminar uma legislatura, desde a realização das primeiras eleições (1994), sem ser demitido pelo presidente.

Estou ciente de que nenhuma mudança constitucional será capaz de expurgar total e perenemente os conflitos políticos do país. Contudo, é necessário debater seriamente sobre a possibilidade de uma revisão constitucional, porque está evidente que essa que está em vigor é incapaz de garantir a estabilidade política e governativa desejável. A meu ver, temos duas opções:  mudar para o presidencialismo de fato (já que no modelo atual o presidente da República interfere o tempo todo no poder executivo) ou continuar com modelo vigente e esvaziar o chefe de Estado, através da revisão constitucional, de algumas prerrogativas (especialmente os destacados acima) de que goza atualmente.

Não tenho pretensão de trazer soluções inequívocas e prontas, muito pelo contrário, esse texto é um apelo à reflexão: É prudente continuarmos acreditando que o problema são as pessoas, não a Constituição e que, portanto, não precisamos mexer nela ou é melhor tentar adequá-la à nossa realidade? Fico com a segunda opção, até porque já temos experiência suficiente para saber onde mexer.

Espero que essa nova legislatura verse sobre essa questão!

São Paulo, Brasil, 20 de julho de 2023

Por Fernando Colonia (o bolamense)

Cientista social

 

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