sexta-feira, 24 de abril de 2020

O PAIGC & UMARO SISSOCO EMBALO NA ENCRUZILHADA PERANTE A EXPERTISE DA CEDEAO.

                    
1. A Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) após uma cúpula dos chefes dos Estados e dos governos realizada no dia 23 de abril do ano corrente   por meio da vídeo conferência, um feito inédito na sua história. Através da comissão interministerial divulgou um comunicado em que diz reconhecer o Umaro Sissoco Embaló como Presidente da República da Guiné-Bissau e lhe ordena criar até o dia 22 de maio de 2020, um novo governo de acordo com os resultados das eleições legislativas de 2019.
Meus caros, observem que tanto o PAIGC quanto USE terão que jogar as cartas e tomar uma decisão que no mínimo será custoso de ponto de vista político para ambas as partes. No caso do partido libertador terá que escolher entre: 

1. Manter a coerência e esperar a decisão da suprema corte, evitando assim, tirar proveito político de nova decisão de CEDEAO pelo menos ao curto prazo.
2. O PAIGC querendo chefiar o próximo governo e sabendo a priori que a luz da constituição da República um candidato não nomeia um governo, vai barganhar acatando em nome de paz e estabilidade a decisão de CEDEAO, mesmo que isso demonstre, na prática, uma  incoerência em relação ao contencioso eleitoral. Esta é, ao meu ver, a decisão mais sensata porque, em certas circunstâncias, o ganho político se consubstancia a partir de uma perda posterior.
3. No entanto, se o partido quiser defender o império de lei, a sua decisão terá desdobramentos longos. Assim sendo, vai confrontar a decisão de CEDEAO, criticando e demarcando-se de todo o jogo político dentro da organização. Impende salientar que essa decisão é muito complexa, portanto, não será pacífico e nem durável, uma vez que perdeu o apoio de grande parte de forças vivas da nação e no seio do próprio partido, no âmbito internacional, essa decisão não terá apoio de grande parte para não dizer de todo o grupo P5, que engloba, a ONU, UE, UA, CPLP e CEDEAO, isto, levando em consideração que o próprio grupo, ou no caso específico a ONU delegou poder de mediação ao CEDEAO e me custa acreditar na possibilidade da ONU declinar a decisão tomada pela organização, um exemplo disso é a União Europeia que já saudou a decisão, assim será com os demais.
Por outro lado, o USE por ter começado mal a sua presidência, tomando posse da forma que tomou, e, tendo apoio de várias forças internas, está entre espada e parede, senão vejamos:
1. Se acatar a decisão de CEDEAO, USE não estaria abandonando os seus aliados? e como estes vão reagir a nova conjuntura política?
2. Se não acatar as recomendações como ficaria a sua relação com a CEDEAO, os países partes, e as demais organizações, em relação a sua legitimidade externa? Não será vista como um beligerante, uma pessoa que não quer cumprir as regras internacionais e, por conseguinte, ser isolado? Como será a sua presidência nos tempos da crise se for isolado?
Feitos os questionamentos, quero aproveitar o ensejo para falar da nossa mãe a CEDEAO diante da legitimidade que lhe é concedida pela dona ONU para mediar as cíclicas crises do nosso amado país, a pátria de Cabral.    
Há quem defende que fazemos análise tendo em conta a nossa área de formação, assim, um jurista tende a ver o mundo a luz do direito e um internacionalista ou um futuro internacionalista no meu caso faz análises fazendo observância ao cenário internacional e a sua complexa dinâmica.
Em ‘’MICROFÍSICA DO PODER’’: Michel Foucault nos ensina que não se trata de libertar a verdade de todo sistema de poder – o que seria quimérico na medida em que a própria verdade é poder – mas desvincular o poder da verdade das formas de hegemonia no interior das quais ela funciona no momento.”
Existe uma corrente das Relações Internacionais, o Realismo que afasta da visão normativa do mundo, propondo analisar o ser do mundo, isto é, foca em abordar as relações internacionais a partir da forma como o mundo é, não o deve ser do mundo como entendem os liberais.
É irrefutável que as relações internacionais são muito realistas, em consequência disso, prefiro não romantizar quando faço as minhas análises, ainda que não é o meu ensejo fazer julgamentos, quer dizer, não se trata do certo ou errado, senão em descrever a realidade. 
Como é sabido em qualquer organização internacional o protagonismo é eminentemente econômico, no caso da CEDEAO, o cenário é idêntico, basta ver quem são os paymakers da organização, é obvio que quem dá mais recebe mais por outras vias. Com isso quero dizer que existe uma relação de poder dentro da organização, em que os interesses dos mais fortes consubstanciam em interesses da organização.
De forma detalhada Costa da Silva (2019), escreve que por meio da politização, ou hiperpolitização, são instrumentos institucionais e normas internacionais utilizados pelos países para atacar aqueles designados de inimigos e proteger os considerados amigos, mesmo em situações de clara violação às normas internacionais, assim, utilizando do poder político para propagar, ou até mesmo impor, seus interesses. O primeiro fazendo referência a influência direta dos interesses políticos dos países em sua participação em instituições internacionais, enquanto que a hiperpolitizacão refere o excesso de interferência política no processo de tomada de decisões multilaterais.
Interesses de que país ou países prevalecem nos bastidores da CEDEAO? Com essa decisão o não questionamento da CEDEAO se tornou algo insofismável, na medida em que a organização se contradiz, abandonando um dos seus preceitos que defende a democracia embasado na ideia de ''tolerância zero'' contra ''golpes de Estado'' ou ''subversão de ordem constitucional''?
Ao não aguardar a decisão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) em relação ao contencioso eleitoral a CEDEAO não estaria a sobrepor ou substituindo a suprema corte na Guiné-Bissau? A organização tem poderes para atuar dessa maneira num Estado de direito democrático? O que fará o STJ da Guiné-Bissau perante a decisão da CEDEAO? A suprema corte vai pronunciar? Que efeitos esse pronunciamento poderá ocasionar em termos práticos?
Mais uma vez a CEDEAO demonstrou incorrência na sua tarefa, a ONU e os demais organizações nada fizeram para contornar a situação. Isso nos faz acreditar na tese de que só os guineenses, tão somente nós, se quisermos seremos capazes de tirar o país nesse embrulho. Todavia, e para todos os efeitos a CEDEAO continua com a sua expertise para mediar qualquer saga que para os guineenses se revela complexa.
Bem Haja!
Por: Júlio Sani Lopes
Bacharel em Humanidades e Bacharelando em Relações Internacionais na UNILAB
Salvador, Bahia, Brasil. 24/04/2020
Referencias
COSTA DA SILVA, D. Os direitos humanos sob a perspectiva do Sul: a ascensão de uma contra-hegemonia revisionista do universal? In: X congresso Latinoamericano de Ciência Política, Rio de Janeiro, 2019. p. 1-29.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 16ª. ed. Rio de Janeiro, Graal, 2001.

SEITENFUS, Ricardo. Manual das organizações internacionais. 2 ed. Porto
Alegre, Livraria do Advogado, 2000.


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