segunda-feira, 4 de outubro de 2021

MIGRANTES ILEGAIS DENUNCIAM QUE SÃO MALTRATADOS E DESPREZADOS PELO ESTADO


Chefe-da-Missao-OIM-Fatima-Vieira

[REPORTAGEM_38_2021] Migrantes ilegais guineenses denunciaram que são maltratados nos países de acolhimento e desprezados pelo Estado da Guiné-Bissau. Essa dura realidade tem afetado o futuro de muitos jovens guineenses e colocado em risco muitas vidas, o que coloca a Guiné-Bissau na lista de cinco países da África com maior número de jovens na migração irregular, um país com poucas esperanças para os seus jovens devido à fragilidade do Estado, provocada por atores políticos na luta pela sobrevivência.

O fenômeno migratório vem ganhando nova vanguarda em todo o mundo, principalmente na África subsaariana, devido à falta de políticas públicas capazes de melhorar as condições de vida dos cidadãos. Além desses fatos, os jovens africanos são votados em terceiro plano e outros no esquecimento total.

Essa realidade da África Subsaariana não deixa a Guiné-Bissau de lado. Ao longo dos anos o país foi martelado por ondas de eventos políticos, sociais e de instabilidade econômica que desestimulam qualquer cidadão. Como se não bastasse, ainda há um índice crescente de fome generalizada, consubstanciada na falta de mercado de trabalho para abrigar a sua população jovem que ultimamente tem apostado na migração ilegal como saída para muitos problemas que enfrentam, sobretudo económicos.

Nos últimos anos, a Guiné-Bissau tornou-se num dos cinco países da África com maior número de jovens na migração irregular, um país com poucas esperanças para os seus jovens devido à fragilidade do Estado, provocada por atores políticos na luta pela sobrevivência. Isso tornou o país cada vez mais vulnerável e indiferente às questões básicas e aos problemas sociais dos cidadãos.

A ausência de autoridade estatal nas áreas rurais do país motiva sobremaneira a população rural ao êxodo, preferindo deixar o país para a África do Magrebe ou para o Ocidente em busca de melhores condições de vida.

Todos os elementos acima mencionados acabam por despertar na juventude guineense a coragem para cruzar florestas de país em país e mares e mares em busca de melhores condições para o sustento de suas famílias.

Para acabar com a fome na família, esses jovens decidem deixar sua terra natal, com apenas duas camisas e duas calças, uma estratégia adotada para evitar o peso de cargas nas costas. Apenas levam consigo a ambição de alcançar o triunfo que pode mudar a vida da família e salvá-los da pobreza extrema.

GUINÉ-BISSAU NÃO TEM DADOS DOS MIGRANTES REGULARES NEM IRREGULARES – CHEFE DA OIM

Contatada pelo jornal O Democrata para falar da situação dos imigrantes guineense em situação regular e irregular, a chefe da Missão da Organização Internacional para as Migrações (OIM), Fátima Vieira, revelou que não há dados ou números concretos de pessoas em migração regular ou irregular e a Guiné-Bissau figura entre os cinco países com mais imigrantes irregulares.

“Os números de pessoas em situação de imigração irregular não são contabilizados, por isso não há dados concretos sobre isso, mas a juventude guineense tem apostado e procurado a via migratória como meio ou caminho mais fácil para chegar à Europa”, disse.

“Neste momento temos a informação que cidadãos da Guiné-Bissau são os que mais têm tentado chegar à Europa através desta rota”, revelou.

Durante a entrevista ao jornal O Democrata, Fátima Vieira salientou que a pandemia da Covid-19 trouxe fatores mais agravantes relativamente à migração, porque obrigou a uma drástica proibição de circulação e as pessoas que estavam naquelas condições ficaram todas bloqueadas sem a possibilidade de movimentarem-se.

Nas zonas contidas acabaram por passar de imigrantes a refugiados, colocando assim as suas vulnerabilidades ainda mais expostas. Apesar desses fatores, a Covid-19 não diminuiu o número de pessoas na migração ilegal. Porém, dificultou todo o processo.

Fátima Vieira manifestou a sua preocupação em relação a situação e disse que até recentemente, havia um número reduzido de guineenses na migração irregular e que na costa da Guiné-Bissau havia outras nacionalidades que procuravam a migração.

“A OIM tem trabalhado com as comunidades no sentido de sensibilizá-las e mostrá-las o perigo que esta forma de migrar representa “, disse.

A responsável da OIM na Guiné-Bissau contou que a maior parte das comunidades que a organização para migração questionou tem sempre um familiar desaparecido ou que não contatam há mais de cinco anos.

Fátima Vieira referiu que esses acontecimentos têm criado dilemas e que os idosos dessas comunidades lamentam o triste fato e dizem que já não têm jovens para enterrar os mortos, porque “foram todos emigrar”.

Vieira afirmou que os casos que a OIM regista como indicadores representam um grande número de pessoas que procuram a migração irregular, “não aqueles imigrantes que sobreviveram nas embarcações para a Europa, nas Canárias, pois grande parte dessas pessoas perdem as suas vidas no deserto ou no mar”, revelou.

Para a chefe de Missão da OIM no país, o desejo das pessoas que escolhem esse fenómeno migratório deve-se a uma esperança de melhorar as condições de vida no futuro e diz que a maior parte dos migrantes não vê um projeto de vida que possa abraçar no seu país de origem.

Fátima Vieira chama atenção aos cidadãos sobre publicidades enganadoras a partir das redes sociais, mostrando apenas o lado bom e bonito dos países europeus, mas ” nem toda a realidade é adequada para todas as pessoas, sobretudo para as pessoas que não têm melhores condições de vida”.

“Mesmo que os migrantes consigam chegar à Europa, a realidade que esperam encontrar nem sempre é favorável e às vezes encontram uma realidade muito dura”, salientou, para de seguida informar que muitas dessas pessoas, quando veem que a realidade é outra pedem ajuda à OIM para regressar aos seus países de origem.

O projeto da iniciativa conjunta da União Europeia com a OIM para o retorno e reintegração de migrantes na Guiné-Bissau acabou neste momento, mas, entretanto, a organização continua a existir e a dar apoios para a reintegração das pessoas que solicitam ou pretendem regressar à Guiné-Bissau.

Neste projeto, segundo Fátima Vieira, mais de 700 jovens guineenses conseguiram regressar à Guiné-Bissau e tiveram os seus projetos de reintegração de três anos.

“O projeto conseguiu ajudar a reintegração dos migrantes em diferentes planos, alguns conseguiram abrir os seus negócios ou fazer uma formação técnica e profissional”, disse.

O maior número de jovens no processo migratório sai das regiões de Gabú e de Bafatá. Também utilizam a via terrestre daquela zona para migrar. Há angariadores que fazem da migração o seu ganha pão e estão a explorar o tráfico dos seres humanos.

A chefe de Missão da OIM na Guiné-Bissau apelou a um trabalho constante nos órgão de comunicação social como forma de sensibilizar e esclarecer os jovens sobre o perigo de migração ilegal.

“Há casos em que tentam levar crianças, muitas vezes os adultos acabam por morrer pelo caminho e as crianças ficam abandonadas”, revelou Fátima Vieira.

“ESTADO DA GUINÉ-BISSAU NÃO SE INTERESSA POR NÓS”- DIZ UM MIGRANTE GUINEENSE

Durante a entrevista sobre migração, o emigrante guineense Suleimane Baldé sublinhou que é triste ver outros Estados a cuidarem-se dos seus cidadãos, ao passo que o Estado da Guiné-Bissau nem se quer se importa do infortúnio que enfrentam na diáspora, quanto mais segui-los e resolver os problemas que enfrentam.

Suleimane Baldé, que foi deportado para a Guiné-Bissau por falta da documentação, confessou que decidiu deixar de procurar as melhores condições de vida, porque infelizmente não teve sucesso, porque foi preso e deportado para o seu país, depois de mais de dez anos emigrado.

Suleimane Baldé revelou que passou muitos anos a abrigar-se nas diferentes florestas dos países da África por vários períodos em busca do caminho para chegar à Europa. Na sua explicação, a Guiné-Bissau não tem representações diplomáticas em alguns países, o que dificulta a maioria de seus colegas na prossecução dos seus objetivos e torna-os incapazes de encontrar um refúgio.

Para Baldé, apesar das dificuldades que enfrentou na sua jornada ilegal, ele ainda sonha com a oportunidade de recomeçar, já que no seu país a expectativa de vida estável é nula e disse que precisa encontrar a melhor maneira de ajudar a sua família.

Visivelmente revoltado com a situação na Guiné-Bissau, Baldé assume o papel de conselheiro e pediu a seus compatriotas a absterem-se de emigrar sem dinheiro para sustentar a migração regular e que, quem esteja disponível a fazê-lo, ele está disposto a entregá-lo todas as coordenadas para chegar ao destino final, a Europa.

“O caminho certo para a migração clandestina começa nas florestas do Senegal, Mali e até chegar ao Burkina Faso, depois continua a rota para o Níger e de lá para Argélia, passar noites e noites nas florestas. E depois procura chegar a Marrocos com cuidado para não cruzar-se com a polícia até chegar à fronteira, portanto estou disposto até para facultar o mapa de viagem para quem quiser fazer emigração ilegal “, salientou.

Durante a conversa, Suleimane Baldé lembrou-se de uma triste tragédia ocorrida em 24 de fevereiro de 2005, quando migrantes irregulares foram presos e levados para o deserto ocidental pelas autoridades Espanholas, sem água, sem sombra para descansar, apenas caminhando. Disse que muitas pessoas morreram num curto espaço de tempo, ou seja, em menos de vinte e quatro horas, cidadãos de vários países africanos que faziam parte do grupo morreram no deserto por causa das altas temperaturas.

“A Organização das Nações Unidas, após saber do incidente, decidiu imediatamente resgatar todas as pessoas do deserto”, frisou.

Por: Djamila da Silva
Foto: D.S
Conosaba/odemocratagb

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