A forma como um país alcança a sua independência afecta a sua estrutura militar e, em consequência disso, a formação dessa peculiar cultura político-militar.
Em países onde os processos de luta pela independência foram violentos -- como é o caso da Guiné-Bissau -- há sempre uma tendência para a formação da cultura do "homem forte". Aliás, após a independência, todos nós contribuímos para a afirmação desse poder e cultura militar, através de acções e simbolismos inculcados na memória nacional.
E, numa relação de causa e efeito, a instituição militar também acaba afectando a formação do próprio Estado.
Assim, a transformação dessa cultura é um trabalho árduo, sobretudo em países mal-governados, extremamente debilitados e com parcos recursos, como também é o nosso caso.
Todavia, os falhanços verificados até aqui para a transformação das nossas Forças Armadas Revolucionárias do Povo (FARP) para forças republicanas são, essencialmente, por falta de vontades (e visões) políticas.
Aliás, como o resto do país. Os falhanços em quase todos os sectores não podem ser distanciados da esfera política-partidária e do Estado.
Reconhece-se também que, como qualquer outra instituição histórica militar, as FARP estão sempre envolvidas em tentativas de manter o seu estatuto privilegiado, através de vários exercícios de legitimação -- uns francamente justificáveis e outros questionáveis.
Numa dada altura, a Guiné-Bissau terá que criar um novo Pacto entre os políticos, a sociedade civil e a instituição militar, através de um trabalho sério, com consensos alargados e metas justas e exequíveis.
Mas, antes, será preciso saber ultrapassar o tabu de discutir a vida e o comportamento institucional da classe castrense. Na minha humilde opinião, as recentes trocas de comunicados entre o PAIGC e a instituição militar devem ser encaradas neste âmbito de um diálogo difícil, desconfortável, mas essencial. Cada um deve ter a coragem de dizer o que sente em relação ao outro, sem medo, sem constrangimentos e independentemente da relação de "intimidade" histórica, ou mesmo na ausência da mesma.
Da minha parte, estarei disposto para dar a minha contribuição para a materialização deste sonho para muitos elementos das forças de defesa e segurança -- em activo ou na reforma.
A estabilização da Guiné-Bissau, o seu desenvolvimento e a consolidação da sua democracia dependerá de um tal desafio de aproximar a instituição militar às instituições civis.
Temos que trabalhar na criação de garantias mútuas entre todos os actores nacionais -- militares, políticos e civis -- para reduzir os conflitos institucionais, dignificar as partes e salvaguardar os interesses vitais da Guiné-Bissau.
Será um diálogo desconfortável e difícil, mas crucial e patriótico.
--Umaro Djau
14 de Abril de 2024
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