Primeiro-Ministro britânico Rishi Sunak, ontem dia 22 de Abril 2024 em Londres. REUTERS - Toby Melville
O Parlamento britânico aprovou ontem à noite o polémico projecto de lei que permite a expulsão para o Ruanda dos imigrantes clandestinos que chegam ao território do Reino Unido. O Ruanda deu conta da sua satisfação perante esta decisão. Já a ONU apelou o Reino Unido a "reconsiderar" o seu plano.
Qualificado de "histórico" pelo Primeiro-Ministro britânico Rishi Sunak, este projecto de lei que data da era Boris Johnson e esteve no centro de acesas polémicas, acabou por ser validado ontem à noite pelos parlamentares britânicos. Isto apesar das fortes reservas emitidas por ONGs de defesa dos Direitos Humanos durante largos meses e apesar também do próprio Supremo Tribunal de Justiça Britânico ter chumbado a aplicação deste dispositivo no ano passado.
Considerado a pedra angular da campanha dos conservadores para as legislativas ainda este ano, este dispositivo poderia ser aplicado "nas próximas 10 a 12 semanas" segundo o governo britânico.
Relançado no final do ano passado quando se julgava que tinha sido enterrado, este projecto suscita também expectativa do lado do governo ruandês que deu conta da sua "satisfação". Em virtude do acordo rubricado e renegociado em Dezembro 2023 com Londres, o Ruanda é considerado em "país seguro" para acolher migrantes e dá garantias de que não expulsará para outro país as pessoas transferidas no âmbito desta parceria. Em contrapartida Kigali recebe um envelope de 120 milhões de Libras, ou seja 145 milhões de Euros.
Este plano não deixa todavia de continuar a suscitar uma forte rejeição, nomeadamente por parte da ONU que apelou o Reino Unido a "reconsiderar" os seus planos. No mesmo sentido e numa altura em que o seu país bem como Cabo Verde acabam de desmentir terem sido abordados para igualmente acolher migrantes expulsos pelo Reino Unido, Osvaldo Mboco, especialista angolano em Relações Internacionais ligado à Universidade Técnica de Angola, também se mostra preocupado perante as consequências deste dispositivo.
"A preocupação vai na direcção de salvaguardar os Direitos Humanos desses imigrantes. Claramente, o Reino Unido, como qualquer Estado, tem o direito de deportar todos os imigrantes que entram de forma ilegal no seu próprio Estado. Mas temos que aqui também sublinhar que existe o aspecto que tem muito a ver com os requerentes de asilo ou os refugiados. Estes têm um tratamento especial à luz daquilo que é a Convenção de Genebra de 1951, que define o estatuto de refugiados", sublinha o universitário segundo o qual se "abre aqui um grande precedente do ponto de vista prático de outros Estados a nível da Europa Ocidental, também andando na mesma direcção".
Osvaldo Mboco também alerta sobre o risco de "existir no futuro alguma situação de conflitualidade entre esses imigrantes que vão ser deportados agora para o Ruanda e o povo ruandês, porque nós não podemos olhar essa medida simplesmente a curto prazo, mas temos que olhar daqui a médio e longo prazo. Ou seja, muitos dos filhos desses imigrantes que nascerem no Ruanda poderão ser considerados ruandeses com fundamento da própria lei e da aquisição de nacionalidade. Isto no futuro pode trazer alguma conflitualidade do ponto de vista de concorrer a cargos públicos com algum significado. O Ruanda também deveria levar em linha de atenção este aspecto e não simplesmente olhar para aquilo que será a construção de projectos e infra-estruturas que, do ponto de vista prático, visam acomodar estes refugiados e também melhorar as condições de vida dos próprios ruandeses".
Referindo-se à reacção da comunidade internacional, o analista recorda que "as Nações Unidas já fizeram sair uma posição relativamente a isto, que é da necessidade de se repensar a forma como está a ser tratado este assunto", mas considera que "o Parlamento Europeu também deveria trazer ao de cima aquilo que é a sua visão a nível das responsabilidades que o Reino Unido tem a nível da Europa".
O professor de relações internacionais remata ainda dizendo olhar "com uma grande preocupação" esta situação que na sua óptica traduz "a necessidade de os Estados africanos continuarem a trabalhar para melhorar as condições sociais, as infra-estruturas de desenvolvimento, para que muitos imigrantes que estão nessa lista (e que) são maioritariamente africanos, não recorram a países como o Reino Unido ou outros países da Europa".
Igualmente alarmadas perante a perspectiva da aplicação deste dispositivo, ONGs de defesa dos Direitos Humanos deram conta da sua indignação, designadamente a delegação da Amnistia Internacional no Reino Unido para a qual isto é uma "vergonha nacional" que vai "manchar a reputação do país".
Refira-se que apesar da gestão dos fluxos migratórios ter sido um dos motivos invocados pelos apoiantes do Brexit para o Reino Unido sair da União Europeia, os migrantes continuam a tentar afluir para aquele país. De acordo com dados oficiais, 215.500 pedidos de asilo ainda aguardavam uma resposta em Junho de 2023, um recorde desde a compilação das estatísticas sobre a matéria 2011 naquele país. Só no ano passado, o Reino Unido registou mais de 67.000 pedidos de asilo, sendo que entre Julho de 2022 e Junho de 2023, 41% dos pedidos provinham de migrantes que atravessaram a Mancha em canoas improvisadas.
Por: Liliana Henriques
Conosaba/rfi.fr/pt
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