Polícia Judiciária da Guiné-Bissau debate-se com falta de meios e não chega a todo o território nacional. AFP - GEORGES GOBET
Bissau – A Liga dos direitos humanos da Guiné-Bissau avistou-se nesta terça-feira, na capital, com a direcção da Polícia Judiciária. Em causa a preocupação suscitada com o aumento da criminalidade violenta, com registo de de mais de 10 homicídios nos últimos dois meses. Guerri Gomes, secretário nacional para comunicação e relações públicas da Liga apela a um maior investimento do governo e dos parceiros para apoiar a Polícia Judiciária.
A Liga guineense dos direitos humanos tem denunciado dois feminicídios recentemente, por um lado, mas também, por outro, nos últimos dois meses mais de dez homicídios, ondas de espancamentos e de agressões de cidadãos, "muitas das vezes perpetradas por agentes do Estado".
Guerri Lopes, secretário nacional para comunicação e relações públicas da Liga, alega ter obtido garantias da Polícia Judiciária de que estaria mobilizada para investigar as ocorrências registadas.
"Tivemos a possibilidade de abordar com o director nacional da Polícia Judiciária sobre os homicídios, comportamentos de violência que estão crescendo bastante na sociedade guineense. Ouvimos da parte do Director nacional da Polícia Judiciária os trabalhos que estão sendo feitos pela instituição relativamente às investigações, às informações relativamente às origens e autores desses crimes, desses actos violentos.
Ouvimos, da parte da Direcção da Polícia Judiciária uma determinação em trabalhar para reduzir, através da punição de responsabilização desses autores, reduzir esses crimes na sociedade. Se os autores são levados à Justiça isso acaba por desmotivar esse tipo de comportamento. A Polícia Judiciária, segundo o director nacional, está a fazer o seu trabalho apesar de dificuldades: falta de meios, falta de recursos. A Polícia Judiciária não está em todo o território nacional. Nós lamentamos bastante isso porque uma instituição como a Polícia Judiciária, o papel que tem no combate ao crime, na garantia da segurança dos cidadãos, na defesa e promoção dos direitos humanos, tinha que estar efectivamente em todo o território nacional. E isso não é o caso."
Guerri Lopes apela a que o governo dê mais meios à Polícia Judiciária e à atenção dos parceiros internacionais para conseguir avanços neste dossier.
O dirigente afirma-se esperançado no processo de recrutamento a prazo de 90 elementos que deveriam reforçar os contingentes da Polícia Judiciária permitindo o alargamento da actuação da corporação no interior do território guineense.
" Mas também saímos com uma esperança. De acordo com a informação que recebemos da parte do director de que neste momento há um processo de recrutamento de 90 vagas, há 90 elementos que vão reforçar a corporação da Polícia Judiciária; E com esse recrutamento, poderá efectivamente permitir o alargamento da actuação geográfica da Polícia Judiciária para as regiões. E também temos a informação de que há parceiros, como o PNUD [Programa das Nações Unidas para o desenvolvimento] e algumas instituições que estão a apoiar a Polícia Judiciária para que ela possa existir em todo o território nacional."
Porque o que gerava preocupação junto da Liga era o facto de terem registado mais de dez homicídios, ondas de espancamento e agressão de cidadãos e, muitas das vezes também perpetradas por agentes do Estado, não é ?
"Certo, das agressões, das violências que têm acontecido de três meses para cá... algumas dessas agressões são dos cidadãos comuns e outras são de agressões pelos agentes do Estado. Ou especificamente, falo aqui da agente da Polícia de ordem pública.
Tivemos uma informação mesmo de um indivíduo que foi alvo da agressão por parte da polícia na região de Gabu, concretamente no sector de Pitche. O conjunto desses elementos de actos de violência dos indivíduos e do próprio entidade do Estado foi objecto de análise e de discussão na Polícia Judiciária.
Nós percebemos que a Polícia Judiciária também tem a sua limitação. Tenta fazer o seu trabalho, às vezes tenta procurar informações, tenta investigar as origens dos autores, mas às vezes, dada a sua limitação em termos de competências, o processo vai parar ao Ministério Público e o Ministério Público às vezes acaba por não prosseguir com a responsabilização dos autores. E isto constitui uma preocupação para a Liga Guineense dos Direitos Humanos, porque nós estamos a tratar no Estado de Direito Democrático um Estado onde impera a lei e não pode estar a acontecer a discricionariedade da acção da parte dos agentes do Estado."
O perigo, se a situação se mantiver, a seu ver e se a Polícia Judiciária não conseguir reforçar os meios de que precisa, é que a população tenha mesmo tendência em fazer justiça pelas suas próprias mãos ?
"E isso está a acontecer. Está a crescer esses actos de violência. Entre esses actos de violência que estão a acontecer há um nível elevado de tentativa de fazer justiça com as próprias mãos. No mês passado nós tivemos dois casos. Há um vídeo que circula nas redes sociais em que um indivíduo foi brutalmente espancado numa das zonas da região de Cacheu por alegadamente roubar um telefone. Isso é uma manifestação clara de que a população neste momento não tem confiança no sistema judicial.
E também nós temos um caso cá em Bissau em que o indivíduo supostamente foi apanhado no roubo, foi brutalmente espancado, amarrado e espancado até à morte. Isso para nós são indicadores preocupante, porque acaba por pôr em causa a confiança dos cidadãos nas instituições judiciais. E quando isso acontece, nós vamos entrar num caos !
Cada qual vai fazer a justiça com a sua mão. Vamos parar ao império da força. Quem tem mais força usa a sua força para fazer a sua própria justiça. Isso não é bom ! É preciso ter confiança nas instituições do Estado, na Justiça. Mas para que isso aconteça, é preciso que as instituições do Estado ou as instituições judiciais tenham capacidade de fazer o seu trabalho.
Seja a Polícia Judiciária, o Ministério Público, os tribunais devem funcionar com celeridade. Deve ter a capacidade de dar resposta às necessidades e garantir a segurança dos bens e dos cidadãos para que os cidadãos possam confiar nessas instituições. Caso isso não esteja a acontecer, os cidadãos vão perder cada vez mais a confiança nessas instituições. Por isso, é fundamental que a Polícia Judiciária tenha condições, tenha meios e tenha capacidade de poder operar em todo o território nacional, por forma a reforçar a credibilidade dos cidadãos no sistema judiciário."
Daí também o vosso apelo aos parceiros internacionais para tentarem apoiar precisamente a Polícia Judiciária !
"Certo. A Guiné-Bissau tem vários parceiros que trabalham na promoção defesa dos direitos humanos, defesa da segurança dos cidadãos e a Polícia Judiciária é uma das instituições mais especializadas nessa matéria e igual às outras instituições, às outras operações policiais. Mas a Polícia Judiciária, por ser especializada na matéria da investigação criminal, ela precisa de apoio, porque para levar os infractores à Justiça é preciso que haja informações credíveis.
Quem faz essa investigação é a Polícia Judiciária. Por isso, é importante que ela tenha meios, que ela tenha a capacidade de poder exercer as suas responsabilidades, as suas competências e para isso é preciso que essas instituições internacionais, as agências das Nações Unidas, as embaixadas, os países que são parceiros da Guiné-Bissau, também dêem apoio à própria Polícia Judiciária. Mas, mais do que isso, o próprio governo da Guiné-Bissau tem que ver a Polícia Judiciária como uma instituição chave na garantia de segurança dos cidadãos, na garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos."
Por: Miguel Martins
Conosaba/rfi.fr/pt/
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