terça-feira, 26 de novembro de 2019

O COMPLEXO DO CIVILIZADO COLONIZADO

O Estado de Direito democrático, os direitos humanos e a laicidade, são valores que se deseja que andem juntos e de mãos dadas, de forma indissociável.

Num país como a Guiné-Bissau, onde se pretende amadurecer uma democracia jovem e frágil, num país caraterizado pela sua multietnicidade, não podemos nem devemos tolerar discursos de divisão étnica, nem tão pouco discursos que associam uma etnia ou religião a radicalismos, atos terroristas e tráfico de drogas! Só mentes tacanhas conseguem fazer um raciocínio tão rudimentar e torná-lo público!

Porque razão um candidato pode utilizar, durante a campanha, um chapéu conotado com uma determinada classe de países ocidentais e outro não pode utilizar um outro adereço relacionado com a sua etnia e religião?! Porque Amilcar Cabral usava “Sumbia”? Justamente como símbolo de união africana, ou se quiserem, como a símbolo da africanidade, da rejeição dos valores e símbolos coloniais. Tenho pena que essa tradição não se tenha perpetrado no seio do PAIGC, cujos militantes, ainda imbuídos de forte complexo do colonizado, preferem adoptar e importar símbolos elitistas de outras culturas, que consideram eles superiores ou mais civilizadas, renegando vários símbolos que podiam ser retirados da nossa riqueza multi-étnica.

Apesar de levar mais tempo de vida em Portugal, que na Guiné-Bissau, sou um produto da miscegenação genética e tive o privilégio de ter nascido e crescido até os meus dezoito anos nesse mosaico étnico, que me permitiu, por ex, brincar com os meninos de uma pequena tabanca balanta, do outro lado da minha rua, no mesmo dia acompanhar a minha mãe à missa católica ao fim da tarde, sair da missa e ir ao “corta-djundjun” dos muçulmanos do meu bairro, durante o período de Ramadão, apenas para comer o delicioso “Moni”... Tinha tios que me recebiam nas minhas férias escolares, de Nhacra, passando por Mansoa, Bula, Cantchungo, Bafatá e Gabú... Tive o privilégio de contactar e conhecer alguma coisa das culturas Balanta, Mancanhe, Manjaco, Fula e Mandinga. Desde muito pequeno, aprendi a gostar da música tradicional mandinga. Talvez por isso, apesar de ter sido criado num meio de Assimilados, tenho a liberdade de espírito para aceitar que qualquer político, pertencente à qualquer etnia, praticante de qualquer religião, desde que não seja corrupto e coloque os interesses da Guiné-Bissau a frente dos interesses étnicos, religiosos e de outros povos, seja Presidente da República da Guiné-Bissau, e desde que conquiste o cargo por mérito próprio e não através de meios fraudulentos..

É um discurso perigoso, tentar associar, sem provas, um candidato ao extremismo islâmico, ao terrorismo e ao tráfico de drogas, apenas por usar um símbolo islâmico na sua campanha! É um candidato, cuja a candidatura foi aprovada pelo Supremo Tribunal de Justiça, que decerto avaliou o seu cadastro!

É um discurso demasiado perigoso, falar em islamização da sociedade guineense, apenas porque existe a possibilidade de um candidato que pratica uma religião islâmica vir a ser Presidente da República! A Guiné-Bissau é um Estado laico, independentemente da religião que o seu Presidente vir a professar!

O meu candidato é e continuará a ser Jomav. Não apoio e nem apoiarei nenhum outro candidato que perfilham nestas eleições...

A minha luta é para a libertação da Guiné-Bissau das garras do PAIGC, por isso aceito que, caso o meu candidato não passe à segunda volta, apoie outro candidato qualquer, desde que não seja o candidato que também ainda é líder do PAIGC... Caso o meu candidato não passar para a segunda volta e optar por apoiar o candidato do PAIGC, é evidente que deixará de poder contar com o meu apoio, se continuar na política...

Aguardemos que a CNE anuncie aquilo que traduz a vontade popular, que seja ele Balanta, Fula, Mandinga, Felupe, Mancanhe, Papel, Padjadinca ou mestiço. Que seja Ateu, Agnóstico, Deísta, Católico, Muçulmano, Budista, etc, mas que coloque os interesses da Guiné-Bissau e dos guineenses acima da sua etnia e da sua religião.

Considero muito mais perigoso que o PAIGC reconquiste o poder absoluto na Guiné-Bissau, do que ter um muçulmano na Presidência da República, o que vem demonstrar justamente a mudança da mentalidade da sociedade guineense, abandonando o complexo do colonizado e da temática de Civilizados vs Djintius, já que esse candidato, se ganhar, será com os votos de guineenses de todas as etnias e religiões...

Que ganhe o melhor, menos o candidato que também é líder do PAIGC.

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