segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Especialista em agricultura: “CAJU E O ARROZ SÃO BONS, MAS DEVEMOS APOSTAR NUMA DIVERSIFICAÇÃO BEM SÉRIA”

 

[ENTREVISTA_outubro 2020] O especialista em matéria agrícola e quadro sénior do ministério de Agricultura, Rui Jorge Alves da Fonseca, alertou ao executivo guineense que é urgente pensar num programa de diversificação de produtos agrícolas, porque “caju e o arroz são bons, mas devemos apostar numa diversificação bem séria” que, segundo a sua explicação, passa pela aposta também em outras culturas como a batata doce, que pode ser produzida no país e exportada para países vizinhos como tem acontecido ultimamente, hortaliças, frutas e em gergelim (Benô), que apareceu ultimamente e tem sido procurado e ganhou o seu espaço no mercado.

Fonseca que também chegou a desempenhar a função do Coordenador do Programa do Fundo das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), fez estas advertências durante uma entrevista exclusiva ao nosso semanário para falar das medidas urgentes que o governo deve acionar para minimizar os prejuízos e as consequências das inundações das bolanhas  causadas pelas chuvas e que deixou centenas de agricultores em situações de aflição. O especialista assegurou que a recuperação das bolanhas é difícil neste momento, porque a água está num nível bastante elevado e não será possível avançar com nenhuma obra da recuperação.   

“Sabemos que na Guiné-Bissau, o trabalho nas bolanhas é feito pela população manualmente. A força do homem não é capaz de fazer um trabalho que impeça a entrada da água”, contou para de seguida aconselhar os agricultores que devem apostar, como a alternativa, no aspeto ligado à produção de hortaliças que começa no próximo mês novembro.

Sobre o orçamento de dois por cento que o governo de Nuno Nabian atribuiu ao setor de Agricultura, o que viola a convenção de Maputo e a recomendação da União Africana que define que os Estados assinantes devem conceder 10 por cento do Orçamento Geral de Estado ao setor de agricultura, Rui Fonseca disse que os dois por cento são pouco e que servem apenas para o pagamento de salários e tudo o que diz respeito ao funcionamento do ministério é essencialmente o pagamento de salários.

“Agora se pergunta sobre o investimento!? Quer dizer as obras, se esse  valor vai chegar para as obras, não! O investimento é coberto através dos projetos financiados pelos nossos parceiros internacionais. E não podemos continuar neste caminho. O ministério de Agricultura tem vários instrumentos que foram elaborados e o último que foi aprovado no ano passado é o Programa Nacional de Investimento Agrícola”, referiu.

O Democrata (OD): De há alguns anos para cá regista-se o problema da insuficiência das chuvas, mas este ano a chuva provocou inundações com enormes estragos nas bolanhas. As organizações e administrações locais alertam que é urgente a intervenção do governo para evitar calamidades e fome. Na qualidade do técnico de agricultura, o que é preciso fazer urgentemente, entre a recuperação de bolanhas inundadas ou apoio à produção de sementes do ciclo curto?

Rui Fonseca (RF): Uma das causas da degradação das nossas bolanhas é precisamente o corte de algumas árvores que protegem toda a parte do litoral das bolanhas, portanto o que nós chamamos a cabeça das bolanhas. Como não têm as árvores para proteger e quando chove arrasta toda a areia que está na parte do planalto que vai descendo e como não encontra barreiras de árvores para pará-la, toda essa areia vai para as bolanhas e provoca o aumento de segmentação. A areia aumenta na bolanha e isso poderá provocar a diminuição das profundezas das bolanhas, portanto esta é uma das causas que poderá estar na base dessas inundações.

A recuperação das bolanhas é difícil neste momento, porque a água está num nível bastante elevado e não será possível avançar com nenhuma obra da recuperação. Sabemos que na Guiné-Bissau o trabalho das bolanhas é feito pela população manualmente. Ora, a força do homem não será capaz de fazer um trabalho que impeça a entrada de água. Neste momento, não é possível fazer nenhum trabalho de reabilitação de bolanhas.  No próximo ano talvez sim. É bom que o ministério de Agricultura comece desde já a pensar nas obras e nos sítios que vão ser reabilitados. Essas obras devem partir dos estudos topográficos dos solos e hidráulicos para se começar já a trabalhar nas bolanhas destruídas pelas inundações e ver quais são as outras cujos diques podem ser reforçados para evitar não só a sua destruição mas também que sejam inundadas.

Para além dessas inundações, há também o fenómeno da entrada das águas salgadas. Os diques não estão bem compactados, a água salgada pode invadir a bolanha facilmente, provocando a diminuição da produção. Sabemos que, nas bolanhas de água salgada, primeiro constroem viveiros nas tabancas e depois esses viveiros são transplantados para as bolanhas salgadas. Se a água baixar ainda é possível fazer o transplante, e caso continue a chover com essa intensidade não será possível fazer o transplante. Por isso devemos apostar, como a alternativa, no aspeto ligado à produção das hortaliças que começa no próximo mês  novembro.

Em relação à zona da região de Bafatá, onde as pessoas cultivam na época da seca, é possível aproveitar o nível de água que vai baixando e aproveitar também a água que existe em certas zonas e começar a produção na  época seca. É evidente que precisamos ter um sistema de produção e de abastecimento de sementes de qualidade e sementes adaptadas a essas situações climáticas. O conselho que posso deixar aos agricultores é começarem a utilizar cada vez mais sementes de ciclo curto que possam estar adaptadas a essas alterações climáticas que têm ocorrido nos últimos tempos.

OD: Quais são essas sementes capazes de adaptar-se às alterações climáticas?

RF: Há várias variedades que o Instituto Nacional da Pesquisa Agrária (INPA) conhece perfeitamente bem. Os próprios agricultores conhecem várias variedades do arroz que o INPA já testou nas bolanhas e que podem ser produzidas. É preciso que seja reforçada a capacidade do INPA e que comece a responder às necessidades dos agricultores face a esses problemas das mudanças climáticas, ver quais são as sementes que podem estar mais adaptadas à situação que estamos a atravessar. Pode ser que este ano cessem estas inundações ou que continuem no próximo, ninguém sabe. É sempre necessário que o INPA comece a estar disponível e reforçado para que possa responder às preocupações dos agricultores.

OD: Recomendou a aposta na produção de hortaliças como alternativa para os agricultores, mas na zona do sul do país e outras localidades não se regista com frequência a horticultura, além da falta de sementes. Será que esta solução é viável?

RF: A falta de sementes de hortaliças é geral na Guiné-Bissau! Toda a semente hortícola é importada, mas neste momento as mulheres estão a cultivar hortaliças em quase todas as regiões, embora umas mais ativas que outras. Estou a dizer que, para alternativa ou para que haja rendimento e que as pessoas possam ter o mínimo de dinheiro e comprar arroz para comer, então a horticultura pode ser alternativa; ou apostam na criação de animais de ciclo curto, porque a grande verdade é que neste momento a produção de arroz vai ser bastante baixa.

No sul, como referes, há bolanhas que são da água salgada. Como eu disse no início, se baixar a água é possível que as pessoas façam transplante do arroz e, consequentemente, salvar parte da produção. Mas tudo vai depender do nível da água. A alternativa que estou a sugerir é uma alternativa para que as pessoas consigam ter algo para satisfazer as suas necessidades, durante certo período de tempo. É evidente que o governo tem que lançar um programa de emergência, dependendo do grau das perdas ou dos hectares que desaparecerem, por causa das inundações, mas, sobretudo dependendo do número de famílias afetadas ou que serão afetadas pelas inundações.

O governo tem que lançar um apelo de urgência para apoiar as famílias afetadas em géneros alimentares e arroz, mas não sou apologista de apoio alimentar… defendo mais apoios que permitam que as mulheres possam cultivar hortaliças e dar kit’s para que criem animais e possam sentir-se mais responsáveis do que estão a ser. Se houvesse, na verdade, situação da calamidade eu defenderia uma tese como a da distribuição de arroz para a alimentação.

OD: A Guiné-Bissau assinou a convenção de Maputo e da União Africana, que recomenda aos assinantes consagrar, no mínimo, 10 por cento do Orçamento Geral de Estado à agricultura. Na qualidade de expert neste setor, como interpreta o bolo de dois por cento atribuídos ao ministério de Agricultura no OGE do executivo de Nuno Nabian?  

RF: Desde que houve a declaração de Maputo (Moçambique) e de Malabo (Guiné-Equatorial), a Guiné-Bissau nunca conseguiu atingir os dez por cento recomendados para o setor da agricultura e lembro-me que há alguns anos, o orçamento de agricultura chegou aos quatro por cento, não recordo em que o governo. Há tempos que foi zero vírgula e alguma coisa e dois por cento agora.  Repara esses dois por cento que para uns é pouco vão apenas para o pagamento de salários.  

Agora se pergunta do investimento!? Quer dizer obras.  Será que este valor vai chegar para as obras, não! O investimento é coberto através dos projetos financiados pelos nossos parceiros internacionais. Não podemos continuar nesse caminho. O ministério de Agricultura tem vários instrumentos que foram elaborados e o último aprovado no ano passado foi o Programa Nacional de Investimento Agrícola (PNIA). Agora esta segunda geração passou a ser chamada de Programa Nacional de Investimento Agrícola, Segurança Alimentar e Nutricional. Portanto, se este instrumento fosse aplicado, evidentemente com a contribuição dos nossos parceiros, poderíamos chegar a dez por cento definido na convenção do Maputo. Mas é muito difícil na situação em que nós estamos, porque não há investimento do setor privado no setor agrícola.  

OD: Não havendo a possibilidade financeira de atingir os 10 por cento definidos na convenção de Maputo pela União Africana, na sua opinião, qual seria a percentagem necessária para a sustentabilidade do setor agrícola?

RF: Não foi em vão que os chefes de Estado decidiram em Maputo atribuir os dez por cento ao setor da agricultura, porque a maior parte dos países africanos vive da agricultura e a Guiné-Bissau não é uma exceção e nem pode sê-la agora e nem nunca. Os chefes de Estado entenderam que, para ter uma agricultura sustentável e para que as populações sintam que estão a beneficiar desta agricultura, os Estados contribuiriam com esses dez por cento. Acho que esse poderia ser o plafond ideal para que saíssemos desta situação, através do investimento do Estado e ao mesmo tempo da abertura do próprio setor privado.

Incentivar parcerias público-privadas, porque os nossos Estados não têm capacidades de investir sozinhos, é preciso que haja empresas interessadas em trabalhar juntamente com o Estado e que de uma forma conjunta invistam no setor, porque o Estado sozinho, não conseguiria, sem um investimento bem forte e sem parcerias privadas, sozinho atingir esses 10 por cento. Defendo sempre um investimento ou uma parceria publico-privada para que o bolo de agriculta possa chegar aos 10 por cento do Orçamento Geral de Estado.

OD: Alguns técnicos defendem que o país precisa atrair os investidores privados para este setor, exemplo da AGROGEBA, em Bafatá. É possível motivar as empresas à investir na agricultura, o que deve ser feito para atrair investimentos do setor privado?

RF: É possível motivar o investimento privado para o setor da agricultura, mas isso depende da conjuntura nacional. É preciso diminuir a instabilidade política e institucional que tem corroído ultimamente a Guiné-Bissau. Quando o país começa a entrar no eixo há sempre algo que o impede de avançar. Se um país é instável será difícil o empresário investir o seu dinheiro nesse país. Para atrair o investimento do setor privado é preciso que todo o aparato estatal trabalhe e crie as condições necessárias  para um investimento seguro. Por exemplo, é preciso que haja as condições para o seguro e que garantam aos empresários assegurar o seu investimento contra as queimadas e essas situações climáticas.

A lei fundiária ou regulamento da lei deve funcionar. Há elementos dentro da lei e do regulamento que foi promulgado pelo antigo Presidente da República, José Mário Vaz. É preciso que a lei comece a ser aplicada para que o investidor se sinta seguro que há uma lei que está a ser aplicada, que lhe dá garantia para investir o seu dinheiro num determinado setor. Outra questão é a necessidade da criação de um ambiente dos negócios capaz de motivar os empresários, bem como criar uma equipa capaz de fazer lobbyingpara vender a imagem positiva da Guiné-Bissau no exterior.

OD: Para além da instabilidade política, será que a falta de infraestruturas rodoviárias e de micro-barragens condicionam o investimento do setor privado?

RF: Exatamente, sobretudo a questão das rodovias, porque nota-se que até os nossos pequenos agricultores deparam-se com problemas de evacuação dos seus produtos. O objetivo final do empresário é evacuar os seus produtos, mas se está numa zona em que não estão  criadas as condições   para a  evacuação de produtos agrícolas para os  principais mercados do país é evidente que se  sentirá desmoralizado e acabará por abandonar aquela produção.

As próprias instituições têm que estar à altura e o INPA também têm que estar à altura de, quando um investidor quiser uma determinada variedade de semente, responder à necessidade deste investidor. O ministério de Agricultura também deve estar em condições de dar conselhos técnicos aos investidores, sobre como fazer uma ou outra cultura ou como produzir para ter mais rendimentos.

OD: O Senhor é um técnico superior do ministério de Agricultura, mas trabalhou vários anos como Coordenador do Programa do Fundo das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação na Guiné-Bissau. A FAO é um parceiro tradicional do governo. Acha que o país poderia beneficiar mais com esta organização na execução de grandes programas agrícolas, para além de apoios pontuais do fundo?

RF: Penso que sim, porque a FAO é a parceira incontornável do setor agrário da Guiné-Bissau. Penso que a Guiné-Bissau poderia aproveitar mais da FAO, porque a FAO tem um leque enorme de temas que trabalha. É uma organização que tem vários técnicos em todos os domínios, é preciso apenas que a Guiné-Bissau seja um pouco mais “agressiva” para que possa aproximar-se da FAO. Porque é uma agência que também apoia na mobilização de recursos. Ela não é uma agência executora, apenas apoia na mobilização dos recursos.  

A FAO vai buscar fundos juntamente com o governo para serem aplicados no país, então é aí que a Guiné-Bissau devia aproximar-se mais da FAO e, quiçá, talvez fazer um programa conjunto de mobilização dos recursos. É por isso que defendo que o ministério de Agricultura tem  de estar à altura e capaz de dar respostas, porque não é a FAO que vai produzir fichas do projeto para o governo, mas tem que ser o ministério da Agricultura a propor ações que conjuntamente possam ser realizadas com a FAO.

Evidentemente, como a FAO tem enorme capacidade de mobilizar recursos, através dos parceiros internacionais que tem e ao mesmo tempo ver o que é possível fazer com a Guiné-Bissau no que concerne ao investimento no setor agrícola. Penso que nós temos que apresentar propostas ou ações concretas a FAO e juntamente ver como fazer a mobilização.

OD: A crise sanitária provocada pela pandemia da Covid-19 limitou a capacidade dos doadores internacionais que financiavam o funcionamento da maioria dos projetos ligados à agricultura, por exemplo, a PEASA, PRESAR e entre outros. Na sua opinião, a FAO pode ocupar essas lacunas para redinamizar os projetos e já que o governo sempre tem dificuldades de avançar com alguma comparticipação para o seu funcionamento…  

RF: Sei que os projetos que estão no terreno ainda continuam a funcionar. PRESAR e PEASA já acabaram, mas temos agora o PDCV, PADEC e o PASA que praticamente estão a finalizar. Esses projetos estão a funcionar, apesar de toda a preocupação em termos da pandemia de coronavírus. O que sei é que há um programa urgência financiado pelo Banco Mundial, precisamente para mitigar os efeitos prejudiciais da pandemia da Covid-19.

Parece que ronda uns dez milhões de dólares norte-americanos. Há um projeto de urgência do Banco Mundial, inclusive terá sido a FAO a intermediária, para apoio à agricultura face à pandemia da coronavírus. Eu sei que também houve negociações com o Banco Oeste Africano de Desenvolvimento (BOAD) para o financiamento de um programa de urgência face à pandemia, mas não tenho informações exatas sobre o assunto. Acho que, mesmo com as condições da pandemia da Covid-19 e agora com este problema de inundações, nós temos que apresentar programas concretos e bem elaborados para que os doadores e a FAO e outros parceiros possam apoiar a Guiné-Bissau.   

OD: Há quem defenda que a Guiné-Bissau não tem uma política agrária consistente capaz de atrair investimento estrangeiro?

RF: A Guiné-Bissau tem, sim, uma política agrária. A carta da política agrária foi atualizada em 2002. O que se poderá fazer nos próximos tempos é a revisão dessa carta. O Programa Nacional de Investimento Agrário (PNIA) baseou-se, exatamente, na carta da política agrária, portanto não vejo a necessidade de afirmar que o país não tem uma política agrária capaz de atrair investimento estrangeiro. Existe, sim, política agrária. Talvez o contexto atual da Guiné-Bissau seja o maior estrangulamento desses investimentos.  

OD: Podemos falar dos principais eixos dessa carta da política agrária?

RF: Existem quatro objetivos principais: primeiro garantir a segurança alimentar e nutricional da população, o segundo eixo tem a ver com a preservação dos recursos agro-silvo pastoris,todos os recursos naturais. O terceiro objetivo é a melhoria da condição da vida da população e o quarto eixo tem a ver com o apostar na diversificação da exportação agrícola, porque continuam a ser temas de atualidade.

O país ainda pode debater para que esses eixos possam ser atingidos. Porque para garantir a segurança alimentar, melhorar a condição da vida da população e diversificar a exportação agrícola, o país terá que preservar os seus recursos e ter uma agricultura sustentável. Para mim, o grande desafio agora é aplicar, efetivamente, essa política e todos outros instrumentos que se derivaram dela, nomeadamente: a PNIA, um programa que o governo da Guiné-Bissau trabalha neste momento.       

OD: A agricultura guineense é altamente tradicional e arcaica. Escava-se a terra com pequenos utensílios para preparar o solo. Experts nacionais defendem um investimento pesado para transformar a agricultura numa verdadeira alavanca para impulsionar a economia nacional. Comunga desta ideia? Que tipo de investimento deveria ser feito e em que área começaria ou aplicaria mais investimento para revolucionar o setor?

RF: Isso dependerá do tipo de investimento, mas com a atual agricultura manual não vamos avançar para lado nenhum. Para revolucionar o setor agrícola, será necessário apostar na agricultura mecanizada com máquinas que se adequem a cada tipo de solo, zona ou sítio, não vir com tratores, máquinas pesadas ou similares, porque, às vezes, destroem o ecossistema. Ou seja, mediante o ecossistema ver que tipos de máquinas podem ser utilizadas e trabalhar mais e mais com os métodos de conservação da água, não apenas com tratores. Porque trabalhando com esses métodos poderemos ter duas colheitas anuais.

Temos zonas de cultivo de arroz que, a partir de dezembro, começam a secar. Aplicando os métodos de conservação da água podemos, não só ter duas colheitas anuais como também aumentar a nossa produção, garantir a sustentabilidade alimentar e evitar que a população enfrente a fome. Podemos, sim, utilizar pequenos tratadores, pequenas moto cultivadoras. Mas onde investir? A grande questão é essa. É verdade que temos a região de Bafatá que tem pequenas zonas bastante ricas, onde se pode utilizar o sistema de irrigação, se o país tivesse utilizado os métodos de conservação da água. Mas temos um problema, o Rio Geba está a assorear, daí a necessidade de acompanharmos todo o processo ligado à dragagem do Rio Geba, porque é um dos grandes rios e que inunda praticamente todas as outras nossas bolanhas.

Mas porque não pensar também que talvez todas essas inundações possam derivar-se da falta da drenagem do Rio Geba? Porque como o rio está assoreado, a água transborda e vai para as bolanhas que estão à volta.  Na zona sul, por exemplo, com solo mais mole, não se pode utilizar tratores ou máquinas pesadas para praticar a agricultura. Aliás, a proteção dos mangais que fazem parte do sistema ecológico das bolanhas locais surge como um dos elementos que condiciona a utilização de tratores e máquinas pesadas de agricultura naquela zona.

OD: A floresta da Guiné-Bissau foi duramente atacada no passado e ainda hoje registam-se cortes de árvores em algumas regiões do país. Que medidas devem ser implementadas para a conservação e gestão da floresta nacional?

RF: A questão das nossas florestas é extremamente delicada de ponto de vista de recursos, o fato de este ano registarmos muita floresta degradada provocou também arrasto de grande volume de águas pluviais que vinham das zonas mais altas e que desceram diretamente para as bolanhas. As árvores, para além de dar a fotossíntese e melhorar a questão da natureza, algumas têm raízes que protegem o solo, quando se cortam extensões de florestas, a ação destes cortes vai arrastar toda a areia do planalto para a parte mais baixa, as bolanhas. Com o corte das árvores, a temperatura aumentou, o que resultou também na grande intensidade das chuvas neste ano.

O que se pode fazer neste momento é explorar, de forma racional, as nossas florestas, não atacá-las de forma abusiva e sem controlo, sobretudo as árvores que podem render, economicamente, muito dinheiro ao país. Ou seja, temos que ter o hábito de reflorestar quando cortamos as árvores, definir uma política de reflorestação que deve ser remetida às empresas exploradoras e obrigá-las a fazer a repovoação da floresta. Também é urgente fazer um inventário florestal para descobrir quantas espécies ainda existem e as quantidades que temos em toda a extensão territorial.

Estamos a explorar as nossas matas sem ter em conta do potencial que temos. Fala-se em três milhões de hectares de florestas, mas na verdade não temos a noção do potencial das florestas que temos e o que já foi degradado. Outra iniciativa que não deve ser esquecida são as campanhas anuais de reflorestação que devem ser contínuas e ver que medidas técnicas devem ser aplicadas, as ações que as projetam para garantir que não sequem, em suma, melhorar o crescimento dessas árvores, não plantá-las apenas para plantar e depois virar as costas.

Temos que apostar nas espécies de árvores que são boas para a produção do carvão natural, as existências florestais que podem ser boas para as lenhas, bem como as que podem ser aproveitadas ou que tenham importância económica como: Pau Sangue, Pau Conta e o Cibe.

Relativamente a ultima espécie, o Cibe, não tem havido nenhuma ação ou campanha, salvo ações pontuais de algumas ONG´s, de repovoamento de Cibes na Guiné-Bissau. A direção-geral das florestas tem planos diretores e leis… Que devem ser aplicados. São essas ações que devemos ter em conta, não esquecendo sempre que é urgente fazer um inventário florestal. Acarreta muitos custos financeiros, é verdade, mas vamos ter benefícios. Porque o inventário que temos, salvo erro, deve ser dos anos oitenta.

OD: O maior problema do agricultor guineense é o fato de depender da monocultura (cajú e arroz), não obstante o solo guineense oferecer condições para diversificar a agricultura. O que aconselharia aos agricultores, sobretudo os que foram afetados pelas inundações?

RF: O caju e o arroz são bons, mas devemos apostar numa diversificação bem séria, o que passa por apostar também em outras culturas como a batata doce, que pode ser produzida no país e exportada para os países vizinhos como tem acontecido ultimamente, apostar na produção de hortaliças, frutas e em gergelim (benô), que apareceu ultimamente e tem sido procurado e ganhou o seu espaço no mercado. Podemos produzir muitas coisas, se identificarmos bem os períodos em que os diferentes produtos podem ser plantados ou cultivados. É evidente que um país como o nosso, com certos problemas do desenvolvimento agrícola, não podemos competir ou concorrer com grandes países, mas podemos identificar períodos em que os nossos produtos podem ter valor no mercado.

OD: Que papel o governo podia jogar para influenciar os agricultores a diversificarem as suas produções?

RF: Primeiro ter informações dos produtos noutros mercados. Temos um vasto mercado sub-regional e regional, portanto é preciso apostar muito no mercado da sub-região e na região africana. É exatamente o que devemos fazer. Só depois é que poderemos sonhar com os mercados europeus. Limitar um pouco a produção de pomares de cajueiros, promover mais as campanhas de vulgarização agrícola de outros produtos, mostrando aos agricultores as vantagens que podem ter se produzirem um determinado produto em detrimento do caju, mas isso requer conhecer bem o mercado e ter as informações necessárias.

Foi o que se fez com o caju e o seu valor económico no mercado internacional. Portanto, devemos elaborar programas agrários para permitir o desenvolvimento da agricultura e implementar todos os instrumentos que o Ministério da Agricultura tem relativamente ao setor.

Por: Assana Sambú/Filomeno Sambú

Conosaba/odemocratagb

Sem comentários:

Enviar um comentário