quarta-feira, 17 de julho de 2024

Guiné-Bissau: "Sem presidenciais estamos perante um golpe de Estado palaciano", diz o activista e jurista guineense Fodé Mané

Palácio da Presidência da Guiné-Bissau. RFI/Liliana Henriques

O Presidente da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló, anunciou por decreto presidencial a marcação de eleições legislativas antecipadas para 24 de Novembro, apesar da falta de consenso com as diferentes forças políticas que defendem, nomeadamente, a realização de eleições presidenciais. Em entrevista à RFI, o activista e jurista guineense Fodé Mané, considera que se não forem realizadas eleições presidenciais ainda este ano o país estará face a um golpe de Estado palaciano.

O chefe de Estado guineense ouviu nesta terça-feira os partidos com assento parlamentar e, apesar da falta de consenso entre as forças políticas, Umaro Sissoco Embaló anunciou por decreto presidencial a marcação de eleições legislativas antecipadas para 24 de Novembro. Considera ter sido a decisão correcta?

Eu não entendo que o chefe de Estado tenha ouvido os partidos porque, desde dia nove deste mês, Umaro Sissoco Embaló já tinha anunciado que pretendia marcar eleições legislativas, em vez das eleições presidenciais, para o dia 24 de Novembro. Um dos representantes dos partidos [que esteve reunido com o Presidente] referiu que, inicialmente, a reunião devia ter durado cinco minutos, mas o encontro nem chegou a três minutos. Disse que era um facto consumado que ia marcar eleições legislativas no dia 24 Novembro.

O nosso sistema prevê diálogos de conversa entre diferentes entidades. Por isso, estabelece órgãos de encontros, como o conselho de Estado, as comissões permanentes, dando essa possibilidade de ouvir e procurar consenso.

O que é que diz a lei guineense nesta matéria? O Presidente da República tem ou não poder para marcar eleições legislativas?

Tem poderes em termos formais. Agora, é preciso perceber em que condições são marcadas. As eleições legislativas envolvem os partidos políticos e depois o nosso legislador pensou em eleições antecipadas e eleições de fim do mandato dos deputados. Quando são antecipadas, registam-se certos requisitos para a dissolução do Parlamento ou para a demissão do Governo, o que não se verificou. Significa que, já à partida, a lei foi violada. Depois, quando são eleições antecipadas, devem ocorrer dentro de 90 dias e o Parlamento foi dissolvido no dia 4 de Dezembro de 2023. Vai-se fazer eleição, quase um ano depois, estamos novamente perante uma nova violação.

A coligação PAI- Terra Ranka, alguns membros do MADEM G15- e a APU PDGB pedem antes a marcação de eleições presidenciais este ano. O PRS e o PTG apoiam a decisão do chefe de Estado de marcar eleições legislativas. A coligação PAI-Terra Ranka defende que antes da marcação das presidências a prioridade deve ser a abertura da Assembleia Nacional para que possa ser eleita uma nova Comissão Nacional de Eleições e exigem ainda eleições no Supremo Tribunal. São estes os passos a adoptar?

É o que a lei prevê. Está prevista na nossa Constituição e na Lei eleitoral que a eleição presidencial deve ser realizada 90 dias antes do fim do mandato do presidente em exercício. Se considerarmos que Umaro Sissoco Embaló assumiu o poder no dia 27 de Fevereiro de 2020, isto significa que a 27 de Fevereiro de 2025 o seu mandato acabou e que no dia 28 já não é Presidente, a não ser que seja reeleito. Mas se se marcar a eleição depois de 27 de Novembro, já é fora da data, por isso é que a data prevista, vendo o calendário para a marcação, era precisamente 24 de Novembro de 2024. Se essas datas não forem respeitadas, estamos perante um golpe de Estado palaciano.

Como se explica esta relutância do Chefe de Estado em marcar as eleições presidenciais?

Basta vermos que, neste momento, a única instituição a funcionar no país chama-se Umaro Sissoco Embaló. A Assembleia Nacional não funciona, mesmo se em caso da dissolução, a Comissão Permanente e o serviço administrativo deviam estar a trabalhar. Neste momento está apenas a Guarda Nacional a impedir a entrada das pessoas.

Recentemente, o Supremo Tribunal deu um sinal muito importante de que está sob o controle de Sissoco Embaló. Na sexta passada, um juiz mandou libertar duas pessoas que tinham sido detidas há mais de seis meses sob caução e esse juiz foi demitido pelo vice-presidente que tomou de assalto o Supremo Tribunal. Não podemos falar de Estado de Direito. Umaro Sissoco Embaló pretende aprofundar este poder concentrado e marcar eleição neste ambiente de crispação. Os partidos não estarão em condições para defender a legalidade.

Qual é a margem dos partidos, face à decisão do Presidente Umaro Sissoco Embaló?

Os partidos não têm muita margem. Alguns partidos [ MADEMG-15 e APUPDGB] contribuíram para a redução desta margem, porque apoiaram soluções não democráticas, como o empossamento de Umaro Sissoco Embalóeaté a dissolução do Parlamento. Esses partidos também não têm muita vontade de se juntar às antigas reivindicações do PAI Terra Ranka, que apoiam o regresso à legalidade. Apesar da pouca margem, os partidos têm o amparo da sociedade civil. Surgiu recentemente uma frente popular, uma organização de cidadãos, que começou a questionar a desgovernação da Guiné-Bissau.

É pública a dependência que a Guiné-Bissau tem da comunidade internacional para realizar as eleições. Qual é a credibilidade do país para pedir novamente apoio financeiro à comunidade internacional?

Devemos dividir esta comunidade internacional. Se a Guiné-Bissau, nesta condição, decidir fazer eleição, Portugal e França vão financiar. A CEDEAO, nós sabemos que não é uma organização de povos, é uma organização de dirigentes. Então, um dirigente que pretende legitimar a sua posição, a CEDEAO vai apoiar. Não haverá questionamento da parte comunidade internacional e isso não será surpresa. Não se trata apenas da questão da realização da eleição, devia-se questionar a actuação das autoridades, os raptos, os espancamentos, as prisões. Se a comunidade internacional não questionar isso, então não vai questionar a eleição.

Qual é a melhor solução para que a Guiné regresse à legalidade?

Antes de apoiar o país, a comunidade internacional devia perguntar às autoridades porque é que querem realizar as eleições? Se vão respeitar o resultado? Se as eleições serão justas e transparentes? Quando houver respostas, a comunidade internacional ficará como guardião da transparência, deve-se encontrar um pacto, então vamos para as eleições gerais, presidenciais e legislativas para retomar a normalidade constitucional.

Eleições ainda este ano?

Se não for este ano estamos perante a violação da lei eleitoral.

E a comunidade internacional também deve ter esse papel?

Se considerarmos que a democracia é um valor universal, os direitos humanos são universais e que a violência não é boa, então a comunidade internacional tem legitimidade para exigir, impor, algumas regras de conduta aos actores políticos. Mas como a uma comunidade internacional, não digo todas as organizações, está muito interessada em que haja esta visível circulação de droga, de dinheiro em grande quantidade para lavagem, não temos esperança de que a comunidade internacional vai bater as mãos na mesa.

Está a referir-se à Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental- CEDEAO, à União Africana?

Não, a CEDEAO já é moribunda. A União Africana sim, porque por vezes dá sinais, mas tem um princípio que não intervém numa zona onde já está uma organização sub-regional.

A União Europeia tem fechado os olhos face aquilo que se passa na Guiné-Bissau?

Eu acho. Esta última representante que esteve cá foi uma das pessoas a defender a tese de que houve uma tentativa de golpe de Estado. Nós vimos a cumplicidade que tem com um Governo ilegal, mas todos os dias há anúncios de que a União Europeia vai financiar as acções Governo. As Nações Unidas financiam conferências, viagens e depois não há nenhum controle. Continuamos a acreditar na União Europeia, mas exigimos que seja mais ativos.

Conosaba/rfi.fr/pt/

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