A Representante do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (ONUDC) na Guiné-Bissau, Ana Cristina Andrade, afirmou que o combate ao tráfico de drogas na Guiné-Bissau enfrenta enormes desafios, que incluem a fragilidade institucional, a corrupção, a vulnerabilidade geográfica como rota de tráfico internacional, recursos limitados e as conexões com redes internacionais.
“Para enfrentar esses obstáculos, o ONUDC, em parceria com as autoridades nacionais e cooperação internacional, implementa diversas estratégias, como o fortalecimento das instituições nacionais através de assistência técnica, o combate à corrupção, promovendo medidas de integridade, a cooperação regional e internacional para fortalecer a resposta conjunta ao tráfico de drogas e o monitoramento e análise de dados para embasar políticas eficazes”, disse a representante na entrevista ao semanário O Democrata no âmbito da celebração do dia mundial contra as drogas, com o intuito de falar sobre o papel do seu escritório no combate a droga, sobretudo no concernente ao apoio concedidos aos países considerados frágeis como a Guiné-Bissau.
A cabo-verdiana que dirige o escritório do ONUDC, explicou que o aumento de tráfico de drogas no país está ligado a uma série fatores complexos, incluindo sua vulnerabilidade geográfica como rota de trânsito, fragilidades institucionais, corrupção, conexões com redes internacionais de crime organizado e condições socioeconómicas precárias que podem incentivar o envolvimento no tráfico.
O Democrata (OD): Dia Mundial contra as Drogas é assinalado a 26 de junho, na Guiné-Bissau. A efeméride foi marcada com uma conferência na qual foi apresentado o relatório mundial sobre as drogas. Sra. Representante, qual é o papel do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (ONUDC) e quais são seus principais objetivos?
Ana Cristina Andrade (ACA): No contexto do Dia Mundial contra as Drogas, assinalado a 26 de junho, o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (ONUDC) lidera a campanha mundial e o seupapel é promover e mobilizar os esforços internacionais coordenados para mais conscientização sobre o impacto que o problema das drogas ilícitas na sociedade como um todo e, especialmente, nos jovens pode causar. O objetivo da campanha é mobilizar o apoio e inspirar a população a atuar de forma integrada na construção de uma resposta ao problema das drogas.
O ONUDC incentiva a realização do maior número possível de atividades de conscientização a nível mundial e convida indivíduos, organizações sem fins lucrativos, o setor privado e os Estados Membros a participarem promovendo eventos institucionais ou atividades de divulgação para comemorar o dia 26 de junho, Dia Mundial contra as drogas; Disseminando a campanha em redes sociais e de contatos e usando o slogan e o logotipo da campanha em produtos promocionais, páginas de internet e mídias sociais; Também cooperando com as organizações não-governamentais locais para apoiar atividades de prevenção ao uso de drogas e tratamento de usuários com transtornos por uso de drogas.
OD: Sobre o relatório mundial sobre drogas lançado 26 de junho, que novidade apresenta?
ACA: Anualmente, o ONUDC lança o relatório mundial sobre as drogas por ocasião do dia Mundial contra as drogas, 26 de junho. O Relatório Mundial sobre Drogas, mostra os principais dados e análises de tendências sobre a produção, o tráfico e o consumo de drogas ilícitas a nível mundial.
Os dados são compilados pelo ONUDC a partir de questionários enviados aos países-membros e compõem um documento de referência para guiar as políticas globais sobre drogas. De acordo com o relatório de 2024, o surgimento de novos opioides sintéticos e um recorde de oferta e demanda de outras drogas tem agravado os impactos do problema mundial das drogas, levando a um aumento nos distúrbios por uso de drogas e danos ambientais.
O número de usuários de drogas aumentou para 292 milhões em 2022, um aumento de 20% em 10 anos. A cannabis continua a ser a droga mais consumida mundialmente (228 milhões de consumidores), seguida dos opiáceos (60 milhões de consumidores), das anfetaminas (30 milhões de consumidores), da cocaína (23 milhões de consumidores) e do ecstasy (20 milhões de consumidores).
Os jovens constituem um risco elevado, e o mercado de drogas ilícitas tem como alvo específico os jovens para que se envolvam em novas tendências e métodos de consumo de drogas.
OD: De que forma a ONUDC está a colaborar com as autoridades nacionais e outros parceiros internacionais para combater o tráfico de drogas na Guiné-Bissau, em alinhamento com o lema deste ano, “A Evidência é Clara: investir na Prevenção”?
ACA: A ONUDC continua profundamente engajada com a Guiné-Bissau no sentido de trabalhar em colaboração estreita com as autoridades nacionais e parceiros internacionais para combater o tráfico de drogas, dando um atenção especial à prevenção, onde a aposta deverá ser sempre maior alinhando-se ao lema deste ano, “A Evidência é Clara: investir na Prevenção”. Esse trabalho devera traduzir um esforço de todos os atores e segmentos da sociedade guineense. Todos deverão ter um papel na prevenção e combate às drogas.
O ONUDC continuará a reforçar as capacidades das instituições nacionais que trabalham em todas áreas de intervenção: Saúde, Justiça e Segurança visando prevenir e combater os tráficos ilícitos e crime organizado.
Por exemplo o trabalho com o Observatório Guineense da Droga e da Toxicodependência (OGDT) tem sido de extrema relevância em matéria de sensibilização e prevenção. O objetivo é continuar a reforçar as capacidades do Observatório para fazer o seu trabalho de pesquisa e coleta de dados, que são importante para orientar intervenções nesse domínio.
OD: Quais são os maiores desafios enfrentados no combate ao tráfico de drogas na Guiné-Bissau e como o ONUDC está a lidar com esses desafios?
ACA: Na Guiné-Bissau, o combate ao tráfico de drogas enfrenta desafios significativos, incluindo a fragilidade institucional, a corrupção, a vulnerabilidade geográfica como rota de tráfico internacional, recursos limitados e as conexões com redes internacionais.
Para enfrentar esses obstáculos, o ONUDC em parceria com as autoridades nacionais e cooperação internacional implementa diversas estratégias, como o fortalecimento das instituições nacionais através de assistência técnica, o combate à corrupção, promovendo medidas de integridade, a cooperação regional e internacional para fortalecer a resposta conjunta ao tráfico de drogas e o monitoramento e análise de dados para embasar políticas eficazes. Essas ações demonstram o compromisso do ONUDC em apoiar a Guiné-Bissau na luta contra o tráfico de drogas, abordando de maneira integrada os desafios específicos que o país enfrenta nessa área crucial.
OD: Fala-se publicamente de aumento do tráfico de drogas. De acordo com os vossos dados, quais são os fatores que contribuem para o aumento ou a prevalência do tráfico de drogas na Guiné-Bissau e como a prevenção pode ajudar a mitigar esses fatores?
ACA: O aumento do tráfico de drogas na Guiné-Bissau está ligado a uma série de fatores complexos, incluindo sua vulnerabilidade geográfica como rota de trânsito, fragilidades institucionais, corrupção, conexões com redes internacionais de crime organizado e condições socioeconómicas precárias que podem incentivar o envolvimento no tráfico. Para mitigar esses desafios, a prevenção desempenha um papel crucial.
Através de programas educativos e de consciencialização, a população é informada sobre os riscos do uso de drogas e os danos causados pelo tráfico, desencorajando o envolvimento com substâncias ilícitas.
O fortalecimento das instituições nacionais, como os órgãos de polícia criminal e o sistema judicial, é essencial para melhorar a capacidade de aplicação da lei e reduzir a corrupção. A cooperação internacional, facilitada por organizações como a UNODC, é fundamental para combater o tráfico de drogas transnacionalmente, através de partilha de informações e da implementação de estratégias conjuntas.
Ao integrar essas abordagens, a prevenção não apenas ajuda a mitigar o aumento do tráfico de drogas na Guiné-Bissau, mas também fortalece a resiliência da sociedade contra essa ameaça persistente.
OD: Quais são as estratégias de prevenção e combate às drogas que têm se mostrado mais eficazes na região, de acordo com as evidências disponíveis?
ACA: Com base nas evidências disponíveis, várias estratégias têm se mostrado eficazes no combate ao tráfico de drogas na região, designadamente:
Fortalecimento das instituições nacionais, como órgãos da polícia criminal e o sistema judicial, são cruciais, incluindo a formação contínua e melhorias na infraestrutura. Estratégias integradas que combinam segurança com desenvolvimento económico e social têm impacto positivo, oferecendo alternativas ao envolvimento com drogas ilícitas, como emprego digno e acesso a serviços básicos.
A cooperação regional e internacional é essencial para combater o tráfico de drogas de forma coordenada, envolvendo a partilha de informações e operações conjuntas.
Programas de prevenção que educam sobre os riscos do uso de drogas, promovem estilos de vida saudáveis e incentivam a participação cívica, são fundamentais para reduzir a demanda por drogas ilícitas.
Medidas que promovem a integridade dentro das instituições governamentais, como o combate à corrupção e o fortalecimento da governação, aumentam a eficácia das políticas antidrogas.
O monitoramento regular e a análise de dados ajudam a avaliar o impacto das estratégias implementadas, permitindo ajustes para melhorar os resultados. Essas abordagens integradas adaptadas às realidades locais têm potencial para significativamente reduzir o tráfico de drogas e seus efeitos prejudiciais na região.
OD: Como a comunidade internacional pode apoiar os esforços do país para combater o tráfico de drogas de forma mais eficaz?
ACA: A comunidade internacional pode prosseguir com o apoio aos esforços da Guiné-Bissau para combater o tráfico de drogas de várias maneiras eficazes, através de reforço das capacidades das instituições, reforço das capacidades dos vários intervenientes que trabalham nesta área temáticas e ter sobretudo uma atuação com base em análise científica e evidencias. Neste sentido, é fundamental a promoção e reforço da cooperação internacional.
OD: Quais são as principais drogas traficadas na sub-região e qual é a extensão desse tráfico?
ACA: Na sub-região da África Ocidental, incluindo países como a Guiné-Bissau, as principais drogas traficadas são geralmente cocaína e cannabis (Iamba). A extensão desse tráfico varia ao longo do tempo e é influenciada por diversos fatores, incluindo as rotas internacionais de tráfico de drogas, as estratégias de combate ao narcotráfico adotadas pelos países da região, e as dinâmicas económicas e políticas locais.
Esta região serve como uma rota para o trânsito de cocaína da América do Sul, especialmente da Colômbia, Peru e Bolívia, em direção ao mercado europeu. A extensão desse tráfico é alimentada pela vulnerabilidade geográfica da região, suas extensas fronteiras marítimas e terrestres, além das instabilidades políticas e institucionais que facilitam as atividades das redes criminosas internacionais.
As rotas de tráfico geralmente envolvem o transporte marítimo de grandes quantidades de cocaína através do Oceano Atlântico até portos na África Ocidental. A partir daí, a droga é redistribuída para outras partes da África ou enviada para a Europa através de países de trânsito. Essa operação é complexa e envolve múltiplos atores, desde traficantes locais até organizações criminosas internacionais sofisticadas.
No caso particular da Guiné-Bissau, além das tradicionais drogas como cocaína e cannabis, há um crescimento significativo no mercado de drogas sintéticas, como o MDMA (ecstasy). Essas drogas sintéticas são produzidas em laboratórios clandestinos e têm ganhado popularidade devido aos seus efeitos psicoativos e recreativos.
OD: Quais são as estratégias ou medidas que devem ser tomadas pelas autoridades nacionais para combater o tráfico de drogas?
ACA: Para combater eficazmente o tráfico de drogas, as autoridades nacionais devem prosseguir com uma abordagem integrada e coordenada. Isso inclui fortalecer as capacidades das instituições de prevenção, saúde, segurança e do sistema judicial.
A Cooperação internacional e regional é fundamental, permitindo a troca de informações e ações conjuntas contra o tráfico transnacional. A aplicação rigorosa das leis, com investigações robustas e punições efetivas, é essencial para dissuadir e desmantelar operações criminosas.
Paralelamente, combater a corrupção dentro das instituições públicas, são passos críticos.
OD: Como o tráfico de drogas na sub-região se relaciona com questões como violência, corrupção e tráfico humano?
ACA: A circulação ilícita de drogas frequentemente intensifica a violência, seja por disputas territoriais entre grupos criminosos ou pelo aumento da criminalidade local. Além disso, o influxo de dinheiro do tráfico pode corromper instituições públicas e indivíduos, comprometendo a governação e minando esforços de aplicação da lei.
O tráfico de drogas também pode estar associado ao tráfico de pessoas, aproveitando as mesmas redes e rotas para explorar indivíduos vulneráveis. A instabilidade resultante da atividade do narcotráfico pode enfraquecer ainda mais as instituições e aumentar a fragilidade institucional, perpetuando um ciclo de vulnerabilidade e crime organizado.
Para abordar esses desafios de maneira eficaz, é crucial adotar uma estratégia integrada que fortaleça tanto a segurança e as capacidades de aplicação da lei, combater a corrupção sistêmica, implementar programas de prevenção ao tráfico humano e promover o desenvolvimento sustentável que ofereça alternativas legítimas ao envolvimento com o crime.
OD: Existem programas de prevenção e consciencialização em curso para lidar com a problemática do tráfico de drogas?
ACA: Sim, existem programas para prevenção e consciencialização sobre o tráfico de drogas, inclusive implementadas pelo Observatório Guineense da Droga e da Toxicodependência (OGDT). Estes programas incluem diversas iniciativas direcionadas à educação e consciencialização pública, especialmente focadas em comunidades e grupos de jovens.
Esses programas são essenciais para enfrentar os desafios complexos associados ao tráfico de drogas, oferecendo não apenas informações educativas, mas também construindo resiliência comunitária e promovendo alternativas positivas ao envolvimento com substâncias ilícitas.
Por: Assana Sambú
Conosaba/odemocratagb
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