Trabalhar no lixo, como uma profissão, tem os seus riscos, sobretudo as que as pessoas que lidam diariamente com resíduos estão sujeitas, desde contactos e exposição a resíduos químicos, lixo orgânico contaminado, lixo hospitalar, riscos de acidentes e contactos com animais vetores de doenças infectocontagiosas. Um médico de medicina tropical explicou que os catadores de lixos são vulneráveis a cancro de pulmões, dado que lidam com todo o tipo de lixos, particularmente hospitalar.
As pessoas que lidam com os materiais recicláveis sofrem uma série de problemas, correm riscos de serem contaminadas por alguma doença, vivem na linha da pobreza extrema, são discriminadas, são alvos de violência nas ruas e o risco de esforço físico é de 92%, enquanto o lixo tem sido principal fonte de renda de muitas famílias.
O semanário o jornal o Democrata ouviu várias opiniões dediferentes personalidades ligadas à problemática da gestão de lixos e os riscos de contaminação graves que os catadores enfrentam como também as consequências que o lixo pode trazer para o ambiente e a saúde humana e animal.
GOVERNO DEVE AJUDAR A CÂMARA MUNICIPAL DE BISSAU A TER UM ATERRO SANITÁRIO
Interpelado pela repórter de O Democrata, o responsável do saneamento da Câmara Municipal de Bissau (CMB), Homena Abinande Ferreira, assegurou que o governo deve ajudar a Câmara Municipal de Bissau para encontrar uma solução sobre a gestão de lixo, porque “o vazadouro de Safim era previsto para ser um aterro sanitário, mas que acabou por se transformar num vazadouro a céu aberto”.
Afirmou que a CMB não está em condições de construir um aterro sanitário e como alternativa estão em curso os trabalhos de limpeza no vazadouro para poderem organizar melhor o lixo, minimizando grandes danos que poderão afetar futuramente os moradores e pessoas que lidam com o lixo.
Homena Abinande Ferreira disse que a Câmara Municipal de Bissau enquanto entidade gestora de lixo, em 2016 fez um recenseamento de todos os catadores de lixo e foram fornecidos materiais de proteção para poderem exercer as suas funções sem grandes riscos, mas infelizmente o projeto acabou e não tem a sua continuidade, mas “pretendemos reativá-lo”.
Revelou que a Organização Mundial de Saúde (OMS) forneceu recentemente materiais de proteção à CMB e uma parte desses materiais será entregue aos catadores de lixo de vazadouro de Safim e de quando em vez fornecemos materiais e equipamentos de proteção aos catadores de lixo, sobretudo nesta época chuvosa, tendo assinalado que o vazadouro de Safim tem um impacto negativo para a população e para o ambiente.
O responsável pela gestão de lixo aconselhou a população a evitar deitar lixo nas valetas, mas sim cuidar do lixo que passa e levá-lo para o lugar adequado.
Homena Ferreira disse que a CMB tem uma política de gestão de lixo, que muitas vezes foi implementada através de campeonato de limpeza entre os bairros de Bissau com a participação de trinta bairros, campanhas de sensibilização nos diferentes órgãos de comunicação social, entre outros.
MÉDICO DE SAÚDE TROPICAL ALERTA QUE CATADORES DE LIXO SÃO VULNERÁVEIS A CANCRO DE PULMÕES
O médico de saúde tropical Abdalaha Umaro Candé, alertou que o lixo causa a poluição ambiental e as pessoas que vivem de lixo correm sérios riscos de contaminação com doenças contagiosas, bacterianas e respiratórias, por causa de vários tipos de lixos que manipulam como lixos hospitalares, industriais, domiciliares e com muita probabilidade de contrairem a tuberculose e o cancro de pulmões.
Criticou que não existe no país uma política nacional de gestão de resíduos. Na capital, o vazadouro primário está nas principais vias públicas e nas avenidas, razão pela qual a população residente na capital Bissau está toda contaminada, porque “não existem lugares adequados para deitar lixos no meio das comunidades”.
Para evitar que as pessoas tenham o acesso ao lixo, as entidades responsáveis, sobretudo a Câmara Municipal de Bissau, devem implementar a política de reciclagem de lixo, criando condições para que haja a separação dos lixos, nomeadamente lugar de aterro, de incineração, que pode ser aproveitado para a combustível, entre outras vantagens que o país pode ganhar com a política de reciclagem de lixo.
A contaminação por causa de lixo pode levar a complicações graves que podem acontecer a longo prazo, por falta de meios de diagnóstico a nível das estruturas sanitárias do país. Defendeu, neste particular, que o Estado deve criar as condições para evitar que as pessoas estejam em contato permanente com o lixo.
Reconheceu que CMB não tem ainda uma política de gestão de resíduos e de controlo de vazadouro de lixo de Safim, por isso apelou à entidade competente, neste caso a Câmara Municipal de Bissau, através do departamento de saneamento básico, a elaborar uma política de gestão de lixo e envolver todas as autoridades que possam ajudar nesse sentido, onde cada uma pode dar a sua contribuição na gestão de lixo.
GOVERNO RECONHECE QUE O VAZADOURO DE SAFIM ESTÁ FORA DO CONTROLO DAS AUTORIDADES
Contactado para falar da situação do lixo e do vazadouro do setor Safim, o diretor geral do Ambiente, João Lona Ntchedna, sublinhou que o vazadouro de lixo de Safim está fora do controlo das autoridades, porque está localizado perto do braço de rio, de modo que acumula muito lixo e sem um tratamento condigno vai criar problemas ambientais e de saúde humana e animal.
“O problema de lixo faz parte de três eixos principais do ambiente, porque a população está aumentar cada vez e a entidade responsável pela gestão de lixo está com falta de meios materiais e humanos suficientes para enfrentar os desafios de lixo no país como também um espaço para deitar o lixo”, afirmou e disse que o governo está consciente de problemas que o vazadouro pode trazer para a população, por isso está em contato com os parceiros no sentido de poder ter uma gestão e o controlo total de lixo.
“Hoje em dia no mundo, o lixo trás muitos benefícios para o país, porque pode gerar empregos, reduzir a pobreza da população e ser transformado em energia”, indicou, lembrando que o Ministério do Ambiente tem uma política nacional de gestão de lixo, através do centro de resíduos e produtos químicos, onde já formaram técnicos que vão cuidar e tratar o lixo devidamente.
“Estamos a trabalhar para uma saúde única”, afirmou, sustentando que o vazadouro de Safim não é uma gestão sustentável, porque ninguém consegue fazer a seleção de lixo.Todas as entidades levam os seus lixos para o vazadouro e as pessoas que vivem de lixo, sobretudo as crianças, muitas vezes podem deparar-se com certos lixos que são fonte de contaminações, devido à fragilidade dos seus organismos.
Anunciou que o governo pretende criar um vazadouro seguro, porque o vazadouro de Safim está a céu aberto sem controlo e muitas vezes, quando o lixo é queimado, o fumo faz a poluição ambiental e humana, onde o lixo infiltra na água do mar e os animais que vivem lá são contaminados e quando forem comidos pelos humanos, estes também ficam contaminados.
Defendeu que há toda a necessidade de as pessoas prestarem muita atenção na questão do lixo, tendo apelado a todas as entidades para criarem sinergias institucionais, incluindo o setor privado e lutar contra o lixo, porque “o país deve evoluir na questão de tratamento de lixo, organizar melhor e saber como aproveitar o lixo”.
Disse ainda que o governo sozinho não vai conseguir fazer face à questão do lixo, mas com ajuda dos parceiros com maiores capacidades na gestão do lixo, neste caso, o Gana, para construir uma fábrica de tratamento de lixo no país.
ACOBES CRITICA AS AUTORIDADES E DIZ QUE A PROBLEMÁTICA DE LIXO É UMA POBREZA ABSOLUTA
O secretário-geral da Associação de Defesa de Consumidores e Serviços (ACOBES), Bambo Sanhá, disse que os materiais, sobretudo as garrafas que os catadores vendem, apresentam riscos de contaminação para a população porque não são lavadas devidamente e muitas pessoas compram-nas assim e as utilizam sem contar com as consequências para a saúde.
Os catadores de lixo correm grandes riscos de contaminação devido aos diferentes tipos de lixo que manipulam sem a mínima proteção e que isso ilustra uma “absoluta pobreza”, por isso esta questão deveria ter merecido uma atenção especial do Estado guineense para evitar que as pessoas tenham acesso ao espaço.
Defendeu que as autoridades competentes devem criar as condições de segurança, desencorajar as pessoas de utilizarem vazadouro, afirmando que muitas zonas ou bairros estão sem energia, porque as pessoas cortam os cabos transportadores de energia para extrair o cobre para comercializar.
Sublinhou que as entidades competentes devem criar um espaço distante da população, para evitar deitar lixo perto das habitações, com condições de segurança, promovendo um ambiente saudável para a população.
“As condições de tratamento de lixo devem ser melhoradas no país e a forma como o lixo é transportado para o vazadouro não tem segurança, porque acaba por cair nas vias públicas, porque os caminhões que o transportam não têm cobertura”, disse.
Bambo Sanhá fez referência também à situação de lixo nos principais mercados da capital, que criam um risco enorme para a saúde dos consumidores, sobretudo nas vias públicas, deixando um mau aspeto e cheiro onde os consumidores vão a procura de alimentos para o seu consumo, lembrando que não existe água canalizada nos mercados e a falta de casas de banho, “são situações desagradáveis e os alimentos estão sempre expostos à contaminação”.
Aconselhou a população em geral, a evitar comprar óleo vendido nas garrafas e que antes de comprar um produto ou alimento deve confirmar a qualidade desse produto.Igualmente para os comerciantes, para separarem os alimentos dos produtos químicos nas suas lojas e no momento de transportar os seus produtos devem ser cobertos por causa da chuva, evitar a umidade nos produtos.
CATADORES DE LIXO NO VAZADOURO DE SAFIM CLAMAM POR AJUDA DO ESTADO
A repórter do jornal O Democrata deslocou-se até ao vazadouro de Safim, onde constatou situações de contaminação graves, sobretudo para os catadores de lixo, crianças e adultos manipulam lixo com as mãos sem a mínima proteção depois entram em contacto com alimentos sem desinfetar as mãos.
Por exemplo, uma mãe de 27 anos de idade com três filhos, Nhima Mané, disse que resolveu recorrer ao vazadouro paraentrar no negócio da venda de comida para ajudar no sustento da família, facilitar a vida dos que trabalham no local, porque procurar comida na estrada principal dá muito trabalho e leva muito tempo e disse que vende sanduíches e água empacotadas.
Relatou que nesta época das chuvas passam muitas dificuldades no local e quando chove os adultos e as crianças ficam de pé até passar a chuva.
“Quando chove, dá muita pena, sobretudo das crianças”, lamentou e disse que algumas vezes recebem ajudas como máscaras por parte de uma organização ligada à saúde, mas antes trabalhavam sem máscaras nem luvas.
Aproveitou a ocasião para apelar ao governo, sobretudo ao Ministério da Saúde Pública e à Câmara Municipal de Bissau no sentido de apoiar os catadores de lixo com máscaras, luvas e desinfectantes.
Por sua vez, um dos catadores de lixo, Malam Mané, pai de três filhos, afirmou que já trabalha no vazadouro de lixo de Safim há dois anos e que escolheu essa vida por falta de emprego, por isso decidiu catar o lixo e posteriormente vender o que encontra como ferros, alumínios e sacos.
Disse que pretende construir uma barraca eficaz para se proteger da chuva e do sol e afirmou que nunca receberam apoio do governo, apenas em 2022 receberam de uma entidade religiosa apoios em géneros alimentícios como arroz e óleo.
Malam Mané disse que sentem-se abandonados pelo governo, que nunca zelou por eles por serem pobres e que ninguém se importa com eles.
“Muitos pais levam e incentivam os seus filhos a trabalharem no vazadouro para poder ajudar no sustento em casa. As crianças que estudam de manhã trabalham à tarde e os que estudam à tarde trabalham de manhã”, contou.
Durante a reportagem, o seminário O Democrata abordou uma criança de apenas 7 anos de idade de nome Aissatu Só que assegurou que trabalha para ajudar no sustento da família e pagar a escola, porque os pais não têm emprego.
“Dedico-me às vezes a recolha de ferros velhos ou alumínios e depois de vendê-los levo o dinheiro para os meus pais em casa”, relatou e disse que um quilo de ferro custa 125 Francos CFA e um quilo de alumínio custa 200 Francos CFA e no local há pessoas que compram estes objetos das mãos dos que vasculham lixos no vazadouro de Safim.
“A maior parte das pessoas que se dedicam a trabalhar como catadores de lixo são da nacionalidade guineense, moradores do Bairro Militar e de Safim, embora alguns tenham dificuldades em falar corretamente o crioulo”, sublinhou.
“Todas aquelas pessoas que trabalham como catadores de lixo estão sem nenhuma proteção, nomeadamente as máscaras, as luvas, a água para beber e lavar as mãos, sem desinfetantes, as botas, entre outros materiais. As pequenas barracas construídas nos arredores do vazadouro estão cheias de moscas e mau cheiro e quando alguém pretende comprar a comida ou beber água, manipula sem lavar as mãos”, denunciou.
Os compradores que pretendem ficar no anonimato explicaram que estão a exercer essa atividade já a dois anos no vazadouro de Safim, para ajudar no sustento da família e pagar as rendas.
“Ajudo a minha família aqui na capital e aqueles que vivem em Gabú”, afirmou.
Outra catadora de lixo de nome Quinta Ié contou que nunca recebeu ajuda do governo, sublinhou que, agarrou o trabalho de catar o lixo devido à doença do seu marido que há três anos não trabalha, para poder sustentar a família, comprar roupa, cuidar da saúde da família, entre outras responsabilidades.
Todos os catadores de lixo de vazadouro de Safim foram unânimes em dizer que quando os camiões demoram a vazar lixo ficam sem dinheiro para resolver outras necessidades.
Por: Noemi Nhanguan
Conosaba/odemocratagb
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