sábado, 6 de julho de 2024

Cimeira da Aliança dos Estados do Sahel esboça "nova ordem regional"

Ibrahim Traoré, chefe da junta militar do Burkina Faso, e Abdourahamane Tiani, chefe da junta militar do Níger. Niamey, 5 de Julho de 2024. AFP - -

Niamey acolhe, este sábado, a primeira cimeira da Aliança dos Estados do Sahel que reúne os líderes das juntas militares do Mali, do Burkina Faso e do Níger. O encontro simboliza a criação de uma "nova ordem regional", explica o professor de Relações Internacionais Osvaldo Mboco, lembrando que esta cimeira inédita acontece um dia antes da cimeira da CEDEAO, a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental, da qual os três países se retiraram.

É uma cimeira inédita, este sábado, que junta os três países em ruptura com a CEDEAO: o Mali, o Burkina Faso e o Níger. A Aliança dos Estados do Sahel (AES) foi criada no final de 2023 como uma organização regional concorrente da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental, da qual as juntas militares dos três países se retiraram em Janeiro de 2024.

É também a primeira vez que os três dirigentes que levaram a cabo golpes de Estado no Mali, no Burkina Faso e no Níger se encontram: o coronel Assimi Goïta, o capitão Ibrahim Traoré e o general Abdourahamane Tiani.

A AES quer implementar um novo quadro de cooperação militar e económica entre os seus estados-membros e, segundo a France Presse, estaria em debate um projecto de moeda comum e de confederação. Um projecto que tem como pano de fundo a ruptura com a CEDEAO, considerada demasiado próxima dos ocidentais, e uma aproximação com a Rússia.

A crise entre a CEDEAO e as juntas militares do Sahel começou, sobretudo, com o golpe de Estado que levou o general Tiani ao poder no Níger, em 26 de Julho de 2023. Confrontada com o novo golpe, a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental ameaçou intervir militarmente, antes de renunciar e aplicar um conjunto de sanções económicas. Do outro lado, os militares no poder em Niamey contaram com o apoio imediato das juntas militares do Burkina Faso e do Mali. Para mostrar que são um bloco importante e que não estão isolados, as três criaram a Aliança dos Estados do Sahel e retiraram-se da CEDEAO.

Por isso, este primeiro encontro, na véspera da cimeira da CEDEAO, simboliza a criação de uma "nova ordem regional", explica o professor de Relações Internacionais Osvaldo Mboco.

“A simbologia deste encontro é necessariamente passar uma ideia que está a surgir uma nova ordem regional, tendo em linha de atenção o clima de tensão existente entre esses países - onde os governos chegaram ao poder pela via do golpe de Estado - e a sua relação com a CEDEAO”, afirma Osvaldo Mboco, lembrando justamente que inicialmente “esses países foram suspensos” da organização e depois acabaram por se retirarem de forma unilateral.

“Há também um outro simbolismo que é fazer pressão ou resistência colectiva contra as pressões que vêm da CEDEAO. E há um outro simbolismo que é a solidariedade entre os governos militares. Ou seja, há um certo alinhamento militar. Do ponto de vista estratégico, sempre que for necessário esses Estados entenderem concertar questões político-militares contra aquilo que eles dizem que é o combate ao terrorismo que grassa a região da CEDEAO, mas também num eventual - como já houve no passado - pronunciamento da CEDEAO em fazer uma intervenção militar para repor a ordem constitucional que foi alterada”, acrescenta.

O facto de acontecer na véspera da reunião dos chefes de Estado e de Governo da CEDEAO é também altamente simbólico, sublinha Osvaldo Mboco: “Penso que a mensagem que a Aliança do Sahel pretende passar aos países da CEDEAO é que estão a reforçar os laços políticos e a mandar também uma mensagem de autossuficiência e independência face às críticas que vão existindo, quer a nível da CEDEAO e quer a nível da comunidade internacional.”

Terá a Aliança dos Estados do Sahel o poder para retirar outros estados-membros da CEDEAO? Osvaldo Mboco considera que esse cenário só seria plausível se a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental voltasse a ameaçar com intervenções militares em caso de novos golpes militares noutros países. Porém, acredita que a CEDEAO não voltará a fazer isso – como inicialmente ameaçou no Níger - e deverá “ter uma outra abordagem” que não passe pelas suspensões de países que vivam golpes porque o efeito gerado pode ser o contrário ao desejado.

Este domingo, a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) escolhe o seu líder para o próximo ano, numa cimeira em que o Presidente nigeriano, Bola Tinubu, procura um segundo mandato e o Sahel dominará as discussões.

A presidência da organização sub-regional é normalmente rotativa, mas Bola Tinubu - que sucedeu ao Presidente da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló, em Julho de 2023 - deverá procurar um segundo mandato, de acordo com a agência Lusa.

Duas semanas após o seu início do seu mandato, em 9 de Julho de 2023, Bola Tinubu enfrentou o primeiro teste quando os militares do Níger, liderados por Tiani, derrubaram o Presidente democraticamente eleito, Mohamed Bazoum. O Presidente nigeriano, que prometia estancar os golpes de Estado no seio da CEDEAO, impôs sanções, encerramento de fronteiras e restrições comerciais e foi ainda mais longe ao ameaçar invadir o Níger, caso a junta militar não libertasse o Presidente Bazoum. Isto levou a que o Mali, Burkina Faso e Níger anunciassem o abandono da organização e constituíssem a AES, ao mesmo tempo que expulsaram as forças francesas e americanas do Níger, como o que aconteceu no Mali e Burkina Faso. Por outro lado, aproximaram-se ao nível diplomático e da Defesa da Rússia, Irão, China ou Turquia.

Entretanto, a 26 de Junho, os ministros da Defesa da CEDEAO propuseram um plano para a constituição de uma "força de reserva" de 5.000 homens para combater o agravamento da crise de segurança na região. O plano deverá ser discutido este domingo pelos chefes de Estado.

Por: Carina Branco
Conosaba/rfi.fr/pt

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