O número dois do grupo militante, Saleh al-Arouri, foi morto nesta treça-feira, 2 de Dezembro, num ataque em Beirute, no Líbano. © AFP / Hamas Media Office
A ONU apelou esta quarta-feira, 3 de Janeiro, à "máxima contenção" de todas as partes, depois de o Hamas ter confirmado a morte do número dois do grupo militante, Saleh al-Arouri, num ataque em Beirute, no Líbano. Em entrevista à RFI, José Pedro Teixeira Fernandes, investigador do Instituto Português de Relações Internacionais, considera que esta morte representa uma baixa pesada para o Hamas.
O primeiro-ministro do Governo da Autoridade Nacional Palestiniana, Mohamed Shtayeh, condenou "o assassínio" e acusou implicitamente Israel, apesar das autoridades não terem reivindicado a autoria do ataque. Em entrevista à RFI, José Pedro Teixeira Fernandes, investigador do Instituto Português de Relações Internacionais, considera que esta morte representa uma baixa pesada para o Hamas.
RFI: O que representa para o Hamas a morte do número dois do grupo militante, Saleh al-Arouri?
José Pedro Teixeira Fernandes, investigador do Instituto Português de Relações Internacionais: Penso que se trata de uma perda importante, até pelo grau que esta morte tem na hierarquia do Hamas. Há todo um lado simbólico, mas também operacional. A presença do Hamas no Líbano não era um acaso e estava, certamente, ligada à criação de relações com o Hezbollah, em conexão com o Irão.
Embora não tenha participado numa guerra generalizada com Israel, o Hezbollah tem feito algumas ações militares na fronteira norte, ocupando uma parte do exército israelita e, de alguma forma, criando um cenário estratégico complexo para Israel. A estratégia do Hamas, desde o início, foi sempre a de abrir mais do que uma frente. Certamente, estava nos cálculos do ataque de 7 de Outubro uma retaliação forte de Israel, provavelmente também estaria nos cálculos o levantamento generalizado dos palestinianos, nomeadamente na Cisjordânia. O Hamas também esperaria – o que até agora não aconteceu- que o Hezbollah entrasse [neste conflito] com uma outra dimensão na guerra com Israel, fixando o exército israelita numa frente norte.
O primeiro-ministro do Governo da Autoridade Nacional Palestiniana, Mohamed Shtayeh, condenou "o assassínio" do número dois do movimento Hamas e alertou para as repercussões que podem surgir deste acto. O exército israelita já veio dizer que está preparado para “qualquer cenário”. Há o risco de uma escalada regional deste conflito?
O que podemos dizer da parte destes intervenientes regionais, nomeadamente, de grupos como Hezbollah- que tem ligações óbvias com o Irão- é que tem havido uma certa prudência, com acções fronteiriças, mas sem se envolverem num conflito generalizado.
Neste atentado, mais uma vez, Israel não assume abertamente que foi o autor, mas não nega que esteve na origem desta eliminação, mantendo sempre esta ambiguidade. Parece bastante evidente que tenha sido uma acção dos serviços secretos israelitas. Porém, existe aqui uma particularidade e até um problema. Ou seja, este ataque não ocorre no sul do Líbano, na zona fronteiriça, ocorre em Beirute, num lugar que até seria controlado pelo Hezbollah. Isto expõe uma vulnerabilidade do Líbano e no território controlado pelo Hezbollah às investidas do exército israelita.
Israel já veio descartar a hipótese de se ter tratado de um ataque contra o Estado Libanês. Esta declaração pode acalmar as reacções da parte do Hezbollah?
Não duvido que, em geral, Israel não queira atacar o Estado libanês. Mas, ao mesmo tempo, atacar o Hezbollah implica atacar o Líbano. O Hezbollah detém o poder em grande parte do território libanês, nomeadamente na parte que faz fronteira com Israel, conseguindo agregar e mobilizar as populações xiitas e construir um dinamismo político-militar.
O secretário-geral do Hezbollah, Hassan Nasrallah, deverá pronunciar um discurso esta quarta-feira, 3 de Janeiro. O Hezbollah poderá entrar neste conflito, ou ficará sempre dependente da “luz verde” do Irão, país que assegura o financiamento e o armamento do grupo?
Até agora, o Hezbollah tem sido bastante prudente- apesar da retórica política e das acções militares que vai fazendo regularmente na zona fronteiriça- e tem mostrado que não se quer envolver demasiado no conflito. É preciso não esquecer que para o Hezbollah um envolvimento mais generalizado teria custos significativos, colocaria todo o Líbano em guerra, deixando o Hezbollah, internamente, numa situação mais complicada. Não me parece que a generalidade da população, por muita simpatia que tenha com os palestinianos e com a questão que se vive em Gaza, queira entrar numa guerra.
Há ainda a questão que nos leva ao Irão e à Síria. Isto porque o Hezbollah tem sido, até agora, uma peça muito importante na estratégia do Irão no apoio ao regime de Bashar Al- Assad, levantando aqui uma questão que passa pelo enfraquecimento militar do Hezbollah. Depois há ainda o problema do Hezbollah se estar a envolver numa guerra que não é directa -mas sim um conflito de Israel com o Hamas e os palestinianos- e sem perspectiva de ganhos.
Todavia, Israel parece que há muito tempo equaciona as possibilidades de abrir uma segunda frente no conflito, fazendo uma limpeza no sul do Líbano, como tem feito em Gaza. Isto leva-nos à questão mais crítica: o Hezbollah não pode deixar de ter uma reacção- para não mostrar fraqueza- mas, ao mesmo tempo, sabe que o risco de uma guerra com Israel é muito grande.
Esta subida de tensão acontece depois dos Estados Unidos decidirem retirar o porta-aviões Gerald Ford que se encontrava no mediterrâneo oriental desde outubro. Poderá haver aqui alguma relação?
Esse é um dado curioso porque, em termos políticos, vimos que havia aqui um tipo de negociação- não sabemos se irá dar resultado- com questão dos reféns detidos pelo Hamas a serem prejudicados fortemente. Agora temos essa questão, quando tem sido pública a pressão que os Estados Unidos fazem sobre Israel para não se envolver numa segunda frente de guerra, mais generalizada no sul do Líbano, com o Hezbollah.
Esta retirada é uma coincidência, houve aqui uma oportunidade que os serviços secretos não quiseram deixar passar? Ou existe aqui uma vontade de abrir uma segunda frente de guerra e, eventualmente, levar os Estados Unidos a envolverem-se nela? Porque, provavelmente, se o conflito se alastrar parece-me difícil que os americanos fiquem como um observador distante.
A força das Nações Unidas no Líbano apela às partes para trabalharem num cessar-fogo. Considera que uma trégua será possível?
Uma trégua seria desejável, mas parece-me muito difícil que o Hezbollah não vá ter algum tipo de resposta. Até para mostrar que se mantém como uma força credível. No entanto, isto não significa que o conflito se vá generalizar. O que me parece mais provável é que todo este atrito, que já está militar e com trocas de bombardeamentos, de um lado e de outro, vai aumentar.
Por: Neidy Ribeiro
Conosaba/rfi.fr/pt/
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