quarta-feira, 11 de julho de 2018

«OPINIÃO» DR. FILOMENO PINA: "UMA NOTICIA TRISTE ABALOU A COMUNIDADE GUINEENSE NA CIDADE INVICTA. FALECEU NO PORTO O NOSSO CONTERRÂNEO – SR. FRANCISCO INÁCIO CERCO SÁ SANHÁ. MAIS UMA VEZ A MORTE SURPREENDEU A TODOS, E QUE PENA !!! "


Francisco Inácio Cerco Sá Sanhá - falecido

Era meu amigo de peito (desde os tempos de Capa Negra/musical em Bissau). Sei um pouco deste Homem frontal na relação humana. Foi sempre amigo do seu amigo, era destemido, trazia o coração na boca, dizendo sempre o que pensava, de suas convicções na defesa de causas. Era também multifacetado, foi empresário sub-empreiteiro, empresário de futebol, etc. Um homem calmo, mas de temperamento impulsivo quando era “pisado”, uma personalidade forte, compreensiva, tolerante, flexível, de coração grande, pessoa amiga de partilhar, nada calculista durante a sua vida, era capaz de oferecer (quando tinha duas, dava uma das “camisas” a quem tinha menos ou necessitasse), tinha olho de descobridor das dificuldades do outro e ajudava, enquanto podia, a quem precisasse. Foi um grande Homem e a vida à certa altura foi-lhe madrasta, acabando num canto e só, de forma que nada se sabe e por enquanto, os motivos desta morte…
.
Era uma das pessoas mais inteligentes emocionalmente que reconheci longe do nosso País, nesta nossa Cidade de acolhimento. Posso dizer que depois de Pilõm/ Cidade de Bissau, o Porto sempre foi o seu segundo Amor, a sua Cidade de acolhimento. Cerco foi de facto um Homem bom, nada egoísta, lutador, que presumo ter feito mal as contas da sua sobrevivência durante a sua passagem, mas, e fê-lo mal de propósito (penso), talvez calculasse errado para ajudar os outros, porque no fundo não era abusado ou abusador, justo como era na sua leitura de vida. Também era fácil para este amigo perceber as dificuldades do outro (de gente comum com vida difícil), sobretudo, quando entendia estar perante algum ser humano assustado com a vida, ele era “termómetro”. Ajudou, até que a vida virou-lhe as costas, passou a ter pouco na última fase da vida, mas esteve muito bem na vida, muito bem mesmo. Cerco Sanhá foi marcante na Cidade Invicta para os seus conterrâneos, uma figura incontornável, carismática, amigo do próximo. Na cidade que amou, ele ajudava fosse quem fosse, partilhou sempre, soube apertar o cinto, e partilhar quando fosse preciso. Foi um Guineense atento e conhecedor exaustivo do perfil cultural, usos e costumes da nossa gente, dentro e fora do País de origem. Era um Homem de cultura e de ideais humanitários, para além de amigo, um Homem bom que sempre cultivou um grau elevado de solidariedade viva com o próximo (…)
.
Não podia com hipócritas, cínicos, falsos mascarados de amigos, (sobretudo na nossa comunidade, lutou sempre, para fundar e manter o Associativismo e a Cidadania positiva entre Guineenses do Porto). Ele tinha nojo de estimação aos racistas, tribalistas, que apelidava de falsos profetas, que sempre envenenaram todas as possibilidades de entendimento e paz entre Guineenses! Cerco conhecia como a palma da sua mão o Guineense! Sabia e deu provas de sensibilidade e inteligência nas leituras que fazia sobre vários assuntos da politica actual e os conflitos que marcaram e marcam a Guiné-Bissau, desde a luta de libertação aos nossos dias (era um Homem analista e sabedor de muita coisa sobre nosso País). Para mim, era poeta da oralidade urbana, fazia e dizia com liberdade de expressão, era Homem livre, com a boca cheia, sabia muito, um reconhecido conhecedor do perfil do Guineense, sabia e sabia demais, acerca dos feios, porcos e maus, ao mesmo tempo, que aparentava na sua simplicidade, parecendo talvez para muitos desatentos, o mais ignorante. Sobretudo nesta sua última aparência menos boa em vida, esteve mais distante, isolava-se, afastou-se até dos verdadeiros amigos; talvez querendo evitar a sua partilha de sofrimento humano e pessoal o levasse a esconder-se da maior parte, penso. Uma vez que era Homem inteligente para saber quem quer e não pode ajudar, porque não tem, ao mesmo tempo, ele também sabia quem pode ajudar e não o faz, ou até quem finge ser amigo, só para observar e acrescentar “veneno” no que recolhe da sua observação distorcida de factos do seu declínio material, social e financeiro, infelizmente.

Ele era um duro, um resistente urbano desta cidade, que viveu à margem do sistema protector até certo ponto; mas, já se sentia muito doente sem o devido apoio médico e social, desamparado, e no fundo um ser humano que já foi capaz, que ajudou sempre os outros. Quando se desequilibrou nesta balança social, nunca mais soube para que serve a um individuo “ter-se esperança”!

Uma sensação de que o empreendedorismo é, algumas vezes, simplesmente facto desprendido de certezas, revelando apenas uma profundidade do poço vazio no presente ou um baú cheio de promessas de futuro, mas distante e desmotivador, servindo de nada, para quem nada tem e precisa de ajuda no imediato em apoios materiais e psicológico. Cerco Sanhá, viu o mundo virar-lhe as costas no momento em que mais precisou de apoio material (…)
Factos que acumulam na certeza de que não estamos juntos, como fazemos crer passar muitas vezes, porque fingimos estar atentos, mas, no fundo, queremos parecer mais do que somos capazes de ajudar, só.

Cerco Sanhá morreu sozinho!, não se sabendo se de morte súbita/santa ou outro motivo, mais o seu amigo (um cão encontrado junto ao corpo), este talvez um animal abandonado, que ele adotasse como companhia silenciosa, fiel, levado até ao fim da vida deste Homem, não se sabendo se morreu por ficar encurralado no espaço sem saber soltar-se ou se, por opção/vinculo animal, não abandonasse o seu dono até ao fim, sendo seu último protector em vida.

Ambos viram tudo, e juntos, até ao fim de vida. Quem sabe a natureza desta morte!? Tudo leva a crer que estes dois seres partilharam o amor incondicional e a pesada derrota desta vida, plantados um no outro no mesmo espaço; tudo leva a crer que o cão terá sido o último a morrer, assistindo e só depois fechando os olhos! Será que o olfacto foi/era a única resposta natural neste desfecho, i. é, até à descoberta do cadáver ou mais alguém sabia deste local e afastou-se sem deixar rasto!?

Supostamente neste espaço pernoitava mais gente. Faz impressão o facto de ter permanecido semanas após a sua morte no local, e sem ninguém acusar o estado, neste quadro de suspeição, ou até, que o “vento” denunciasse através do cheiro. Será isso?! Hoje, só Ele sabe e não diz(…)

No entanto, a Polícia foi chamada ao local e levantou o cadáver em elevado estado de decomposição (após semanas), tomando conta desta ocorrência. Seguiu formalidades operatórias para o caso, e neste momento o cadáver encontra-se nos paços da medicina legal em preparativos e autópsia. Resta aguardarmos (familiares e amigos) pela sua libertação, para as cerimónias fúnebres, sDq.

Cerco nha hermõm!, nhá mamdjua, pá ké ku bay sym! Bay-mé ku Deus, káu djuby tráz, nó ká méressyu... Bay bu mundu nôbu, báy dyskamssa, anós tudo alynu-ly, um dya, nó na komtra…

Que Deus lhe dê o eterno descanso e Glória, paz a sua alma, sentidos pêsames à família enlutada e amigos (...)

Djarama CERCO SANHÁ. Eterno adeus irmão… Filomeno Pina.

FOTO de: Cerco Sanhá, paz a sua alma...

Sem comentários:

Enviar um comentário