quinta-feira, 22 de setembro de 2022

FACEBOOK, PRAÇA DA CIVILIZAÇÃO

 

É no país de “ouvi dizer” que escutei essa frase: a chegada da internet deu a voz até para os tolos. Ressalto que desconheço a autoria, porque ouvi falar que alguém a proferiu.

Talvez por revolta ao uso descabido da rede mundial que une computadores e celulares para a troca de dados. Mas mesmo sem saber de onde veio, ela, por conseguinte, será a bússola para refletir aqui o furacão da disparidade que acontece na praça digital ou da civilização com os internautas guineenses.

A leitura observada no enunciado expressa a ideia de que a web não deveria ser democratizada, em atenção, quem sabe, à onda dos discursos ameaçadores da paz social.

Haja vista, faria um bem maior à humanidade se usuários do mundo digital fossem filtrados, já que democratizá-lo trouxe a ausência de limites na produção dos conteúdos postados diuturnamente. Isso posto, nasce a pergunta: quem são os tolos que a chegada da internet deu a voz?

Na Guiné-Bissau, quando chegou a internet, dá para afirmar que a grande maioria das pessoas usava o celular de teclado (o famoso chama atende). Pois, era um negócio elitizante, a que apenas elites e os curiosos tinham acesso. Pessoas curiosas pagavam no cyber até 2.500xof para navegar por uma hora, um valor insignificante para as elites.

Porém, não tardou muito, começou-se a verificar a entrada massiva dos guineenses no ciberespaço. 

O lugar rapidamente virou a nova praça da civilização, de modo que não estar no Facebook simbolizava que você era um desatualizado. Desse modo, os que têm moradia lá, viajam postando fotos, curtindo as fotos postadas e conversando com os ditos amigos ou os familiares.

Enquanto isso que uns faziam/fazem, os observadores do futuro descobriram que o

espaço é delicado para passar mensagens. Passaram a procriar assuntos, chamando atenção da sociedade a certas práticas e questionando a passividade da população para o descaso dos políticos. Estes ativistas são, velozmente, notados e conhecidos na praça digital de capital Bissau. Os seus conteúdos eram atos de fala, porque as pessoas os obedeciam. 

À vista dessa vulgaridade, o ativismo cresceu nas redes sociais, dando o início ao furacão de disparidades, com a vacina em massa de vírus obscurantista. Logo, aqueles que as palavras não são obedecidas pela falta de clareza nos tópicos abordados transformaram a praça num campo de guerra.

Em 2019, durante o decorrer das eleições, os problemas que sabíamos existir, que uns buscavam a forma de iniciar o debate e outros tentavam fugir deles, explodiram-se com os políticos. 

Os tais religiosos e etnocêntricos. Estes, despreparados, expeliam discursos de pertencimento étnico e religioso como grande estratégia para ganhar votos.

Em sequência, o problema chegou à praça da civilização! Ali, no radicalismo de institucionalizar o ato de fala sobre o assunto em debate, os sábios do Facebook simplesmente ajudaram os políticos a polarizar a sociedade de maneira nunca vista antes.

Com a proliferação dos discursos dissidentes, ora da corja política, ora da tóxica militância partidária, a sociedade guineense dicotomizou-se quase em tudo.

Mas, como se não bastasse esses problemas, emergiu nas redes sociais nesse ínterim uma das mais famigeradas guerras, a de Intelectuais contra tolos, com o seguinte slogan: skola bom! A frase teria sido inspirada na fala da ministra do Negócio Estrangeiro, Suzy Barbosa que, desabafando-se quanto ao insucesso eleitoral no Leste do país, afirmou que o resultado se deveu à pouca instrução escolar dos citadinos. O ridículo ecoou para apoiadores do partido como algum provérbio do Confúcio ou “Yes, we can”, da campanha presidencial de Obama. Essa exaltação meritocrática com a escola transformou em patéticos aqueles que não tiveram a oportunidade de frequentar as aulas.

 Estes, infortunados, não pela ausência do estado que não constrói as escolas, que não cria políticas públicas de permanência, que não paga docentes e servidores, mas, sim, por suas culpas. 

Entretanto, em defesa de suas parvoíces e com medo de não pertencer à sociedade pós-eleição, ostensivamente diziam: ma skola i ka nada! Hoje, parecem estar certos de que skola i ka nada, considerando a crescente desvalorização do ensino pelo governo, do qual a ministra é parte.

Esse suspense de “nós” contra “eles” piorou em 2020 com as lives e os diretos que ocuparam as plataformas digitais no período de Covid-19. Em manifestar as opiniões sobre possíveis “soluções” dos problemas que afetam o plano de desenvolvimento, influenciadores organizavam lives, cutucando o governo a olhar a necessidade da população. 

Porém, como vinham críticas de toda parte, sem surpresa, a militância partidária começou a tomar frente da cena. Como o esperado, passaram a se registrar ataques religiosos, étnicos e partidários. Então, ao invés das lives e os diretos de antes, serviram para achar soluções, transformaram-se em marketing político e veículo da divisão e desarmonia, gerando métodos inconsistentes para pensar seriamente os reais problemas.

O que deu mais benefício aos políticos que à própria população, já que têm como o propósito “dividir para reinar”.

Nas batalhas feministas, a internet teve um papel importantíssimo na luta pelos direitos iguais. A luta está longe da meta desejada, mas, de uma maneira ou outra, deu um salto positivo. 

Por exemplo, o movimento “Mindjer i ka Tambur” proporcionou vários seminários de formação, conscientizando as pessoas que valorizar o papel da mulher é dever coletiva. O mais certeiro, para mim, foi aquele em que chamaram os músicos para participar, porque parece ser a classe que mais facilmente propaga a desvalorização das mulheres. 

Também, o movimento contém um impulso significativo no sector da justiça, porque, ainda que insatisfatória, as denúncias de violência do gênero começaram a merecer as atenções do Estado. Do lado negativo, o Facebook tornou-se em pindjiguiti, santo lugar para a fofoca. A leitura de qualquer comunicado da pessoa com a vida privada noturna movimenta, inacreditavelmente, mais engajamento que N programas “bons”.

Contudo, não é a rede social mais usada em outros lugares, Facebook é ainda a praça da civilização para a comunidade guineense. É o lugar de expor os PhDs em assuntos políticos e, consequentemente, se associar a cleptocracia ou a rede corrupta dos sucessivos governos. O modelo do trampolim é só se fazer de apartidário, com a ginástica mental para desaprovar as críticas lançadas ao governo. Ou mostrar claramente que idólatra os bandidos políticos.

Caminhando para o fim, vamos voltar à nossa pergunta. Quem são os tolos que a chegada da internet deu a voz? Se leu até aqui, a resposta não deve ser uma quebra-cabeça.

De modo que deve perceber que os tolos seriam aqueles cujo os conteúdos ferem os princípios democráticos. Falando à turma de 2018 da Yale University, Hillary Clinton disse que o espírito cívico é que torna a democracia uma possibilidade/realidade. portanto, quando as publicações propagam Fake News, atacam a diversidade e veiculam ódios, elas não só mutilam o espírito cívico da democracia, como também arruínam o bem estar social.

Emilson N’Dame

Referências

CLINTON. H. Be resilient: English Speech. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=46yStqMV4eY

MAINGUENEAU. D. Novas tendências em análise do discurso. 3ª ed. Campinas-SP: Pontes, 1997.

SANDEL. M. A tirania do mérito [recurso eletrônico]: o que aconteceu com o bem comum? 1ª ed. Rio

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