Yevgeny Prigozhin, chefe do Grupo Wagner, deixa a cidade de Rostov após o término do motim militar iniciado na noite de sexta-feira. © ALEXANDER ERMOCHENKO / REUTERS
O suposto motim militar do Grupo Wagner, chefiado por Yevgeny Prighozin, chegou ao fim na noite de sábado. Num processo mediado por Alexander Lukashenko, presidente da Bielorrússia, com aval de Putin, o líder da milícia privada ordenou às suas tropas que regressassem às suas bases. O Kremlin anunciou que Prigozhin partiria para a Bielorrússia e que a investigação contra ele e os demais combatentes do Grupo Wagner seria arquivada.
Menos de 24 horas depois de Yevgeny Prigozhin declarar uma “marcha pela justiça” para ajustar contas com o ministro da defesa, Serguei Shoigu, e Valeri Gerassimov, chefe das operações russas na Ucrânia, o aparente motim terminou.
O líder da organização de mercenários do Grupo Wagner anunciou a suspensão do avanço das suas colunas militares em direcção a Moscovo, na chamada Marcha da Justiça, após a mediação do Presidente bielorrusso Alexander Lukashenko. “Lukashenko conhece Prigozhin há cerca de 20 anos”, disse aos jornalistas o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov.
De acordo com um comunicado de presidência bielorrussa, trata-se de “uma acção conjunta” entre Minsk e Moscovo para encontrar uma solução benéfica para ambas as partes, evitando um “derramamento de sangue” na Rússia.
“As negociações prolongaram-se durante todo o dia. Como resultado, as partes concordaram que é inaceitável iniciar um banho de sangue no território da Rússia. Yevgeny Prigozhin aceitou a proposta de Aleksandr Lukashenko no sentido de pôr termo ao avanço das unidades armadas de Wagner no território da Rússia e de tomar outras medidas destinadas a diminuir as tensões. Actualmente, está disponível uma variante absolutamente vantajosa e aceitável para desanuviar a situação, incluindo garantias de segurança para os combatentes da empresa militar privada Wagner”.
Horas antes do acordo entre críticos do alto escalão militar e o poder instituído em Moscovo, os combatentes da milícia privada conseguiram cruzar a fronteira ucraniana e ultrapassaram diversas barreiras desde Rostov até à entrada do Oblast de Moscovo, a escassos quilómetros da cidade capital.
O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov detalhou o acordo entre ambas as partes: todas as acusações contra Prigozhin, por ter organizado uma rebelião armada, serão retiradas e este deixará a Rússia para viver na Bielorrússia. Os soldados que se juntaram a ele também não serão processados e os combatentes que não participaram na revolta receberão contratos do Ministério da Defesa.
"Chegou-se a um acordo segundo o qual as tropas do Grupo Wagner regressariam aos seus acantonamentos e locais de destacamento. Alguns deles, se assim o desejarem, podem mais tarde assinar contratos com o Ministério da Defesa. O mesmo se aplica aos combatentes que decidiram não participar neste "motim armado".
"Alguns combatentes das unidades militares [do Grupo Wagner] mudaram de ideias logo no início [do motim] e regressaram imediatamente. Eles até solicitaram a ajuda da polícia de trânsito, para retornar aos seus respectivos locais de destacamento"
Na sequência deste acordo os combatentes do grupo paramilitar decidiram deixar os locais ocupados durante a incursão até Moscovo. O governador de Rostov, Vasily Golubev, anunciou que a "caravana do grupo Wagner deixou Rostov e retornou para os seus acampamentos", sem fornecer mais detalhes.
Todas as restrições à circulação nas estradas e auto-estradas foram levantadas, segundo informou a agência rodoviária federal russa, Rosavtodor, à TASS.
Este desfecho foi amplamente aplaudido pela população russa, que entre gritos e aplausos, saudou a iniciativa de ambas as partes em evitar um “banho de sangue”. Milhares de pessoas saíram às ruas para observar a retirada dos mercenários, inúmeros vídeos publicados nas redes sociais mostram pessoas que dão as mãos e abraçam-se, apelando ao reforço da unidade entre os russos.
O estádio “Rostov Arena”, do principal clube da cidade, uma mensagem era visível à distância: “Somos todos um só povo e estamos a lutar contra um inimigo externo. Acreditamos no povo russo e no nosso presidente”.
Para Denis Pushilin, líder da República Popular de Donetsk, esta situação "foi mais um incentivo para aumentar o apoio ao Presidente Putin, tanto por parte dos partidos pró-governo como dos partidos da oposição". Ele acrescentou ainda que este tipo de coisas só pode acontecer na Rússia onde "as maiores dificuldades e as ameaças mais graves nos unem".
Combatentes do grupo de mercenários privados Wagner saem da sede do Distrito Militar do Sul para regressar às suas bases, na cidade de Rostov, Rússia, 24 de junho de 2023. REUTERS - STRINGER
Entretanto a situação na linha da frente no leste da Ucrânia permanece igual. Esta situação coincide com o recrudescer dos confrontos no leste da Ucrânia, com uma iminente contra-ofensiva de Kiev. Peskov afirmou que o “motim não vai afectar de forma alguma” o curso do conflito, e que este deve continuar.
"De modo algum. A operação militar especial continua, os nossos combatentes na linha da frente demonstram heroísmo, estão a desviar a contra-ofensiva das forças armadas da Ucrânia de forma extremamente eficaz. E a operação vai continuar".
Para não perder mais tempo, as tropas ucranianas efectuaram diversos avanços e bombardeamentos estratégicos nas regiões de Donetsk e Lugansk. De acordo com a agência de notícias russa TASS, Kiev "bombardeou o território da República de Donetsk 26 vezes durante o sábado”.
O Ministro das Relações Exteriores russo, Serguei Lavrov, disse no sábado que a Rússia mantém o controlo sobre as armas nucleares tácticas que serão instaladas na Bielorrússia, “em conformidade com as obrigações internacionais”.
"Tanto os nossos amigos bielorrussos como os nossos representantes, os representantes da Rússia, explicaram repetidamente o que se estava a passar em relação a este assunto. Este facto [a instalação de armas nucleares] não viola de modo algum uma única obrigação internacional da Bielorrússia ou da Federação Russa, incluindo as obrigações decorrentes do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares. Estamos a manter o controlo sobre as armas que serão instaladas no território do nosso aliado, o que garante plenamente a implementação das obrigações que mencionei".
O que acontecerá nos próximos tempos?
Uma questão que não foi detalhada publicamente pelas autoridades russas diz respeito às demandas efectuadas por Prigozhin, nomeadamente a demissão de algumas figuras do alto escalão militar, como o ministro da defesa Serguei Shoigu e Valeri Guerassimov, comandante das operações na Ucrânia.
Embora especule-se a substituição de ambas figuras, a estrutura do poder instituído dentro do Ministério da Defesa da Rússia permanece intacta por enquanto. Se para algumas figuras importantes este acontecimento demonstrou uma certa fragilidade por parte do regime de Putin, este último conseguiu minimizar os danos causados por esta disputa.
Conosaba/rfi.fr/pt/
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