terça-feira, 22 de novembro de 2022

SOCIEDADE Casamento precoce: REGIÃO DE QUÍNARA REGISTA DE MAIO A JUNHO 18 CASOS E UM ÓBITO POR ESPANCAMENTO EM GÃ-PARA

O presidente da Liga Guineense dos Direitos Humanos na região de Quinara, Formosinho da Costa, revelou que de maio a junho deste ano, a região registou 18 casos de casamento precoce e forçado, em consequência as vítimas tiveram que abandonar a escola para procurar a proteção. Dos dezoito casos, doze são precoces e seis forçados, dos quais resultou um óbito por espancamento na tabanca de Farna, localidade de Gã Para, setor de Fulacunda.

Em entrevista ao Jornal O Democrata para falar, entre outros assuntos, da situação dos direitos humanos, da segurança dos cidadãos e de assassinatos, Formosinho da Costa revelou que três dos dezoito casos de espancamento ocorreram no setor de Tite, dos quais um teve intervenção das autoridades. A intervenção das autoridades ocorreu porque a vítima terá sido acusado pelo agressor d de más intenções contra uma menina, mas ele (o agressor) foi preso depois de uma investigação conduzida por agentes da Guarda Nacional.

Formosinho da Costa defendeu que é urgente construir um centro de acolhimento de meninas vítimas de casamento precoce e forçado ou de várias formas de violação na cidade de Buba, porque na sua casa elas não estão seguras e correm riscos e são vítimas de vários tipos de ameaças, tendo relatado que os conflitos pela posse de terra continuam a ser um dos sinais negros na região, como registos preocupantes de pessoas que foram feridas gravemente a catana, por isso pediu a intervenção das autoridades para acionar as medidas preventivas e os métodos de resolução de conflitos antes do início da limpeza dos pomares de cajú e da apanha da castanha.

SITUAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS EM QUINARA É DRAMÁTICA E DESUMANA

Em entrevista telefónica, Formosinho da Costa começou por descrever a situação dos direitos humanos na região como “dramática e desumana”, porque os direitos das crianças e das mulheres são sistematicamente violados e devido às más condições da estrada que liga Buba a São João e Buba- Tite, as pessoas são transportadas em camiões de exportação da castanha de cajú em condições lastimáveis como se fossem de castanha de cajú se tratassem.

O ativista disse que a justiça, que deveria estar a ser administrada em nome do povo, tem falhado na região, porque existe um único tribunal com sede na cidade de Buba e por causa da degradação da estrada, os cidadãos que residem em Fulacunda, Tite, Bolama e Bubaque chegam a fazer quatro dias de viagem, ida e volta. E há situações em que o interessado pela justiça não encontra o juiz no tribunal, “aí a história é bem mais complicada do que se possa imaginar”.

Segundo Formosinho da Costa, esse condicionalismo leva a que cidadãos, às vezes, façam justiça pelas próprias mãos, porque se os casos suspeitos não são julgados a tempo, os presumíveis criminosos continuam soltos e ameaçam as vítimas que ficam meses e meses à espera que a justiça seja feita.

“A justiça não tem sido administrada em nome do povo e há sinais de que a justiça não existe no país. Porque os cidadãos não têm sentido os resultados do funcionamento dos tribunais como instâncias legais para dirimir conflitos ou corrigir atitudes das pessoas em conflito com a lei e é o que tem acontecido na região de Quinara. Os processos levam três meses sem se mexerem e os culpados continuam a andar livremente”, afirmou.

O presidente da Liga para a região de Quinara lamentou que até ao momento muitos cidadãos da sua área de jurisdição não tenham ganhado juízo de que a justiça é o único meio para resolver os problemas.

Denunciou que recentemente em Intchudé, setor de Tite, um cidadão agrediu fisicamente a sua esposa, a sua mãe e a sua filha a catana, esta última porque decidiu que continuaria a estudar, embora tivesse sido avisado pelo pai para que parasse. O suspeito está detido neste momento e terá confessado a agressão , mas a Liga disse que o estado de saúde das vítimas é grave e a criança ainda continua internada no hospital.

Perante este fato, o responsável da Liga acusa os responsáveis da aldeia de encobrir práticas de violação dos direitos humanos e outros males que afetam sociedade local, com alegações de que a justiça pode levar um casal ou uma família à separação. A Liga informou ao jornal O Democrata que neste momento, os restantes membros da família do detido estão dispersos, por medo de vingança.

“É uma prática recorrente encobertar violações dos direitos humanos na região. Aliás, o guineense gosta de abafar males nocivos à sociedade. Temos o caso de três suspeitos da morte do próprio irmão na tabanca de Foia que continua há vários anos sem julgamento e os supostos assassínios impunes. Em Bessassema, um cidadão disparou e matou alguém, alegando que tinha impressão que era um macaco. Em São José, por exemplo, um filho matou o próprio pai nos pomares de cajú e continua a deambular de um lado para outro”, lamentou, tendo defendido a criação de uma prisão de alta segurança na região para corrigir os atos de criminosos e responsabilizou o governo por tudo que está a acontecer na região.

A Liga está preocupada com a questão da impunidade na região, por isso vai continua a trabalhar até que os culpados sejam julgados e presos pelos seus crimes.

LIGA: “TRIBUNAL PROVINCIAL FUNCIONA NUM CONNTENTOR COM TRÊS JUIZES NUM GABINETE”

Formosinho da Costa revelou que o tribunal da região de Quinara, que se faz de veste do tribunal provincial, funciona num “contentor” e que cada gabinete chega a ter três juízes, num ambiente de muito calor.

Disse que, dada a situação geográfica da região, os juízes não podem dar respostas às demandas das populações, sem meios nem condições de trabalho e os malfeitores e os criminosos aproveitam-se dessas fragilidades da justiça para dinamizar as suas “ações criminosas”, tendo exigido a criação de tribunais em cada setor da região.

A Liga admitiu que o índice de casos de assassinatos derivados de acusações de feitiçaria diminuiu consideravelmente, mas não significa que não existam casos dessa natureza encobertados.

“Recentemente inauguramos o escritório da Liga na cidade de Buba e temos duas motorizadas novas. Quero acreditar que vamos poder fazer alguma coisa, sobretudo deslocarmo-nos para as zonas de difícil acesso e poder denunciar os casos de violação dos direitos humanos que são enterrados em Quinara”,

Formosinho da Costa relatou que a situação de conflitos pela posse de terra continua a ser um dos sinais negros na região, com registos preocupantes de pessoas feridas gravemente a catana, por isso pediu a intervenção das autoridades para acionar medidas preventivas e métodos de resolução de conflitos, antes do início da limpeza dos pomares de cajú e da apanha da castanha.

“Sim. É obvio que vamos ter conflitos em todas as tabancas da região de Quinara. As autoridades estão impotentes e não conseguem nem sequer solucionar um único problema. Como é possível uma pessoa menor de trinta anos de idade ter hectares e hectares como propriedade pessoal, que nem sequer sabe explicar como adquiriu-os. Os Comités de Estado devem trabalhar para permitir a construção de habitações. Não podemos continuar, em pleno seculo XXI, a viver isolados e em habitações precárias. Cada cidade da região tem de ter uma arquitetura própria, como sinal de desenvolvimento. Temos que começar a fazer por nós mesmos”, defendeu.

A Liga afirmou não ter registado mortes na sequência desses conflitos, mas aponta Gã Pedro, Djabeda Beafada, Galecunde e Ponta Sedja como zonas de maior risco. Formosinho da Costa acusou os comités e os chefes de tabancas de cumplicidade nesses conflitos, porque são escolhidos por afinidade política, familiar ou por aliança de tabancas e em consequência tornam-se cúmplices ou incapazes de defender a população e quando há conflito de interesse, esse sentimento pesa ainda mais.

“Não podemos assumir uma responsabilidade e depois abdicarmo-nos dessa missão e passar a resolver os problemas com base em afinidades étnico-religiosas, mas sim defender os valores em causa e a verdade. Há pouco tempo um chefe de uma tabanca defendeu o casamento forçado e precoce e mandou retirar da escola uma menina para submete-la às práticas nefastas como casamento precoce. Um jovem evangélico foi raptado, quando saia de Bissau abordo de uma canoa a motor, no porto de Djabada, e submetido a um ritual balanta Inghés juntamente com mulheres”, criticou, para de seguida denunciar que o roubo de gado, de ovelhas e de suínos continua a velocidade do cruzeiro, com maior incidência no setor de Tite, onde a casa de um oficial de registo civil foi saqueada numa noite e retiraram três portas almofadas sem piedade.

“Como é possível assaltar a casa de uma pessoa tão útil para nós, a população?! Que tipo de pensamento selvático essas pessoas têm? Estupram, vandalizam as casas, ameaçam as famílias e roubam os bens dos indefesos, porque?!, questionou, defendendo que é uma urgente mudança de comportamento dos cidadãos na região, para que a sociedade possa se sentir à vontade e livre da pressão dos criminosos.

Os dados estatísticos da Liga da região de Quinara indicam que em 2022, a organização registou 12 casos de casamento precoce e 6 de casamento forçado, dos quais um óbito na tabanca de Farna, localidade de Gã Para, setor de Fulacunda, e três casos de espancamento no setor de Tite, dos quais um teve a intervenção das autoridades porque a vítima terá sido acusada pelo agressor de más intenções contra uma menina. Porém foi preso depois de uma investigação conduzida por agentes da Guarda Nacional. Formosinho da Costa defendeu que é urgente construir um centro de acolhimento de meninas vítimas de casamentos precoce e forçado ou de várias formas de violações na cidade de Buba, porque na sua casa elas não estão seguras e correm riscos de outras violações.

A maior parte das vítimas, segundo a Liga, está em Bissau na casa de acolhimento da AMIC- A Associação dos Amigos da Criança, uma organização não governamental criada a 30 de outubro de 1984.

“Agradeço às forças de segurança e aos elementos da Guarda Nacional pela proteção. Estou livre e não devo temer nada. Aliás, não devo temer nada, porque o pior já passou na época colonial. Neste momento a relação entre as forças de segurança e a população é boa e há uma sintonia entre as forças de seguranças e as organizações da sociedade civil regional”, enfatizou e denunciou que, em 2021, foi vítima de agressão por um dos tios de uma das meninas que estava a ser acolhida na sua residência.

FORMOSINHO ALERTA SOBRE RISCOS DE FOME NA REGIÃO E PEDE SENSIBILIZAÇÃO DE JOVENS

O presidente da Liga Guineense dos Direitos Humanos em Quinara alertou que a população local corre sérios riscos de enfrentar a fome este ano, porque a produção baixou com a fuga de jovens de campo para cidade e porque também os comerciantes já começaram a fornecer o arroz às tabancas, a título de empréstimo, para a próxima campanha agrícola da castanha de cajú, o que poderá representar um perigo para os agricultores, caso os comerciantes decidam pedir reembolso total em castanha de cajú.

“É absurdo o que está a acontecer nos últimos tempos na região. Os jovens abandonam os pais nos períodos de grande produção, na época das chuvas. Neste momento, temos mais números de jovens em Bissau e nas outras cidades do país do que na região. Temos um liceu de referência e não justificava toda essa fuga, sem concluir o décimo segundo ano de escolaridade. Se se produzissem, teriam mais condições para suportar os seus estudos ou outras atividades. Os jovens são mandriões e não podem e nem devem ficar dependentes dos pais, mas sim devem produzir para ajudar as suas famílias e resolver os seus problemas”, criticou, tendo aconselhado todos os jovens sem ocupação em Bissau a retornarem às suas origens para produzir, porque lá podem ser úteis para o país e para as suas famílias.

“Só aparecem no momento dos resultados, do rendimento da produção. Roubam tudo dos pais, mas não contribuem na compensação dos esforços despendidos por estes durante a produção, portanto é preciso uma ação de sensibilização destinada aos jovens que apenas com a produção, o empenho e a determinação é que podemos desenvolver o país, as nossas regiões, setores, secções, comunidades e tabancas “, indicou e disse que a emigração não pode ser tida como a solução para os jovens.

Apontou a pesca artesanal ilegal nas águas territoriais da Guiné-Bissau como um risco aos recursos marinhos do país e denunciou a invasão de pescadores estrangeiros, sobretudo nas zonas costeiras dos setores de Empada e de Cacine a pescarem abusivamente no mar e o dispositivo da guarda costeira constituído por três elementos, sem meios, não consegue nem sequer fazer nada.

“Em 2021, os elementos da guarda costeira de Cacine foram raptados por pescadores estrangeiros e levados para a Guiné-Conacri. Este acontecimento por si só revela o quanto são precárias as condições de trabalho desses homens. Os pescadores aparecem bem equipados com tudo e mais armas de fogo, granadas, catanas e quando são abordados atacam e fazem o que lhes apetece. Temos que equipar os nossos homens do mar e treiná-los muito bem não só em matéria de fiscalização e de combate à pesca ilegal, mas também como agir em caso de resistência dos infratores.

Revelou que a invasão de estrangeiros na região não se verifica apenas no mar, mas também nas matas. Alertou que se medidas não forem tomadas, a população de Quinara poderá perder uma parte do seu território a favor de estrangeiros, porque “os estrangeiros estão a invadir as matas, a cortar troncos e a vender terrenos para construir habitações”, tendo acusado a população guineense de cumplicidade na atribuição de nacionalidade, de forma ilegal, aos estrangeiros. Instou às autoridades a apoiar o projeto de transformação de Bacalhau na cidade de Buba – Bubabacalhau, cujas atividades fracassaram nos últimos tempos, por falta de apoios financeiros.

Apelou ao governo a abrir caminhos para que os camponeses posam ter oportunidades a créditos bancários, desenvolver e mecanizar as suas atividades e acabar com a fome. Revelou que por insuficiência de tratores, os agricultores de Nhala que tem um vasto terreno agrícola, não conseguiram produzir.

“O governo e os parceiros devem financiar os agricultores e o setor empresarial guineense. O país tem campos férteis para produção e os agricultores estão prontos para explorá-los, se meios forem colocados a sua disposição”, enfatizou e revelou que um saco de 50 quilogramas de arroz está a ser vendido a 25 mil francos cfa na região.

O ativista considerou o que está a acontecer no setor da educação uma “autêntica vergonha”, porque “não é justo trabalhar um ano letivo sem receber nenhum salário” e muitas escolas estão desertas porque a maioria delas funcionava com professores contratados, que ao longo do ano letivo passado foram acolhidos e sustentados pelas comunidades.

“Um professor nessas condições não pode trabalhar com honestidade. Os inspetores estão inativos porque não têm meios. Para além da falta de meios, há a insuficiência de inspetores para supervisionar toda a região. Para inspecionar as atividades letivas, os inspetores vão de boleia em caimões de exportação da castanha de cajú para visitar Buba e as outras localidades, viajam cento e cinquenta quilómetros ou mais e em condições desumanas com que moral, que vergonha!”, disse, lembrando que foi o que aconteceu com os primeiros quadros saídos de “Tchico Té”, que foram abandonados e decidiram escolher Cabo Verde como campo de refúgio e impulsionaram o setor da educação.

Denunciou que no setor da saúde pública a situação parece ser pior do que qualquer outro setor e que há centros de saúde a funcionarem apenas com dois técnicos, no máximo, para um número muito grande da população, sem medicamentos.

“A tabanca de Bantam, com um número muito grande de habitantes, tem apenas uma enfermeira, sem meio de transporte nem nada. O centro de Nhassane tem duas enfermeiras e no Dar Salam dois enfermeiros. E mais, há centros apenas com um técnico a fazer trabalho de um médico, de um enfermeiro, de um analista e de uma pateira, é incrível! Todos esses técnicos se não fossem corajosos teriam abandonado tudo e escolhido outros caminhos.

Por: Filomeno Sambú
Conosaba/odemocratagb

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