sexta-feira, 16 de agosto de 2019

DISCURSO DE TOMAS SANKARA SOBRE A DÍVIDA EXTERNA FEITO 1987, NA ORGANIZAÇÃO DA UNIDADE AFRICANA, NA CIDADE DE ADIS ABEBA


O discurso foi pronunciado 3 meses antes de sua morte, revelando o caráter violento do imperialismo e como este teme a libertação das nações exploradas que buscam romper com a dependência econômica externa (nova forma de colonialismo, o neocolonialismo). >> [Tradução feita pelo colaborador André Luiz]

Nós acreditamos que a dívida deve ser analisada pelo ponto de vista de suas origens. A origem da dívida vem de nossas origens coloniais. Aqueles que nos emprestam dinheiro são aqueles que nos colonizaram antes. São aqueles que costumavam administrar nossos estados e economias. Colonizadores são aqueles que endividaram a África atrás de seus irmãos e primos que eram os credores. Não tínhamos qualquer ligação com esse crédito, então não podemos pagar por ele.

Dívida é Neo-Colonialismo, no qual os colonizadores transformam se em "assistentes técnicos", devíamos chamá-los de "assassinos técnicos"! Eles se apresentam com financiamento, com apoio financeiro... como se o apoio deles pudesse criar desenvolvimento. Nós fomos aconselhados a irmos a estes credores... nos foram propostas belas armações financeiras e fomos endividados por 50... 60 anos e até mais. O que significa que fomos levados a comprometer nosso povo por 50 anos e além!

Da forma que vemos: isto é imperialismo moderado, uma maneira inteligente de reconquista da África, mirando subjugar seu crescimento e desenvolvimento atrás de regras estrangeiras. Ou seja, cada um de nós se torna um escravo financeiro, que é chamarmos verdadeiros escravos daqueles que foram traiçoeiros o bastante para colocar dinheiro em nosso país com a obrigação de devolvermos. Nos é dito para que devolvamos, mas esta não é uma questão moral... não é sobre essa tão falada honra de devolução ou não.

Senhor Presidente, nós ouvimos e aplaudimos a Primeira Ministra da Noruega quando ela falou aqui, ela é européia mas admitiu que a dívida inteira não pode ser paga. A dívida não pode ser paga, primeiro porque se não pagarmos os credores não morrerão essa é uma certeza, mas se pagarmos com certeza morreremos e essa também é uma certeza. Aqueles que nos atraem para nos endividarmos têm apostado, como em um cassino, tão quanto tivessem lucro, não havia debate... mas agora que sofrem perdas, eles demandam pagamento e nós falamos de crise econômica. Não, Senhor Presidente, eles jogaram e perderam, essas são as regras do jogo e a vida continua! Nós não podemos devolver nada, não temos os meios para tanto; não podemos devolver, porque não somos os responsáveis por essa dívida. Não podemos pagar, mas os outros nos devem mais que qualquer riqueza da terra pode devolver que é a dívida de sangue. Nosso sangue foi derramado.

Ouvimos sobre o Plano Marshall que reconstruiu a Economia Européia, mas nunca ouvimos sobre o Plano Africano que permitiu que a Europa lutasse contra as hordas de Hitler quando sua economia estava em risco. Quem salvou a Europa? A África, raramente isso é mencionado, a tal ponto que não podemos ser cúmplices desse silêncio sem agradecimento. Se os outros não podem atender às nossas preces, pelo menos podemos dizer que nossos pais foram corajosos e que nossas tropas salvaram a Europa e libertaram o mundo do Nazismo.

A dívida é também resultado de confrontamento. Quando ouvimos falar sobre crise, ninguém fala que essa crise não veio repentinamente. A crise sempre esteve lá e cada vez fica pior a cada vez que as massas populares se tornam conscientes de seus direitos contra seus exploradores. Estamos em crise hoje porque as massas não querem que as riquezas fiquem concentradas nas mãos de poucos indivíduos. Estamos em crise porque algumas pessoas estão mandando somas enormes de dinheiro para contas em bancos estrangeiros que seriam o bastante para desenvolver a África! Estamos em crise porque encaramos essa prosperidade privada que nós não podemos nomear, as massas populares não querem viver em guetos ou favelas. Estamos em crise porque em todo lugar as pessoas se recusam a serem como Soweto encarando Joanesburgo.

Há uma revolta e seu aumento aborrece aqueles com poder financeiro. E nos é pedido que sejamos cúmplices desse "balanço", balanço esse que favorece aqueles com poder financeiro, balançando contra as massas populares. E não! Não podemos ser cúmplices. Não! Não podemos continuar com aqueles que sugam o sangue de nosso povo e vive às custas do suor de nossa gente. Não podemos continuar com eles e seus métodos assassinos.

Senhor Presidente, ouvimos falar de "Clubes" - Clube de Roma, Clube de Paris, Clube de todo lugar. Ouvimos falar de Clube dos Cinco, dos Sete, dos Dez... e talvez até dos Cem. E o que mais? É normal que nós também tenhamos nosso próprio clube e nosso próprio grupo. Façamos Adis Adeba se tornar de agora em diante o centro do que será respirar novos ares... um Clube de Adis Adeba. É nosso dever criar uma Adis Adeba unificada contra a dívida e essa é a única forma de garantir que a recusa do pagamento não será considerada um movimento agressivo de nossa parte, mas um movimento fraternal que dirá a verdade.

Ademais, as massas populares da Europa não são opostas às populares da África. Aqueles que querem a exploração da África são aqueles que exploram a Europa também, temos um inimigo em comum. Então, nosso Clube de Adis Adeba terá que explicar para cada um e todos que a dívida não deverá ser paga e que ao dizermos isso não somos imorais, não somos indignos ou não mantemos nossa palavra. Nós acreditamos que nós temos a mesma moralidade que os outros, não é a mesma moralidade entre os ricos que a entre os pobres.

A Bíblia e O Corão podem servir exploradores e explorados da mesma maneira, se podem ser usados em favor dos dois lados... deveriam haver duas versões diferentes da Bíblia e do Corão. Não podemos aceitar ouvir sobre dignidade e sobre mérito daqueles que pagam e desconfiam daqueles que não. Pelo contrário, devemos reconhecer hoje que é verdade que os maiores ladrões são os mais ricos. Quando um homem pobre rouba, ele é apenas um ladrão, é sobre sobrevivência e necessidade. Quando um rico rouba, é por autoridade fiscal e direitos aduaneiros; são eles quem exploram o povo.

Senhor Presidente, minha proposta não é provocar nem me exibir. Só quero dizer aquilo que cada um de nós pensa e deseja quem aqui não deseja que a dívida seja simplesmente cancelada? Aqueles que não podem entrar em seu jatinhos, ir direto ao Banco Mundial e pagar! Eu não iria querer que as pessoas pensassem que a proposta de Burkina Faso vem de uma juventude sem maturidade ou experiência. Eu não iria querer que as pessoas pensassem nem que apenas revolucionários falam desta forma. Eu quero que cada um perceba que isso é mera objetividade e obrigação. E posso tomar como exemplo outros que disseram para não pagar, revolucionários tanto quanto não revolucionários, jovens tanto quanto velhos... e eu mencionaria como exemplo Fidel Castro que disse para não ao pagamento,e ele não é da minha idade, mesmo que ele seja revolucionário. Mencionaria também Fançois Mitterrand que disse que os países Africanos, países pobres não poderiam pagar. Mencionaria a Madame Primeira Ministra... não sei sua idade, e eu acho falta de educação pergunta-la agora, mas é um exemplo. Mencionaria o Presidente Felix Houphouet-Boigny, ele não é da minha idade também, mas assumiu oficial e publicamente, para seu país pelo menos, Costa do Marfim não pode pagar. E agora A Costa do Marfim está entre os mais ricos países africanos falantes do Francês... e esse é também o motivo do porquê tem que naturalmente pagar mais contribuições aqui.

Senhor Presidente, essa não é uma provocação, eu adoraria que vocês sabiamente nos aconselhassem soluções. Eu desejo que essa conferência adote como necessidade dizer que nós não podemos pagar essa dívida. Não com intenções de guerra, mas para prevenir que nós sejamos individualmente assassinados. Se Burkina Faso se levantar sozinha contra o pagamento, eu não estarei aqui para a próxima conferência! Mas com o suporte de todos, que eu preciso, podemos evitar o pagamento. Com isso nós devolveríamos nossos pequenos recursos ao nosso próprio desenvolvimento... e eu gostaria de terminar dizendo que a cada vez que um país africano compra uma arma essa ação é contra um país africano, não contra um europeu, ou um país asiático... é contra um africano. E como consequência, devemos tomar vantagem do problema da dívida para resolver o problema das armas. Eu sou militar e eu carrego uma arma, mas Senhor Presidente, eu quero que nós nos desarmemos. Porque eu carrego a única arma que tenho e outros escondem as armas que têm.

Meus queridos irmãos, com o suporte de todos, traremos paz à nossa casa. Usaremos essa enorme capacidade para desenvolver a África porque nosso solo e subsolo são ricos. Temos força de trabalho o bastante e um mercado amplo de Norte a Sul, de Leste a Oeste. Temos capacidade intelectual para criar ou pelo menos utilizar a tecnologia e ciência para o que acharmos necessário. Senhor Presidente, vamos estabelecer a Adis Adeba unificada contra a dívida. Façamos de Adis Adeba o comprometimento de limitar o armamento entre os países fracos e pobres. As maças e facas que compramos são inúteis.

Façamos um mercado africano, um mercado de Áfricas. Produzido na África, consumido na África, para a transformação da África.

Vamos produzir o que precisamos e consumir o que produzimos ao invés de importar. Burkina Faso veio aqui representando sua indústria de algodão: produzido em Burkina Faso, fiado em Burkina Faso, trançado em Burkina Faso para vestir Burkineses. Nossa delegação e eu estamos vestindo por nossos tecelãos, nossos camponeses, não há um único fio vindo da Europa ou da América. Eu não faria um desfile de moda... mas eu diria que devemos aceitar viver "africano", a única forma de viver livre e de maneira digna.

Eu agradeço você, Presidente. A nação ou morte, nós superaremos.

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