Manuel Matola
A deputada Joacine Katar Moreira pretende que o governo português planifique a retirada das sete pinturas do Salão Nobre da Assembleia da República para colocar num espaço museológico onde possam ser expostas ao público “com o enquadramento científico e museológico adequados”.
Apelando para que não se normalize as “conhecidas violências do colonialismo português” no pós 25 de abril, Joacine Katar Moreira questiona: “Qual o caráter simbólico da presença destes painéis no Salão Nobre da Assembleia da República?”, visto que “Portugal não é hoje um país colonizador”.
Num Projeto de Resolução submetido hoje à Assembleia da República, Joacine Katar Moreira, historiadora de formação, recomenda ao governo a fazer a “contextualização histórica crítica das pinturas do Salão Nobre da Assembleia da República” e justifica a proposta numa exposição de cinco páginas.
Para a deputada, Portugal necessita de fazer a “recontextualização e enquadramento histórico crítico das peças, pinturas e estátuas da e referentes à época colonial portuguesa presentes nas instituições e coleções públicas” pelo que, recomenda, é preciso que o executivo “planifique a retirada das sete pinturas do Salão Nobre para um espaço museológico, onde os mesmos poderão ser expostos ao público com o enquadramento científico e museológico adequados, passíveis de visitas guiadas e integradas em coleções específicas”.
Joacine Katar Moreira considera que é também imperioso que se criem “condições para a recontextualização e enquadramento histórico crítico das peças, pinturas e estátuas da e referentes à época colonial portuguesa presentes nas instituições e coleções públicas, que tenha em conta a nova historiografia e movimentos sociais para a Descolonização da Cultura”.
A proposta agora apresentada à Assembleia procura recentrar a velha discussão sobre como romper com os símbolos históricos do antes do 25 de abril e que permanecem na sociedade, por isso, a parlamentar recomenda que o executivo português “lute contra o negacionismo historiográfico e público que procura relativizar e escamotear a violência da História colonial nacional”.
“As imagens dos painéis representam a narrativa histórica de que a colonização portuguesa não foi negativa, que deve ser celebrada sem questionamento, mas sobretudo, que ignora, secundariza e relativiza o sofrimento causado a tantos povos, o epistemicídio, a desumanização, a Escravatura e o trabalho forçado, o tráfico de pessoas escravizadas e a exploração dos territórios”, considera Joacine Katar Moreria.
E assinala que “a exposição destas sete pinturas no espaço das receções oficiais – e muitas vezes onde são recebidos Chefes de Estado, diplomatas e entidades oriundas dos países ali humilhados – contribui para a naturalização da subjugação dos povos, a relativização ou omissão da repressão, da opressão e da exploração coloniais, numa perspetiva da história que permanece colonial, que é racista e que é pretensiosamente “só” na negação constante de factos históricos que recordam o passado de violência e subjugação”.
Sendo que “Portugal não é hoje um país colonizador”, diz Joacine Katar Moreira, o país “não deve comportar-se como tal mantendo na Casa da Democracia uma visão que foi e é antidemocrática no contexto da produção destas pinturas e que glorifica o colonialismo”.
“O Salão Nobre da Assembleia da República, projeto do arquiteto Pardal Monteiro e construído nos anos 40 do século XX, é o espaço, por excelência, das receções oficiais, portanto o rosto e espírito institucional” do Parlamento, uma entidade que “é representativa de todos os cidadãos e cidadãs e enquanto instituição do Estado português não pode estar aquém das demandas do seu tempo e afastado das suas conquistas sociais e intelectuais”, considera a deputada não inscrita.
É importante que o governo “incite a Assembleia da República à colocação urgente de textos introdutórios, textos de parede ou tabelas com a recontextualização das sete pinturas presentes no Salão Nobre da Assembleia da República através de uma visão critica da história colonial, que reconheça a violência simbólica e efetiva presente nas peças em exposição”, exorta.
Remetendo para o preâmbulo da Constituição da República Portuguesa, a deputada lembra que “a 25 de Abril de 1974, o Movimento das Forças Armadas” já defendia a importância de “libertar Portugal da ditadura, da opressão e do colonialismo (…)” e primar pelo “início de uma viragem histórica da sociedade portuguesa”.
Por isso, Joacine Katar Moreira propõe que Assembleia da República “possa descrever, analisar e interpretar as peças que expõe, sobretudo aquelas problemáticas, como o são as sete pinturas do seu Salão Nobre, contribuindo para educar as novas gerações e para contrariar a corrente negacionista dos aspetos negativos da História Colonial”.
Em 2020, Joacine Katar Moreira levantou um debate no Parlamento sobre a devolução de toda arte africana que Portugal retirou dos países africanos lusófonos durante a época colonial, uma sugestão entretanto chumbada pela Assembleia da República portuguesa.
Na altura, o deputado André Ventura, líder do Chega, partido da extrema-direita e anti-imigração, propôs que a deputada luso-guineense Joacine Katar Moreira, ainda em representação do partido LIVRE, fosse “devolvida ao seu país de origem” .
A proposta que Joacine Katar Moreira inscreveu no manifesto eleitoral quando ainda estava vinculada ao LIVRE, constava também do programa eleitoral do PAN (Pessoas–Animais–Natureza) às legislativas de 2019, e era semelhante à iniciativa que o Presidente francês, Emmanuel Macron, que na altura pretendia levar a cabo uma ação similar no sentido de restituir todos os artefactos às antigas colónias africanas.
Após a proposta de Joacine Katar Moreira, o líder do único partido português de extrema-direita que é totalmente contra a imigração, comentou numa mensagem feita nas redes sociais.
“Eu proponho que a própria deputada Joacine seja devolvida ao seu país de origem. Seria muito mais tranquilo para todos… inclusivamente para o seu partido! Mas sobretudo para Portugal!”, escreveu André ventura.
O comentário mereceu várias críticas internas e a nível internacional, tendo sido manchete também nos órgãos de referência em França, onde alguns apelidaram de “racistas” as declarações do deputado e presidente do partido Chega. (MM)
Conosaba/Jornaleagora.pt
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