segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

Opinião: DESPOLITIZAR A EDUCAÇÃO DA GUINÉ-BISSAU


Não é um segredo, mas é um conhecimento vulgar ou comum, que o sistema da educação da Guiné-Bissau está invadido pela política, uma situação que, se não for remediada comprometerá o futuro desta jovem nação. Da primária às instituições superiores públicas, as nomeações para a direção destes centros de aprendizagem e de formação se faz, tendo em conta as cores partidárias dos indivíduos pretendentes, independentemente dos seus méritos académicos. Se realmente méritos têm, na maioria dos casos! A título de exemplo deste fato, a história do ano 2021, registou como melhor discurso do ano, aquele proferido pelo diretor do Liceu de Mansoa, nomeado pelo atual executivo. Ao refletir sobre esta situação, as palavras de ordem do nosso saudoso camarada, herói e pai das nacionalidades Bissau-Guineense e Cabo Verdiana, Amílcar Lopes Cabral: “Os que sabem devem ensinar os que não sabem”, soavam-me altamente.

Se na altura, estas palavras podiam ser interpretadas como um apelo ou ordem à participação, segunda as capacidades de cada um, ao esforço da Guerra de libertação, hoje as mesmas palavras podem ser vistas ou entendidas como sendo a visão de Cabral sobre a importância e o papel fundamental que a educação deve ocupar no esforço do desenvolvimento que referiu como o “programa maior do partido”. Amílcar Cabral, percebeu muito cedo, que a Guiné-Bissau independente não pode, nas suas próprias palavras, “pensar com a sua própria cabeça, nem andar com os seus próprios pés” particularmente, neste XXI século, sem uma boa educação relevante à realidade do país.

No presente vigésimo primeiro século, altamente competitivo e regido pelo fenómeno de globalização, somente o estabelecimento de um sistema de educação de qualidade, eficiente, adaptada à realidade nacional e relevante, pode salvar os filhos da Guiné-Bissau e torná-los competitivos no mercado nacional, sub-regional e internacional. O primeiro elemento chave, do empreendimento na senda do desenvolvimento, é o Homem guineense bem formado nas escolas guineenses adaptadas à realidade local. Este Homem será o catapulto, o locomotivo do comboio do progresso nacional. Menosprezar a educação será semelhante a destruição do país como afirmou a seguinte citação encontrada afixada no portão de uma universidade em África do Sul: “Para destruir qualquer nação não é necessário usar bombas atómicas ou mísseis de longo alcance. Basta reduzir a qualidade da sua educação e permitir que os estudantes “cabulem nos exames.”

Em 1999 a seguir a sua vitória a Guerra conhecida como 7 de junho, o Brigadeiro Ansumane Mané convidou o primeiro Presidente da Guiné-Bissau, Luís Cabral, que foi afastado do poder pelo movimento ajustador de 14 de novembro de 1980 que, na altura, se encontrava exilado em Portugal, para vir assistir às comemorações do dia das Forças Armadas Revolucionárias do povo (FARP). O palco central para o evento foi em Gabú, no leste do país. Fui privilegiado para presenciar o evento e pude testemunhar o ato. Quando lhe foi dada a palavra, o então presidente Luís Cabral, em vez de pronunciar um discurso elaborado e relacionado com o evento, o que a maioria da sua audiência esperava, preferiu contar uma história que eu passo a transcrever neste artigo.

Eis a história nas suas próprias palavras: “Num dia, durante os primeiros anos da nossa independência, o Nino Vieira, num dos nossos encontros, pediu-me a autorização para deixá-lo enviar o seu filho estudar no exterior. A minha resposta foi que eu não aceitaria um tal pedido. Passando alguns tempos, ele voltou com o mesmo pedido e disse-lhe que eu nunca mudaria a minha decisão inicial e não atenderia tal pedido a ninguém. Ele foi embora, mas nunca desistiu desta sua ambição e voltou uma terceira vez a insistir no seu pedido, desta vez eu disse ao Nino Vieira que se voltava a me fazer o mesmo pedido seria detido. Pedi-lhe que sentasse e disse-lhe o seguinte: sabes porquê não quero que nenhum governante envie os seus filhos para estudar no exterior? Ele respondeu pela negativa. Disse-lhe que se nós, os governantes comecessássemos a enviar os nossos filhos a estudar no exterior, vamos esquecer de construir escolas na Guiné-Bissau.” Luís Cabral concluiu a sua história perguntando a sua audiência: “Depois que me terem afastado do poder e começaram a enviar seus filhos estudar no estrangeiro, onde estão as escolas na Guiné-Bissau?”

A resposta do público não se fez esperar e em coro: “No esquecimento”. Até hoje, o setor da educação no país parece estar no esquecimento. Sucessivos governos prometeram melhorar o setor, mas a realidade continua a mesma. Prova disso, é a fatia dada ao Ministério de educação nacional no Orçamento do Estado, de vários governos de 1980 até hoje.

Se a primeira palavra de ordem sobre a importância da educação é do Amílcar Cabral no período da luta de libertação, Luís Cabral teria a ambição de concretizar, na Guiné-Bissau independente, esta visão de Cabral, criando uma escola de qualidade. Se Amílcar Cabral, devido a lógica de Guerra, optou por enviar os Guineenses para se formar no exterior, Luís Cabral escolheu localizar a formação estabelecendo um sistema educativo ligado à realidade Bissau-Guineense.

Segundo o Professor, Mahmood Mamdani, o sistema educativo contemporâneo africano iniciou como um projeto colonial, foi um projeto modernista de topo para baixo com a ambição de transformar a sociedade, neste sentido o sistema educativo contemporâneo foi o precursor, a primeira edição da prescrição, uma mesma medida para todos, que foi associado com o programa de ajustamento estrutural do FMI e do BM dos anos 1980. A ambição deste sistema educativo foi criar académicos, homens e mulheres que são a personificação de sucessos da civilização ocidental, cujo único valor será a excelência sem ter em conta com o contexto e estes serão cidadãos mundiais no mundo moderno. Segundo Mamdani, a primeira reflexão crítica deste sistema tomou lugar nos movimentos nacionalistas e independentistas. No seio destes movimentos nacionalistas emergiu dois tipos de intelectuais: intelectuais globais e públicos. Se a marca de intelectuais global é a excelência, aquela de intelectuais públicos é a relevância. A excelência é medida sem ter em conta o contexto e a relevância foi necessariamente contextual. Depois das independências o problema fundamental que os académicos africanos enfrentaram foi como descolonizar o sistema educativo. Até hoje, este combate continua nos círculos académicos africanos. No caso específico da Guiné-Bissau, os nossos académicos e governantes têm uma dupla tarefa: descolonizar e despolitizar o sistema da educação do País.

Na sua obra, intitulada “Novo Manual de investigação”, Gabriel Ribeiro nos recordou que o “…A explosão científica a partir do século XIX foi resultado da separação iniciada pelos iluministas, no século XVIII, entre a fé (Igreja) e a razão (Estado), no século XXI o desafio epistemológico passa pelo reforço da separação entre o poder (política) e a razão (escola).”

Podemos parafrasear, o Professor Ribeiro, escrevendo que, o sucesso e a qualidade do sistema de educação da Guiné-Bissau serão uma realidade quando, os governantes serão capazes de separar a educação e a política e aplicar a fórmula de desenvolvimento de Singapura, a famosa fórmula: P.M.H onde as três letras significam (Pragmatismo, Meritocracia, Honestidade). Uma fórmula difícil aplicar “né”, no nosso contexto de África Ocidental?

Por: Abdou Jarju
Docente nas Universidades, Jean Piaget e Colinas de Boé
Bissau, 17 de dezembro de 2021
Conosaba/odemocratagb

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