Portugal despede-se, esta sexta-feira, de Jorge Sampaio. O antigo Presidente, que era visto como um político discreto, paciente e conciliador, morreu hoje aos 81 anos. Foi advogado, teve uma longa vida de intervenção política que iniciou, ainda estudante, como um dos protagonistas da crise académica nos anos 60.
O antigo Presidente da República Jorge Sampaio morreu, esta sexta-feira, aos 81 anos, depois de um agravamento do seu estado de saúde, avançou à agência Lusa fonte da família. O ex-chefe de Estado estava internado no Hospital de Santa Cruz, em Lisboa, na sequência de problemas respiratórios.
De acordo com a TVI, o corpo do estadista deverá seguir no sábado para o Mosteiro dos Jerónimos, onde decorrerá uma cerimónia não religiosa. Segue-se a ida para o Cemitério do Alto de São João.
Recorde-se que chegou a público, no dia 1 de setembro, que o estado de saúde de Sampaio, internado na Unidade de Cuidados Intensivos Coronários (UCIC), tinha piorado.
O político português tinha sido internado no dia 27 de agosto, no Hospital da capital, depois transferido de helicóptero de uma unidade de saúde do Algarve. Jorge Sampaio estava no sul do país, de férias, quando sentiu dificuldades respiratórias.
Jorge Fernando Branco de Sampaio, que nasceu em Lisboa em 1939, foi Presidente da República durante dois mandatos, entre 1996 e 2006. Em 1989, foi eleito líder do Partido Socialista e na mesma altura foi eleito presidente da Câmara de Lisboa, tendo sido reeleito em 1993.
Após a passagem pela Presidência da República, foi nomeado em 2006 pelo secretário-geral da Organização das Nações Unidas enviado especial para a Luta contra a Tuberculose e entre 2007 e 2013 foi alto representante da ONU para a Aliança das Civilizações.
Já mais recentemente, presidia à Plataforma Global para os Estudantes Sírios, fundada por si em 2013 com o objetivo de contribuir para dar resposta à emergência académica que o conflito na Síria criara, deixando milhares de jovens para trás sem acesso à educação.
Em 2017, o antigo Presidente da República foi operado duas vezes, uma das quais devido a "problemas acrescidos de mobilidade".
O socialista, paciente e conciliador
Jorge Sampaio foi Presidente da República aos 56 anos, no auge de uma longa vida de intervenção política, que iniciou ainda estudante como um dos protagonistas da crise académica nos anos 60.
Era visto como um político discreto, paciente e conciliador, mas preferia descrever-se como um homem coerente e persistente, um "aluno atento da vida" que acredita no diálogo para "fazer pontes".
Foi o que fez, por exemplo, em 1989, quando uniu pela primeira vez o PS ao PCP e a outras forças de esquerda para ganhar a Câmara Municipal de Lisboa.
Jorge Fernando Branco de Sampaio era filho de Arnaldo Sampaio, médico especialista em Saúde Pública e de Fernanda Bensaude Branco de Sampaio, professora particular de inglês.
Foi casado com Maria José Ritta, com quem teve dois filhos, Vera e André. Cresceu em Sintra, estudou piano e aprendeu inglês por influência da mãe, a quem deve o rigor da educação.
Fez os primeiros anos de escola em Sintra e na 'Queen Elizabeth School' e os estudos secundários em Lisboa, nos liceus Pedro Nunes e depois no Passos Manuel, de que gostou mais pelo ambiente de menos rigidez e de mais liberdade, segundo afirmou numa entrevista.
Optou por Direito, preterindo História. No ativismo da vida académica, começou a revelar qualidades de liderança: foi eleito presidente da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa (1960) e secretário-geral da RIA (Reunião Inter-Associações Académicas) por duas vezes (em 1961 e 1962).
Foi um dos protagonistas da crise académica do princípio dos anos 60, que gerou um longo e generalizado movimento de contestação estudantil ao Estado Novo, que durou até ao 25 de Abril de 1974 e que abalou profundamente o regime.
Seguindo o conselho do pai, começou a trabalhar como advogado antes de se dedicar à política, com funções diretivas na Ordem dos Advogados e um papel relevante na defesa de presos políticos no Tribunal Plenário de Lisboa.
Como advogado, a partir de 1963, defendeu casos célebres, como a defesa dos réus do assalto ao Quartel de Beja, o caso da `Capela do Rato´, em que foram presas dezenas de pessoas que protestaram naquela igreja lisboeta contra a guerra colonial e foi no seu escritório que se fizeram os documentos de protesto contra o exílio de Mário Soares, histórico líder socialista e seu antecessor em Belém.
Em 1969, candidatou-se à Assembleia Nacional pela CDE (Comissão Democrática Eleitoral, pró-comunista), desligando-se da linha onde estava Mário Soares, representada pela CEUD (Comissão Eleitoral de Unidade Democrática).
No dia 25 de abril de 1974, Jorge Sampaio foi acordado pelo telefonema de um amigo e saiu de casa para "recolher informações" no seu escritório de advogado, mas não ficou muito tempo.
"Como fui educado no cumprimento da lei, quando o MFA começou a pedir na rádio para as pessoas ficarem em casa, decidi respeitar esse apelo. Devo ter sido a única pessoa que regressou a casa", contou.
Após o 25 de Abril foi um dos impulsionadores do Movimento de Esquerda Socialista [MES], com Eduardo Ferro Rodrigues, Nuno Teotónio Pereira, e José Manuel Galvão Teles, entre outros intelectuais, sindicalistas, católicos progressistas e académicos, de que se desvinculou logo em 1974.
Ainda em 1975, foi secretário de Estado da Cooperação Externa (IV Governo provisório), que abandonou em colisão com o primeiro-ministro Vasco Gonçalves, alinhado com o PCP, e por preferir a linha do 'Grupo dos Nove', como ficou conhecido o setor mais moderado do Movimento das Forças Armadas.
Veio, a seguir, o movimento Intervenção Socialista, com políticos e intelectuais, que pretendia ser `o grilo da consciência´ do PS, fora das fileiras socialistas.
E foi Sampaio, à época naquele movimento, a lançar para a mesa de uma reunião preparatória do desfile comemorativo da Revolução dos Cravos, um `slogan´ que veio a ficar para a História: "25 Abril, Sempre!".
Sempre próximo do PS, só em fevereiro de 1978 formaliza a adesão ao Partido Socialista, assumindo logo de início perante o então primeiro-ministro, Mário Soares, a sua discordância quanto à aliança de governo PS/CDS.
No ano seguinte, foi eleito pela primeira vez deputado à Assembleia da República, tendo sido sucessivamente reeleito até 1991. Em 1979 entrou para a Comissão Nacional e Secretariado Nacional do PS.
Em 1987/88 preside ao grupo parlamentar socialista, assumindo em 1986-87 a responsabilidade das Relações Internacionais.
Em Janeiro de 1989, sucede a Vítor Constâncio, que se tinha demitido do lugar de secretário-geral do partido.
Três anos depois, abandona a liderança dos socialistas na sequência da vitória de António Guterres no Congresso Nacional de 23 de Fevereiro de 1992.
O resultado das legislativas de Outubro de 1991, com a derrota do PS, tinha aumentado a contestação à liderança de Sampaio, com Guterres a assumir-se como alternativa.
O Presidente que lia "romances, poesia e ensaio", como afirmou em 2001, confessou um dia que gostava de "demasiadas coisas" -- todo o tipo de música, grandes caminhadas, futebol (era do Sporting) e urbanismo, fotografia e cinema, tendo Eça de Queiroz, Rodrigues Miguéis e William Shakespeare, James Joyce e Albert Camus como referências na literatura.
Conosaba/noticiasaominuto
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