quarta-feira, 29 de outubro de 2025

Sudão: El-Fasher cai, Darfur mergulha no caos


Imagem extraída de um segundo vídeo difundido na conta do Telegram das Forças de Apoio Rápido (RSF) sudanesas a 26 de Outubro de 2025. AFP - -

El-Fasher – A União Africana (UA) denunciou, esta terça-feira, 28 de Outubro, "atrocidades" e os "crimes de guerra presumidos" ocorridos na cidade sudanesa de El-Fasher, dois dias depois do anúncio da tomada da cidade pelos paramilitares, agora senhores de todo o Darfur. Passados 18 meses de cerco, El-Fasher era a última cidade da vasta região do Darfur que ainda não estava sob o controlo das Forças de Apoio Rápido (FAR), em guerra desde Abril de 2023 contra o exército.

O presidente da Comissão da UA, Mahamoud Ali Youssouf, "condenou com a maior firmeza as graves violações dos direitos humanos e do direito internacional humanitário, incluindo os crimes de guerra presumidos e os assassinatos de civis visados em razão da sua origem étnica".

A cidade de El-Fasher, capital do Darfur do Norte, caiu esta semana nas mãos das Forças de Apoio Rápido (FAR), passados 18 meses de cerco. A tomada da cidade representa uma viragem na guerra civil que opõe, desde Abril de 2023, o exército sudanês, liderado por Abdel Fattah al-Bourhane, e as Forças de Apoio Rápido (FAR), comandadas por Mohammed Hamdan Daglo, conhecido como Hemetti.

As Forças de Apoio Rápido têm origem nos Janjawid, milícias árabes criadas no início dos anos 2000 e responsáveis por massacres durante o primeiro conflito do Darfur. Desde então foram integradas formalmente nas orças armadas, mantendo autonomia operacional e controlo sobre uma grande parte do território.

Antes do conflito, El-Fasher tinha cerca de 1,5 milhão de habitantes, funcionava como principal centro humanitário da região. Hoje, encontra-se praticamente destruída. A ONU estima que 260.000 civis, metade crianças, viviam na cidade à data da queda. O acesso à água, electricidade e alimentos foi cortado. Hospitais e mercados foram alvo de bombardeamentos.

Os relatos recolhidos por organizações locais e internacionais descrevem execuções sumárias, violências sexuais, saques e ataques com motivação étnica. As imagens verificadas por agências de notícias internacionais mostram colunas de civis a fugir pelo deserto sob fogo cruzado.

O conflito sudanês ultrapassa a rivalidade entre dois generais. Está enraizado em rivalidades étnicas e no controlo dos recursos naturais: sobretudo ouro, petróleo e rotas comerciais. O Darfur, região historicamente marginalizada, historicamente afastado do poder central em Cartum, foi deixado à margem do desenvolvimento e da representação política, voltou a ser palco de limpeza étnica em larga escala. As Forças de Apoio Rápido, compostas maioritariamente por combatentes árabes, têm sido acusadas de ataques sistemáticos contra populações Zaghawa e Masalit.

Um relatório de peritos da ONU, publicado no mês passado, em Setembro, acusa as FAR de crimes contra a humanidade, incluindo assassínio em massa, violações e uso da fome como arma de guerra.

A resposta internacional tem sido mínima: Os apelos da ONU e de organizações humanitárias para a criação de corredores seguros não tiveram seguimento. O bloqueio imposto pelas Forças de Apoio Rápido impede a entrada de ajuda e combustível. As equipas médicas trabalham muitas vezes em abrigos improvisados.

A Unicef descreve El-Fasher como “o abismo do inferno”. A ONU alerta para o risco de fome e para a expansão do conflito para outras regiões.

A cobertura jornalística tornou-se quase impossível, uma vez que vários repórteres desapareceram, entre eles Noun Al-Barmaki, jornalista independente que enviou a última mensagem antes de tentar abandonar a cidade: “Parto agora. Posso ser presa ou morta. Mas o mundo precisa de saber.”

Enquanto o Sudão se afunda numa das piores crises humanitárias do século, El-Fasher simboliza a falência do Estado e a indiferença internacional perante um conflito que já provocou dezenas de milhares de mortos e milhões de deslocados.

rfi.fr/pt

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