Não se aprendeu nada com as lições do passado. A História parece repetir-se com a mesma insistência dolorosa, como se a humanidade estivesse condenada a não reconhecer os erros cometidos.
As guerras continuam a ser decididas por um pequeno grupo de líderes políticos, alheios ao sofrimento das populações civis, mas cientes do poder geopolítico que pretendem manter ou expandir. Hoje, tal como ontem, vemos a Europa envolvida em conflitos que não são seus, mas cujas consequências serão, inevitavelmente, sentidas no seu território e no seu povo.
Basta recuar a março de 2003. Nessa tarde, os olhos do mundo fixaram-se na Base das Lajes, nos Açores. Ali, no meio do Atlântico, George W. Bush, Tony Blair e José María Aznar, acolhidos por Durão Barroso, então primeiro-ministro de Portugal, protagonizaram a chamada “Cimeira da Guerra”.
Um encontro que entrou para a História como o momento decisivo em que se consolidou a invasão do Iraque. Dias depois, a 20 de março, teve início a intervenção militar, conduzida por uma coligação internacional liderada pelos Estados Unidos e pelo Reino Unido, com apoio de países como Espanha e Portugal.
A operação conduziu à ocupação do Iraque, ao derrube do regime de Saddam Hussein e à morte de centenas de milhares de inocentes. Tudo justificado por alegações de “armas de destruição maciça” que nunca existiram. Foi o exemplo mais claro de como a manipulação da narrativa política pode arrastar nações inteiras para guerras sem legitimidade moral. Portugal, ao ceder a sua base militar nos Açores, assumiu um papel cúmplice que ficará gravado na sua história diplomática.
Vinte anos depois, assistimos ao mesmo padrão. Em pleno conflito Israel-Palestina, com ataques que já foram classificados por organizações internacionais e pela opinião pública mundial como atos de genocídio contra o povo palestiniano, Portugal volta a abrir as portas da Base das Lajes a aviões militares norte-americanos. O atual ministro da Defesa autorizou a passagem de três aeronaves dos EUA, que, segundo diversas vozes críticas, são utilizadas no apoio direto às operações que têm ceifado milhares de vidas em Gaza.
Esta decisão reaviva memórias amargas. Tal como em 2003, Portugal surge mais uma vez como cúmplice silencioso de estratégias militares que ultrapassam a sua soberania, mas que comprometem a sua imagem internacional e a sua integridade moral. A Europa, por sua vez, mantém-se refém da sua incapacidade de se libertar da dependência geopolítica dos EUA, assumindo papéis secundários, mas com consequências devastadoras.
As guerras na Ucrânia e em Gaza são retratos atuais de uma mesma lógica: a resolução dos conflitos pelo poder das armas, ignorando negociações diplomáticas e o direito internacional.
E mais uma vez, os custos recaem sobre as populações civis, sobre os refugiados, sobre os inocentes que nada têm a ver com decisões tomadas em gabinetes distantes.
É legítimo questionar: que lições foram aprendidas com o Iraque?
Com a destruição da Líbia? Com o prolongado conflito no Afeganistão?
A resposta parece ser clara — nenhuma. A História repete-se porque os interesses que movem as guerras permanecem os mesmos: petróleo, território, hegemonia política e económica.
Portugal, pequeno nação atlântica com lugar estratégico, não pode continuar a servir de mero peão neste tabuleiro. Ao permitir a utilização da Base das Lajes em operações militares que alimentam genocídios, o país mancha a sua própria consciência coletiva. Mais do que um ato político, é uma questão moral.
A Europa, já fragilizada por divisões internas e crises sucessivas, corre o risco de mergulhar ainda mais num cenário negro, como já alertam vários analistas. Ao invés de se assumir como força promotora da paz e do diálogo, deixa-se arrastar para a cumplicidade nas guerras dos outros.
Se a Cimeira das Lajes em 2003 ficou como símbolo de um erro histórico, que não se repita agora a mesma marca indelével. É tempo de dizer basta. É tempo de exigir que a política externa portuguesa e europeia seja pautada pela defesa da paz, dos direitos humanos e da soberania dos povos, em vez da submissão a interesses militares estrangeiros.

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