Bia Djassi, da Casa da Cultura da Guiné-Bissau, coordenadora do Ciclo de Cinema Imagens da Guiné-Bissau, e Onésio Caetano Soda, co-curador. © Luís Guita
https://youtube.com/shorts/oFjGhI0_VM0?si=wYV68A2Se3FPFtqf
“Imagens da Guiné-Bissau: Memória, Consciência e Futuro” é o nome do ciclo de cinema que reúne uma selecção de filmes que refletem sobre o passado colonial e a identidade guineense, mas também são ferramentas para pensar o presente e perspectivar o futuro. Até 18 de outubro, o Museu Nacional de Etnologia, em Lisboa, recebe, em parceria com a Casa da Cultura da Guiné-Bissau, o Ciclo de Cinema cuja seleção de filmes teve a curadoria de Onésio Soda e Welket Bungé.
O ciclo inclui filmes realizados por Flora Gomes, Sana Na N’Hada, José Magro, José Bolama, Djalma Fettermann e Josefina Lopes Crato.
Em cada sessão, para além das exibições, há um momento de conversa com convidados especiais.
A RFI falou com Onésio Soda, que partilha a curadoria do Ciclo com Welket Bungué, e com Bia Djassi, da Casa da Cultura da Guiné-Bissau que começa por revelar como nasceu o Ciclo de Cinema “Imagens da Guiné-Bissau: Memória, Consciência e Futuro”.
Bia Djassi, Casa da Cultura da Guiné-Bissau:
Já o ano passado tínhamos realizado um ciclo de cinema e este ano surgiu a hipótese de ter acesso à filmografia do Flora Gomes. A partir daí começámos a pensar em fazer uma coisa diferente daquilo que foi feito o ano passado. Tudo começou aí. Depois começámos a pensar que não faria muito sentido ter apenas a filmografia do Flora Gomes e começámos a tentar perceber que outros cineastas é que iríamos conseguir agregar.
Chegámos ao Sana Na N’Hada. Outros foram também pensados e contactados mas não foi possível por diversos motivos.
Pensámos tudo isto em simultâneo. Quem seriam os curadores que íamos convidar? Convidámos inicialmente o Onésio. Depois fizemos um convite à Fundação Mo AC Biss (“ Mostra de Arte e Cultura da Guiné-Bissau) que teve a primeira Bienal de Arte e Cultura da Guiné-Bissau, que foi este ano em maio, em Bissau. A possibilidade de os convidarmos para serem nossos parceiros.
Nesse sentido, sendo o Welket Bungé um dos membros também da Fundação MoAC Biss, ficou o Welket também como curador deste ciclo de cinema em conjunto com o Onésio. Depois, a partir daí, foi tudo, digamos que, dividido e pensado por eles enquanto curadores.
Como a Casa da Cultura ainda não tem paredes mas temos sempre quem caminha connosco - estou sempre a dizer isto - fizemos um pedido de cedência de espaço ao Museu Nacional de Etnologia, que foi prontamente aceite por eles.
Abriram-nos as portas e a partir daí começámos a delinear o ciclo de cinema Imagens da Guiné-Bissau.
O Onésio Soda, a par do Welket Bungué, faz a curadoria deste ciclo de cinema.
O Welket Bungué não pode estar presente neste momento, está o Onésio Soda. Onésio, como é que pensaram a selecção dos filmes?
Onésio Soda, co-curador do Ciclo de Cinema “Imagens da Guiné-Bissau: Memória, Consciência e Futuro”:
Nós estivemos a pensar as imagens da Guiné e, pensando na imagem, pensámos também na memória, assim como também na consciência e no futuro. Tudo começou por aí. O que seleccionámos tem muito a ver com aquilo que é a memória da luta e da libertação, como também do Amílcar Cabral. Os filmes que estão seleccionados tem essa linha da memória. Porque, se vamos ver o momento que estamos a viver, um momento muito da questão da identidade, todo o mundo anda à procura da identidade.
A memória, neste caso, entra como um trampolim para chegarmos a esse futuro. Os filmes mostram isso mostram aquilo que foi a nossa memória colectiva como guineenses. São também os filmes que mostram os valores daquilo que foi a unidade dos guineenses e daquilo também que foi a honra.
Esses valores é que vão formar a nossa consciência. Nós percebemos assim. E dessa consciência é que podemos escrever um futuro em que vamos ser mais unidos.
Se pensamos, os filmes têm uma narrativa que é ligada àquilo que nos une, àquilo que nos vai levar a pensar de uns aos outros. Por exemplo, A República di Mininus (Flora Gomes) é um filme que mostra aquilo que é a responsabilidade das crianças com os líderes e também das próprias crianças. Neste caso, que têm de fazer para o desenvolvimento.
E temos também A Pegada de Todos os Tempos (Flora Gomes), um filme pan-africano que mostra, mais ou menos, aquilo que é a ideia da linhagem, da memória também. Isso com os outros filmes como Nha Fala (Flora Gomes) que é um filme, posso dizer assim, mítico mas também que mostra aquilo que é a voz de uma mulher. É uma sessão que temos para falar da mulher. Temos Bissau d’Isabel (Sana Na N’hada) que é um filme também que mostra aquilo que é a trajetória da mulher guineense, a sua vida, e como é que o próprio crioulo, a partir da luta de libertação, cresceu. Cada etnia tem uma forma de falar o crioulo.
E não só, também o (filme) Nome (Sana Na N’hada) que é um documentário da Luta e Libertação. O nome do filme é Nome, mas os personagens também são chamados de nome em diferentes línguas étnicas do nosso país, e vão sempre buscar aquilo que é a unidade. Para nós faz muito sentido falar de uma coisa que traz uma memória boa, não só do nosso país como de uma memória que pode ser para todo mundo.
E os valores que são retratados nos filmes, também faz sentido termos isso na exibição.
Falámos de realizadores guineenses, tudo homens. Onde é que está o espaço para as mulheres guineenses realizadoras? Porque é que há essa falta?
Onésio Soda:
Nós, logo no início, tivemos quatro pioneiros e lá está uma mulher que é Josefina Crato.
Nós tivemos isso. Bom, na minha opinião pessoal, eu posso dizer que não há um mercado do cinema guineense. A maior parte dos filmes que os realizadores fazem são, por exemplo, filmes encomendados. E também há uns filmes que não são uma produção que eu possa dizer independente. Mas há mulheres que fazem isso.
Por exemplo, na literatura já tínhamos Domingas Samy, que já publicava em 1973. Actualmente temos a Babetida, Babetida Sadjo com quem eu já estive num workshop. Já estive com mulheres mas são as mulheres que já escreveram, na verdade. Já têm um trabalho. Embora não seja publicado, nós sabemos. Há muita dificuldade. É um acto heroico quando se faz um filme na Guiné.
E as mulheres sempre trabalharam. Por exemplo, Baptida eu conheci e também a Lizidória (Mendes), que é mais da literatura, estivemos também num workshop de cinema. Isso explica. Todo o mundo tem um desafio a cumprir. Na nova geração temos Baptida, está a fazer um trabalho fenomenal. Também há pessoas a escrever, talvez seja uma questão de tempo para vermos a publicação dos trabalhos dessas mulheres.
O Onésio Soda é realizador e escreve. Tem coisas para breve ou a acontecer?
Onésio Soda:
Tenho uma mini-série que estou a trabalhar no momento. Já tem o primeiro episódio. O nome da série é Marcha. Marcha com os dois pés. Um é do sacrifício e o outro é do humanismo. Nós sabemos que estamos a viver numa era de desumanização das pessoas e eu percebi que há valores que temos que contar. O Amilcar Cabral, neste caso, tem frases mesmo célebres em que dizia que ele vai dar força e coragem por causa da humanidade.
Ele, desde sempre, dizia que a sua luta não era contra o povo português. Ele percebia que nem todos os portugueses tinham a ideia da luta. Ele pensava que, independentemente de sermos portugueses, guineenses, africanos, europeus, somos, no fundo, o ser humano. Para ele se celebrarmos o humanismo, no fundo somos o ser humano. É isso que nos une, independentemente de sermos africanos ou sermos europeus. Marcha é nesse sentido de marcharmos para o humanismo.
Por: Luís Guita
RFI
Sem comentários:
Enviar um comentário