[ENTREVISTA_janeiro_2022] O especialista em relações internacionais e professor universitário, Abdou Jarju, disse que as sanções políticas e económicas impostas ao Mali pela Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) e pela União Económica Monetária Oeste Africana (UEMOA) podem levar as autoridades malianas a sentirem-se sozinhas e radicalizarem-se ao ponto de desagregar-se das duas organizações, particularmente e sair da moeda Franco CFA e adotar moeda própria.
“O Mali está a analisar as alternativas para sair do Franco CFA. É bom não esquecer que o Mali já tinha saído de Franco CFA em 1962 e só voltou em 1984. Mali tinha a sua própria moeda chamada franco maliano. Nas manifestações de solidariedade aos militares, as pessoas exibiram essa moeda e pediram às autoridades do país para sair do Franco CFA e ter moeda própria”, alertou o também antigo Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da Gâmbia para a Guiné-Bissau, Guiné-Conacri e Cabo Verde.
Assegurou neste particular que as pressões e sanções contra as autoridades de transição podem levar o governo maliano a romper a cooperação económica e de defesa com a França, como também desfazer-se da cooperação com os seus vizinhos da CEDEAO e abrir-se para os países que manifestaram disponibilidade para cooperar com eles, neste caso, a Argélia, a Mauritânia e a Guiné-Conacri.
SANÇÕES CONTRA MALI PREJUDICAM A ECONOMIA SENEGALESA EM MAIS DE 400 BILIÕES DE FCFA
Abdou Jarju disse que a decisão da CEDEAO e da UEMOA são instruções provenientes de Paris e executadas pelos seus “governadores” da África Ocidental contra um Estado soberano e membro fundador daquelas mesmas organizações, tendo lembrado que o ministro francês das relações internacionais havia dito, antes mesmo desta decisão, que haveria sanções pesadas da CEDEAO e da UEMOA contra o Estado do Mali.
“Os chefes de Estado e do Governo deveriam pelo menos recusar a pressão da França de impor pesadas sanções contra um Estado membro. Segundo o primeiro-ministro do Mali, o Mali não estava na agenda desta cimeira, porque a cimeira era dedicada à Guiné-Conacri. A questão do Mali foi introduzida de repente devido à pressão de Paris que queria que as sanções contra o Mali fossem executadas de forma rápida”, disse o também antigo Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da Gâmbia para a Guiné-Bissau, Guiné-Conacri e Cabo Verde.
“Esta sanção visa particularmente sufocar as autoridades malianas. Imagina, até as instituições financeiras foram envolvidas neste jogo político, desde a UEMOA e o BCEAO que decidiram cortar as relações com o Mali”, revelou, para de seguida avançar que o embargo aplicado ao Mali levou o povo a solidarizar-se com as suas autoridades. Acrescentou que essa decisão forjada obriga o governo maliano a escolher qualquer outro aliado forte, disponível para abraçar a sua causa e ajudá-lo na luta contra o terrorismo, bem como a encontrar outro parceiro para cooperar nos aspetos económicos.
Abdou Jarju lembrou que as autoridades malianas estão firmes na sua posição e estão mesmo à frente de todas as decisões da CEDEAO, “porque naquele dia que a CEDEAO tomou essa decisão e antes de retirar os seus Embaixadores, o governo do Mali já tinha tomado a iniciativa e deu 24 horas aos Embaixadores dos países da CEDEAO para saírem do país”.
O antigo embaixador explicou que o Mali tem uma longa linha de fronteira com os países vizinhos, particularmente a Argélia, país com o qual partilha uma longa linha de fronteira ao longo de 1329 quilómetros, com a Mauritânia são 2237 quilómetros, a Guiné-Conacri são 858 quilómetros e com o Senegal são 480 quilómetros que é a fronteira mais curta.
Relativamente às trocas comerciais, explicou que as trocas comerciais entre o Senegal e o Mali no ano 2020, são 474 biliões de Francos CFA, enquanto que as trocas comerciais do Senegal com a União Europeia são de 264 biliões de FCFA e com a França são 44 biliões de FCFA.
“As exportações do Senegal com a Costa de Marfim são 91 biliões de francos CFA, com a Gâmbia são 38,9 biliões de FCFA e com o Burkina Faso 36, 3 biliões. O Mali é o principal parceiro económico do Senegal e que fornece ao Senegal um grande capital, portanto nota-se que essas sanções afetam muito o Senegal que se deixou levar nesse jogo”, referiu o professor universitário, adiantando que atualmente os próprios comerciantes e homens de negócios senegaleses estão a sofrer muito com estas sanções, por isso nota-se uma pressão interna no Senegal contra essas sanções.
CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS NÃO IMPEDE QUALQUER PAÍS SOBERANO DE SE ALIAR A OUTRO PAÍS
Em relação geopolítica, assegurou que o problema real daquela zona tem a ver com os interesses dos ocidentais sobre a banda do Sahel que dispõe de muita riqueza em termos de recursos naturais. Enfatizou que a riqueza disponível naquela zona, desde ouro, petróleo, magnésio, ferro e urânio, são as principais razões da instabilidade daquela zona, em particular nas linhas de fronteiras.
“Sabemos todos que o ocidente nunca deixará que os seus militares morram em África pelo sentimento dos africanos, mas estão ali pelos seus próprios interesses à volta dos recursos disponíveis naquela zona”, afirmou.
Assegurou que as atuais autoridades malianas, em particular os militares, viram que durante 10 anos de luta contra os terroristas com apoio do exército francês, dos países do ocidente e da CEDEAO não houve progressos e ao contrário estão a perder terreno e homens a cada dia, por isso decidiram mudar a estratégia e foram procurar outros aliados que os ajudem com materiais e conselhos militares para enfrentar os jihadistas.
“Mesmo com a presença de exército francês em quantidade, o Mali continua a perder terreno e homens. As autoridades foram procurar a Rússia para auxilia-los nessa luta contra os terroristas e isso não caiu bem à França e ao ocidente. Primeiramente disseram aos malianos que sairiam e como não surtiu efeito resolveram pressionar a CEDEAO”, contou.
O professor universitário disse que as autoridades de transição do Mali, com o apoio da Rússia, conseguiram obter avanços inéditos na luta contra os terroristas e apenas em menos de três meses conseguiram resultados que não foram conseguidos em dez anos de guerra.
“O Presidente Goita não fala, mas há um avanço militar espectacular durante estes dois meses com a chegada dos russos. Isso não contentou os franceses e os ocidentais em geral, por isso querem punir as autoridades malianas. Os instrumentos encontrados são essas sanções que assistimos, instruídas por Paris aos seus “Governadores” da CEDEAO para executar contra o Mali, mas os chefes de Estado deveriam recusar e dizer que são soberanos não poderiam aceitar a decisão da França contra um Estado membro”, criticou.
Explicou ainda que as autoridades malianas anunciaram que vão renegociar o acordo de cooperação com a França, como também ameaçaram romper o mesmo se for necessário e denunciar o acordo da cooperação de defesa e económico existente entre a França e o Mali.
“O Mali está a analisar as alternativas para sair do Franco CFA. É bom não esquecer que o Mali já tinha saído de Franco CFA em 1962 e só voltou em 1984. O Mali tinha a sua própria moeda, chamado franco maliano. Nas manifestações de solidariedade aos militares, as pessoas exibiram essa moeda e pediram às autoridades do país para sair do Francos CFA e ter moeda própria “, enfatizou.
Informou que a Mauritânia, a Guiné-Conacri e Argélia já se distanciaram da decisão da CEDEAO e mantêm as suas fronteiras com o Mali abertas, acrescentando que as autoridades malianas podem muito bem aproveitar as aberturas destes países e de outras potências económicas disponíveis para colaborar com o Mali. Recordou ainda que no Conselho de Segurança, a China e a Rússia vetaram a proposta da França de apoiar as sanções da CEDEAO, tendo frisado que a Carta das Nações Unidas não impede qualquer país soberano de aliar-se a outro país membro da ONU.
FRANÇA IMPEDE AS AUTORIDADES DE MALI DE CHEGAR ÀS REGIÕES DE TOMBOUCTOU E GAUAL
Questionado se a imposição da França em relação ao Mali não poderá obrigar esse país a radicalizar-se mais e romper o acordo sobre a exploração do urânio e a cooperação de defesa e económica, o especialista em relações internacionais defendeu que seria muito bom para o Mali, porque “nós os países africanos temos que começar a pensar em estabelecer parcerias com os países que nos vêm como iguais, uma cooperação de ganha-ganha”.
Abdou Jarju alertou que muita gente está ignorar a intervenção da Wagner, uma empresa militar privada supostamente ligada à Rússia, com fotografias em apoio, tinha mostrado ao Presidente de transição do Mali, o coronel Assimi Goita, que este grupo de bandos (países do ocidente, nomeadamente, a França e outros) estava a roubar e a explorar os recursos do Mali.
O professor universitário denunciou que a França e outros países do Ocidente que estão por trás desse jogo pretendem impor um Presidente ao Mali que tenha a mesma intenção para continuarem a explorar os recursos deste país da Costa Ocidental da África, mas Goita já sabe disso.
O especialista em relações internacionais denunciou igualmente que a França e as tropas ocidentais impuseram às autoridades malianas limites de circulação e impediram-nas de chegar às regiões de Tombouctou e Gaual, porque “dividiram o país e estão a explorar os seus recursos”.
“Infelizmente são fatos que a imprensa ou média europeia não noticia nos seus órgãos. É aqui que deveria ter entrado a média africana para mostrar a sua importância para quebrar esses instrumentos de dominação que os europeus têm”, sublinhou e disse que a França tem usado o mecanismo, o chamado cooperação francesa, como um instrumento de dominação e a imprensa local entra como um elemento de propaganda para caricaturar os presidentes africanos que não se alinham com políticas do ocidente.
Abdou Jarju frisou que o programa de cooperação que a França utiliza não é um programa de cooperação, mas sim, uma dominação e porque também sabe que a soberania de um país baseia-se em três elementos: a política, a política monetária e a política de defesa e segurança.
“A França como sabe disso baseou justamente a sua cooperação nessas áreas: economia, monetária e defesa e quem protege essa dominação são as forças armadas francesas. Em toda a África temos presença de militares franceses estacionados para proteger o império colonial francês e temos ainda o franco CFA fabricado em França, imposto aos países africanos que devem guardar 50% da sua reserva em França”, afirmou.
O antigo embaixador da Gâmbia na Guiné-Bissau disse que nos primeiros momentos da Covid-19, quando os países francos foram à França solicitar que precisavam de retirar as suas reservas do tesouro francês, a França recusou e mostrou disponibilidade de autorizar apenas a retirada de 25% da reserva de cada país membro da UEMOA, que seria em forma de empréstimo com juros.
“Imaginem a Guiné-Bissau que aderiu à moeda única, o Franco CFA, deposita 50 por cento da sua reserva no tesouro deste país e depois vai à França pedir que lhe dê esse dinheiro que é seu e a França diz que não e autoriza apenas 25%, a título de empréstimo com juros”, lamentou.
Em relação àquilo que tem sido o papel ou atuação da CEDEAO na sub-região, Abdou Jarju defendeu que é chegada a altura de a juventude africana se levantar para exigir reformas na organização, porque muitos analistas já haviam alertado que a guerra que o continente está a enfrentar hoje é uma guerra geracional.
“As gerações africanas atuais são muito educadas e intelectuais que vêem que continuamos a estar no jogo colonial ou neocolonial do ocidente. Estou a referir-me a uma guerra geopolítica externa e interna”, salientou.
Para ex-embaixador da Gâmbia no país, a Guiné-Bissau deveria ter ponderado a sua entrada no franco CFA porque não coaduna com os princípios que nortearam a luta de libertação e lembrou que Amílcar Cabral já havia alertado sobre esse fato e disse que não seria justo que a Guiné-Bissau alinhasse com essas sanções, mas deveria jogar o papel de um país apaziguador.
Apesar das sanções impostas ao Mali, Abdou Jarju abre a possibilidade de o Mali vir a passar a exportar a partir da Guiné-Conacri.
“É isso que vai acontecer. A Mauritânia já disse que as suas fronteiras estão abertas ao Mali e a Argélia também. Os trezentos camiões que saem diariamente do Senegal para o Mali estão bloqueados. As reivindicações já se fazem sentir no Senegal, o que revela que as consequências dessas sanções podem recair sobre este país que pode ver a sua economia baixar”, referiu.
O ex-embaixador acusou a França de estar por trás das ações dos terroristas instalados no norte do Mali, porque “a França, uma potência mundial, a lutar dez anos contra os terroristas e não ganha a guerra e as coisas estão como estão, provou que é o único responsável por tudo que está a acontecer no Mali”.
“Quem arma os terroristas?… Nós, a Guiné-Bissau, a Gâmbia e o Senegal, temos a sorte de não termos petróleo em quantidade, ferro e outros recursos como aquela banda, por isso não corremos riscos que têm o Mali e outros países que gozam desses recursos. Felizmente os terroristas não podem avançar porque estão controlados e alguns já estão a fugir e isso incomoda a França e o Ocidente”, notou.
Por: Assana Sambú/Filomeno Sambú
Conosaba/odemocratagb
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