quarta-feira, 20 de abril de 2016

«OPINIÃO» "ENTRELINHAS DO DISCURSO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA" - Abdelaziz Vera Cruz

Abdelaziz Vera Cruz
Para percebemos um discurso é necessário conhecermos o contexto da sua enunciação e o discurso político não foge à regra, quem não conhece o contexto político da Guiné-Bissau dificilmente poderá analisar ou chegar às entrelinhas do discurso de Sua Excelência Senhor Presidente da República. 

Para começar, parece-me que Presidente da República não centralizou a sua atenção na "substância das questões de interesse nacionais", ou seja, se tivesse em consideração esse aspeto não estaria a gastar muito tempo do seu discurso numa troca de palavras com a ANP relativamente à convocação ou não da sessão extraordinária, até ao ponto de recorrer aos manuais portugueses para explicitar como ele poderia gozar de um direito (convocar a sessão extraordinária da ANP), aliás todo o argumento apresentado por Presidente da República é zero, porque nós não temos nenhum órgão chamado Assembleia da República, mas sim Assembleia Nacional Popular, a nossa constituição não é igual à de Portugal, as nossas leis não são iguais às de Portugal. Se ele quisesse "encontrar, na base do diálogo político, fórmulas de resolução das nossas diferenças e problemas" poderia resolver essa questão com a Mesa da ANP, sem passar pela praça pública, pouparia assim o país e o povo a mais um problema de desentendimento político e jurídico. Até parece que, agora, o STJ deveria estar sempre presente em todos os atos de cada um dos órgãos de soberania para que pudessem fazer as coisas direitas. Tudo o que indica, de acordo com o discurso do Presidente da República, os seus assessores jurídicos estão mais avançados, por isso, trabalham apenas com as normas portuguesas, porque as nossas estão atrasadas e caducadas!

Presidente da República faz uma exposição da sua chamada de atenção aos atores políticos para "promoverem a cultura de diálogo e a coesão interna" e pergunto: como promover a cultura de diálogo sem diálogo? E coesão interna aonde? Nos partidos políticos? Na ANP? No Governo? Nos Tribunais? Ou na Presidência? Mas se formos para as entrelinhas podemos afirmar que a coesão interna a que Presidente da República pretende referir-se no seu discurso é a que se encontra no seio do PAIGC, esqueceu-se simplesmente que ele é Presidente de todos os guineenses e não de um grupinho do partido. Melhor dizendo, Presidente da República tomou partido claramente ao declarar que procurou juristas que "não são parte da luta política interna, não têm interesse, é bom referi-lo, não têm interesse no resultado dessa luta política". Com que finalidade procurou o parecer jurídico? Quem faz parte da luta política interna? Por um lado, estão Presidente e os 15, por outro estão o PAIGC e a Mesa da ANP, entretanto, Presidente da República esqueceu-se simplesmente que foi eleito para ser árbitro de todo o jogo político e não para ser parte de uma luta política. Foi eleito para ajudar a procurar e promover as soluções políticas viáveis e não para ser o bloqueio de uma solução política ou arquiteto de arranjos parlamentares.

O Presidente refere "consensos políticos duradoiros que promovam e garantam a estabilidade político-governativa até ao fim da presente legislatura", esquecendo-se de que esta legislatura já está viciada, logo não há nenhuma solução a não ser por via das urnas, devolver o poder ao povo através de eleições legislativas. Contudo, não podemos estar a fazer eleições para vir a recorrer aos arranjos desarranjados, arranjos coxos que a priori não têm pernas para andar.

Presidente declara abertamente que, caso o PAIGC não abra a mão para integrar os 15 – quer a nível da sua bancada, quer a nível do Governo – haverá outra configuração parlamentar que resultará num arranjo no seio do parlamento que terá como finalidade sustentar um Governo que vai ser criado, por ele. Ora vejamos "poderemos ser forçados, dentro do quadro parlamentar, a considerar outras opções governativas", por isso, ele não tenciona dissolver o parlamento.

Para terminar, o presidente apresenta duas soluções: uma em que ele se sentirá confortável com a integração dos 15 dentro do Governo, porque no parlamento o STJ já ditou a sentença (vão continuar como deputados) e outro em que ele refere "desordem parlamentar" em que ele é obrigado a assumir a sua responsabilidade como Presidente da República. Portanto, há uma coisa que ficou por esclarecer, os 15 já não fazem parte do PAIGC e não fazem parte também do PRS. E agora Presidente? Em que é que ficamos? 
 
Tudo isto mostra que o discurso de Presidente da República não contribuiu para promover o tal almejado diálogo político, porque falta uma tomada de decisão em pôr fim à dita crise política, que no fundo é a crise do cruzamento de interesses dos nossos políticos.
Nostan!!!

Abdelaziz Vera Cruz

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