segunda-feira, 13 de abril de 2020

NÃO À POLITIZAÇÃO DA PANDEMIA NA GUINÉ-BISSAU. NÃO AO PANDEMÓNIO.

Durante esta semana deparei-me com publicações no Twitter do sociólogo guineense Dr. Miguel Barros e da ex-Ministra da Saúde Dra. Magda Nely Robalo, em que estranhavam ou criticavam o facto de os doentes diagnosticados com Coronavírus não estarem a ser tratados em regime de internamento! Aliás, a ex-Ministra da Saúde Pública já tinha afirmado numa entrevista o seguinte: "Infelizmente, temos uma resposta que está lutando para se encaixar. Tivemos ontem (terça-feira, 24 de março de 2020) dois casos positivos de coronavírus, duas pessoas que estavam confinadas em suas casas e não em um estabelecimento de saúde. Por uma boa razão, ainda não finalizamos as obras de reforma do pavilhão dedicado que estava sendo montado no hospital Simão Mendes. É uma pena que tenhamos os primeiros casos confirmados que não podem ser isolados e tratados no hospital."


Também li um artigo do jornalista e líder partidário Umaro Djau, com o título Guiné-Bissau & COVID-19: Onde estarão os Ventiladores Mecânicos?

Hoje, que arranjei um pouco de tempo, proponho-me a desmontar os mitos retratados nessas publicações.
Quanto ao primeiro mito dos Drs. Miguel de Barros e Magda Nely Robalo, gostaria de esclarecê-los que o contacto com o vírus SARS-COV2 pode ou não provocar doença denominada COVID, que se pode manifestar de forma diferente, desde pessoas assintomáticas, à doença ligeira, doença com gravidade, doença crítica e evolução ou não para a morte. Segundo os dados da literatura, 81% dos casos infetados, apresentam-se sem sintomas ou na sua forma ligeira, 14% na sua forma grave e 5% de casos que justificam admissão numa Unidade de Cuidados Intensivos e a mortalidade estimada anda entre 2,3% a 3,4% dos infetados, conforme a série.

Ora, sabe-se que é boa prática, que os casos assintomáticos e ligeiros que perfazem 81% de todos os casos, tendo condições de isolamento domiciliário, sem colocar em risco a família e a população, não devem ser internados, pelo que não entendo a preocupação da ex-Ministra da Saúde, em querer que os dois primeiros casos de SARS-COV2 detetados na Guiné-Bissau fossem internados, se se tratava de doentes com sintomas ligeiros! Ao Dr. Miguel de Barros, ainda dou um desconto, por não ser da área, apesar de por vezes não se inibir de aventurar-se nas áreas que não domina, podendo neste caso concreto despoletar medo e insegurança na população e, numa epidemia, o pior que pode acontecer é a população sentir-se inseguro com as decisões dos profissionais que orientam a solução do problema. Será essa a intenção desses dois Drs.?! Só eles poderão responder!
No que concerne as questões levantadas por Úmaro Djau, sobre os ventiladores, é natural que o autor do texto se preocupe com esse importante recurso para salvar vidas, mas não deixa de ser uma preocupação um tanto ou quanto descontextualizado do atual estado dos recursos de saúde da Guiné-Bissau! Não, não quero que os leitores pensem que não existem ventiladores na Guiné-Bissau! Existem sim, mas são escassos e funcionam nos Blocos Operatórios e com alguma limitação!

A avaliar pelo conteúdo do texto, não restam dúvidas que Úmaro Djau fez antes um trabalho de pesquisa e informação, sobre a importância dos ventiladores e, até fez-nos uma descrição de tipos de ventiladores que podemos encontrar no mercado! Mas não pensou mais além!

Ouvir Úmaro Djau a questionar sobre a necessidade de aquisição de ventiladores e os ventiladores existentes não utilizados nos hospitais guineenses, fez-me lembrar a história do financiamento para a construção de um Centro de Diálise na Guiné-Bissau, pela Venezuela do malogrado Hugo Chavez! Curiosamente, nessa altura, estive num jantar de uma Associação de Guineenses e estive a falar com um indivíduo guineense, que me disse que estaria a servir de intermediário na venda de Máquinas de Diálise para a Guiné-Bissau, aparentemente para esse Centro de Diálise que seria financiado pela Venezuela… Como a hemodiálise é uma área de que gosto particularmente, assim como a ventilação, durante a nossa conversa, questionei-lhe sobre a instalação das infraestruturas quer de águas como elétricas, formação de técnicos de saúde e de manutenção para o funcionamento dessas máquinas na Guiné-Bissau e a resposta deixou-me estarrecido! Disse-me assim: “Dr., eu sou negociante e quero ganhar o meu, o que vão fazer depois com a máquina não é da minha conta! O Dr. disse-me que gosta de barcos, eu se tiver um barco para lhe vender, não quero saber se tem carta de marinheiro ou não, se tem Rio ou Mar onde ir andar com ele! Quero vender, ganhar o meu e ponto final! Curiosamente, no ano passado, estive no HNSM e fiz questão de ir visitar o denominado Centro de Diálise do HNSM. Vi aí as máquinas e alguns consumíveis encaixotados, cobertas de pó, anos sem nunca terem sido usados, porque efetivamente faltava tudo aquilo que era a minha inquietação nesse jantar!
Com isso, quero dizer que, no contexto do estado de saúde do nosso Estado e da nossa Saúde, fruto de anos de desmandos e abandono perpetrado por um grupo de criminosos que se aglomeraram numa organização para manipularem e oprimirem o povo e viverem à custa do Estado, sem se importarem minimamente com o povo e o país, os ventiladores, na minha óptica não constituem prioridade nesta desproporcional luta contra o inimigo invisível denominado SARS-COV2.

Os ventiladores constituem um recurso de última linha, onde são necessários outros recursos que o país não consegue criar em poucos dias ou meses! Para começar, por trás de um ventilador, tem de existir uma tomada elétrica que debite eletricidade de forma contínua e garantir carga à sua bateria, mesmo para aqueles com alguma autonomia. Segundo, por trás de um ventilador é preciso ter um técnico de manutenção disponível para resolver os problemas técnicos e, ainda, laboratórios com capacidade de fornecer as interfaces necessárias ao seu funcionamento. Terceiro, por trás de um ventilador de Cuidados Intensivos, é preciso ter um sistema de gases medicinais canalizado para fornecimento contínuo de oxigénio pressurizado, sem o qual um ventilador não funciona… Quarto, por trás de cada ventilador, é preciso um sistema de monitorização de sinais vitais de forma invasiva e não invasiva e respetivos consumíveis, porque a ventilação tem efeitos sobre os sinais vitais do doente que, se não forem detetados atempadamente, podem ser deletérios para o doente… Quinto e com também elevada importância, é que a frente dos ventiladores, é preciso ter enfermeiros treinados em prestar cuidados a doentes ventilados e um médico especialista que sabe integrar os dados do doente, proceder a entubação orotraqueal com as suas especificidades no COVID-19 e, ainda, manejar o ventilador de forma a tirar rentabilidade dele, sem causar mais danos ao doente e até aos restantes profissionais de saúde… Por exemplo, Úmaro Djau fala no seu texto dos ventiladores para Ventilação Não-Invasiva oferecidos à alguns hospitais guineense, devo informar-lhe que, segundo as orientações de boa prática, esse modo ventilatório (não-invasivo) não está preconizado nos doentes com COVID-19, devendo ser usado apenas na completa falta de ventiladores para ventilação invasiva e em condições de segurança para os profissionais de saúde, o que implica ter um quarto com pressão negativa, que duvido que algum hospital guineense tenha a funcionar neste momento, para evitar a disseminação do vírus para os profissionais de saúde, com a aerossolização que esse modo de ventilação provoca…

É evidente que todos esses recursos não se adquirem em dias nem meses e, se algum político enveredar por esse campo, está apenas a provocar ainda mais insegurança na população, a que a própria vulnerabilidade da nossa pobreza já lhes expõe.

Para um país pobre e com grande escassez de recursos, como a Guiné-Bissau, para enfrentar essa pandemia, tudo o que se deve evitar é o pandemónio!

A grande arma em que se deve apostar é a prevenção, através da informação e ensino exaustivo da população sobre a importância do confinamento social, das lavagens frequentes das mãos, evitar levar as mãos à cara e o uso de máscaras, quando a aproximação social é inevitável. Para além disso, é importante criar mecanismos de suplementação das necessidades básicas da população… Não é admissível em pleno século XXI, assistir as imagens que vi difundidas, de humilhações públicas de cidadãos por forças de segurança, apenas e só para forçá-los a cumprir o isolamento social! De qualquer das formas, agradou-me ver um governo que, prontamente se demarcou desses actos violentos das forças da Ordem e pediu desculpas à população, contrariamente ao que o povo estava habituado e em que a culpa morria sempre solteira e o PAIGC nunca era culpado de nada e nunca ninguém viu-lhes a pedirem desculpas pelos seus actos bárbaros cometidos ao longo de quase meio século, contra o povo guineense! Ainda estou à espera de conhecer o resultado do inquérito do militante do PRS morto recentemente numa manifestação pacífica!

Não sendo fácil aplicar o Estado de Emergência e consequente isolamento social nos países europeus, economicamente mais desenvolvidos e com um índice de literacia alta, imagino na Guiné-Bissau, em que a sobrevivência das pessoas depende dos pequenos comércios de rua e a iliteracia ainda é alta, o que torna muito difícil mobilizar a população para o combate de um inimigo invisível!

De todas as formas, peço ao atual poder político a máxima paciência e muito empenho na informação e formação local da população, através da mobilização de voluntários com mais formação.

Aos profissionais de saúde guineenses, peço a máxima dedicação para darem tudo de vós para salvar vidas, como sempre fizeram, mas nunca descurando a vossa própria segurança. Na falta de meios para vos protegerem, é preferível termos uma e não duas ou mais vítimas.

Deus protegerá a Guiné-Bissau.

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