Avelino Gomes da Costa *
Escrito em Paris, 24 de Setembro de 2010 e
publicado no site: https://www.didinho.org/ (revisto em 2020)
A Guiné-Bissau, conforme é
desejo de todos seus filhos, tem de poder contribuir para seu desenvolvimento
por maiores que sejam as dificuldades. Mais de quatro décadas volvidas, desde
que o país se configurou no quadro das nações do mundo como território
independente e soberano, a Guiné-Bissau continua com sobressaltos o seu sinuoso
percurso.
Enquanto algumas das
promessas eram, desde o início, idealizações provavelmente alcançáveis, outras
encontraram obstáculos imprevistos na era da democratização. Com efeito, a
história legou a realidade graves e complexos problemas, com os quais nos
confrontamos hoje. Dos primórdios da independência à actualidade, o país tem
passado por não poucos cenários de convulsões sociais e sobressaltos políticos
sob égide duma classe política sem pensamento estratégico e com uma visão
desenvolvimentista do Estado muito limitada.
Na verdade, quer-se um Estado submetido aos ditames da sua missão
fundamental e às várias medidas de cunho social. Aliás, é importante frisar que já lá vão décadas
depois da independência, e a situação continua a ser de desespero sufocante e de
alguma incerteza no que diz respeito às possibilidades de encarrar o dirigismo estatal
de forma mais responsavél no nosso país. Isto tem preocupado sobremaneira todos
aqueles que pretendem ver a Guiné-Bissau fora do lamaçal estático em que se
encontra […].
Há quem diga que entre a promoção de incompetência
e a má filosofia inspirada de governação, repousa o fundamento
que serviu de álibi para justificar as sucessivas crises. Por vezes,
outras abordagens evocam questões de ingovernabiliade, da instabilidade
política, e da regressão social, que têm votado ao fracasso todos os
esforços de construção de um Estado de direito democrático, participativo e do
tão almejado sonho de bem-estar social atrelado ao desenvolvimento sustentável.
Portanto,
é vergonhoso e preocupante quando, na hora de equacionar o nosso (sub)
desenvolvimento, se contabiliza o tempo perdido com atitudes e comportamentos nada
abonatórios. Porém, muitos entraram no abismo da impopularidade pela
incapacidade revelada e pelo pouco que tinham para oferecer ao país. Ora, à
medida que a ingovernabilidade foi ganhando espaço, sob o auspício de um regime
imprudente, predador e intolerante, aguardava-se que a sua revitalização face à
adversidade da conjuntura também viesse a ser um fardo mais do que imaginável.
Entretanto, a Guiné-Bissau
não pode continuar a ser alcunhada como reduto dum militarismo atípico e terreno
fértil para ódios e vinganças. Assim, numa clara alusão à necessidade imperiosa
de juntos trabalharmos pela paz social e estabilidade, considero que a acção
política dos investidos da responsabilidade de gerir o país, não se deve limitar
ao âmbito das instituições políticas enquanto tais. Deveria, em certa medida, penetrar
o contexto ético e moral que se deve desenvolver e consolidar com uma nova
roupagem.
Apesar das vozes, que no
contexto da vitória democrática para o triunfo da alternância clamarem pelo
estancamento de aberrações, até então praticadas pelo regime no sentido duma célere reconciliação, a Guiné-Bissau
ainda continua refém de uma das suas maiores ameaças de sempre. Referimo-nos a
instabilidade política. É ela que tem provocado ecos de desequilíbrio na
governação. Esta visão sucinta da realidade, mostra que há no interior da
própria administração central, conflitos internos não resolvidos.
Efectivamente, entre o imbróglio e a coabitação política inglória o sistema
está fadado. E mais ! Muitas das situações ridículas do presente apontam, neste
campo complexo do jogo, para a falta de uma política de concertação ativa e de
diálogo permanente que, logicamente, envolvesse atores da sociedade civil,
nomeadamente os sindicatos, partidos políticos, associações juvenis e
profissionais, ONG’s e diferentes confissões religiosas. A busca, portanto, de
soluções radicalmente novas para lá das contigências conjunturais deveria
convocar todos
à união.
O comprometimento com o
ideal democrático, na forma de aplicação de seus valores normativos
intrínsecos, deve permitir que o abuso de poder seja restringido e fazer com
que a justiça funcione ao mínimo. Paradoxalmente, privilegiar hoje uma
pluralidade de factores que animam a nossa viva pretensão de fusionar mecanismos possíveis em detrimento da paz e estabilidade é sem dúvida,
perante a presente conjuntura, uma questão permeável. Não obstante, poderia contribuir para evitar
formatos institucionais e códigos morais rígidos que abrissem espaço para
decisões arbitrárias e abusos de poder. Partindo dessa premissa incontestável,
e visando uma orientação de opinião no sentido desejável, a questão seria
então, a de como amnistiar os erros e deslizes de outrora, se no contexto
actual do agir político, ainda não se vislumbra sinais relativamente positivos
de mudança por oposição ao culto de práticas subversivas e do macabrismo
político.
Há bastante evidência de
que, na Guiné-Bissau, depois de termos visto e assistido em momentos conturbados da
história, uma grande quantidade de ocorrências do slogan “nô purda dja n’tru”,
parece reunir consenso para encorajar a iniciativa dum amplo debate sobre as
possibilidades de estabilização. Tal desiderato, sob efeito acumulado das
crises por que tem passado a Guiné-Bissau é uma condição indispensável, única e
talvez a necessária para reconciliar os guineenses numa perspectiva meramente política e fazer com
que o próprio país se coloque no aspiral ascendente rumo ao desenvolvimento. É
de salientar por outro lado, que a crescente deliquescência
politico-institucional e o esvaziamento da ética pública, em função dos
interesses alheios e mesquinhos da elite dirigente, são por assim dizer sinais
perigosos à boa governação e a estabilidade.
A estabilidade política que
a Guiné-Bissau requer deve resultar da combinação dos elementos que garantam a
participação da cidadania e as necessidades técnicas e operacionais que o
governo precisa para o pleno cumprimento de suas funções. Caso contrário, continuaremos
a suster descaminhos na condição mórbida da longa história em nome do
desenvolvimento, da paz e da democracia.
* É politólogo e investigador
associado do INEP - Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisa da Guiné-Bissau. Publicou em Paris no ano 2016, o
livro intitulado « Réforme d’État et modernisation administrative en
Guinée-Bissau ». Possui Graduação em Ciência Política pela Universidade de
Brasília –UnB (Brasil, 2009), e é ainda titular de « Maîtrise en Science Politique, spécialité : travail politique et
parlementaire » pela Universidade Paris Ouest Nanterre la Défense
(França, 2012); « Master 2 en
Science politique à double finalité recherche et professionnelle,
spécialité : action publique » pela Universidade Paris 8 (França,
2013); « Diplôme universitaire de 2ème
cycle - Administrateur d’élections, domaine Droit électoral » pela
Universidade Paris 1 Phantéon Sorbonne (França, 2015); « Diplôme universitaire de 1er
cycle en Philosophie d’Éducation et Formation » pela Universidade
Paris-Descartes (université de Paris), França, 2019).
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