quinta-feira, 30 de abril de 2020

A GUINÉ-BISSAU NO COMPASSO DA CRISE E INSTABILIDADE POLÍTICA


Avelino Gomes da Costa *

Escrito em Paris, 24 de Setembro de 2010 e publicado no site: https://www.didinho.org/ (revisto em 2020) 


A Guiné-Bissau, conforme é desejo de todos seus filhos, tem de poder contribuir para seu desenvolvimento por maiores que sejam as dificuldades. Mais de quatro décadas volvidas, desde que o país se configurou no quadro das nações do mundo como território independente e soberano, a Guiné-Bissau continua com sobressaltos o seu sinuoso percurso.
Enquanto algumas das promessas eram, desde o início, idealizações provavelmente alcançáveis, outras encontraram obstáculos imprevistos na era da democratização. Com efeito, a história legou a realidade graves e complexos problemas, com os quais nos confrontamos hoje. Dos primórdios da independência à actualidade, o país tem passado por não poucos cenários de convulsões sociais e sobressaltos políticos sob égide duma classe política sem pensamento estratégico e com uma visão desenvolvimentista do Estado muito limitada.
Na verdade, quer-se um Estado submetido aos ditames da sua missão fundamental e às várias medidas de cunho social. Aliás, é importante frisar que já lá vão décadas depois da independência, e a situação continua a ser de desespero sufocante e de alguma incerteza no que diz respeito às possibilidades de encarrar o dirigismo estatal de forma mais responsavél no nosso país. Isto tem preocupado sobremaneira todos aqueles que pretendem ver a Guiné-Bissau fora do lamaçal estático em que se encontra […].
 Há quem diga que entre a promoção de incompetência e a má filosofia inspirada de governação, repousa o fundamento que serviu de álibi para justificar as sucessivas crises. Por vezes, outras abordagens evocam questões de ingovernabiliade, da instabilidade política, e da regressão social, que têm votado ao fracasso todos os esforços de construção de um Estado de direito democrático, participativo e do tão almejado sonho de bem-estar social atrelado ao desenvolvimento sustentável.
 Portanto, é vergonhoso e preocupante quando, na hora de equacionar o nosso (sub) desenvolvimento, se contabiliza o tempo perdido com atitudes e comportamentos nada abonatórios. Porém, muitos entraram no abismo da impopularidade pela incapacidade revelada e pelo pouco que tinham para oferecer ao país. Ora, à medida que a ingovernabilidade foi ganhando espaço, sob o auspício de um regime imprudente, predador e intolerante, aguardava-se que a sua revitalização face à adversidade da conjuntura também viesse a ser um fardo mais do que imaginável.
Entretanto, a Guiné-Bissau não pode continuar a ser alcunhada como reduto dum militarismo atípico e terreno fértil para ódios e vinganças. Assim, numa clara alusão à necessidade imperiosa de juntos trabalharmos pela paz social e estabilidade, considero que a acção política dos investidos da responsabilidade de gerir o país, não se deve limitar ao âmbito das instituições políticas enquanto tais. Deveria, em certa medida, penetrar o contexto ético e moral que se deve desenvolver e consolidar com uma nova roupagem.
Apesar das vozes, que no contexto da vitória democrática para o triunfo da alternância clamarem pelo estancamento de aberrações, até então praticadas pelo regime no sentido duma célere reconciliação, a Guiné-Bissau ainda continua refém de uma das suas maiores ameaças de sempre. Referimo-nos a instabilidade política. É ela que tem provocado ecos de desequilíbrio na governação. Esta visão sucinta da realidade, mostra que há no interior da própria administração central, conflitos internos não resolvidos. Efectivamente, entre o imbróglio e a coabitação política inglória o sistema está fadado. E mais ! Muitas das situações ridículas do presente apontam, neste campo complexo do jogo, para a falta de uma política de concertação ativa e de diálogo permanente que, logicamente, envolvesse atores da sociedade civil, nomeadamente os sindicatos, partidos políticos, associações juvenis e profissionais, ONG’s e diferentes confissões religiosas. A busca, portanto, de soluções radicalmente novas para lá das contigências conjunturais deveria convocar  todos à união.  

O comprometimento com o ideal democrático, na forma de aplicação de seus valores normativos intrínsecos, deve permitir que o abuso de poder seja restringido e fazer com que a justiça funcione ao mínimo. Paradoxalmente, privilegiar hoje uma pluralidade de factores que animam a nossa viva pretensão de fusionar mecanismos possíveis em detrimento da paz e estabilidade é sem dúvida, perante a presente conjuntura, uma questão permeável. Não obstante, poderia contribuir para evitar formatos institucionais e códigos morais rígidos que abrissem espaço para decisões arbitrárias e abusos de poder. Partindo dessa premissa incontestável, e visando uma orientação de opinião no sentido desejável, a questão seria então, a de como amnistiar os erros e deslizes de outrora, se no contexto actual do agir político, ainda não se vislumbra sinais relativamente positivos de mudança por oposição ao culto de práticas subversivas e do macabrismo político.
Há bastante evidência de que, na Guiné-Bissau, depois de termos visto  e assistido em momentos conturbados da história, uma grande quantidade de ocorrências do slogan nô purda dja n’tru, parece reunir consenso para encorajar a iniciativa dum amplo debate sobre as possibilidades de estabilização. Tal desiderato, sob efeito acumulado das crises por que tem passado a Guiné-Bissau é uma condição indispensável, única e talvez a necessária para reconciliar os guineenses numa perspectiva meramente política e fazer com que o próprio país se coloque no aspiral ascendente rumo ao desenvolvimento. É de salientar por outro lado, que a crescente deliquescência politico-institucional e o esvaziamento da ética pública, em função dos interesses alheios e mesquinhos da elite dirigente, são por assim dizer sinais perigosos à boa governação e a estabilidade.
A estabilidade política que a Guiné-Bissau requer deve resultar da combinação dos elementos que garantam a participação da cidadania e as necessidades técnicas e operacionais que o governo precisa para o pleno cumprimento de suas funções. Caso contrário, continuaremos a suster descaminhos na condição mórbida da longa história em nome do desenvolvimento, da paz e da democracia. 



* É politólogo e investigador associado do INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa da Guiné-Bissau. Publicou em Paris no ano 2016, o livro intitulado « Réforme d’État et modernisation administrative en Guinée-Bissau ». Possui Graduação em Ciência Política pela Universidade de Brasília –UnB (Brasil, 2009), e é ainda titular de « Maîtrise en Science Politique, spécialité : travail politique et parlementaire » pela Universidade Paris Ouest Nanterre la Défense (França, 2012); « Master 2 en Science politique à double finalité recherche et professionnelle, spécialité : action publique » pela Universidade Paris 8 (França, 2013); « Diplôme universitaire de 2ème cycle - Administrateur d’élections, domaine Droit électoral » pela Universidade Paris 1 Phantéon Sorbonne (França, 2015); « Diplôme universitaire de 1er cycle en Philosophie d’Éducation et Formation » pela Universidade Paris-Descartes (université de Paris), França, 2019).

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