sexta-feira, 30 de setembro de 2016

CONOSABA: ENTREVISTA COM DR. JORGE GOMES DA SILVA, PRESIDENTE DA COMISSÃO INSTALADORA DA ASSEMBLEIA DO POVO UNIDO - PARTIDO DEMOCRÁTICO DA GUINE-BISSAU (APU-PDG - SEÇÃO DE PORTUGAL

Dr. Jorge Gomes da Silva

1-Conosaba: Coimbra tem mais encantos...a cidade onde o Senhor licenciou-se em Direito, ainda tem boas recordações daquele tempo de estudante em Coimbra?

Coimbra p'ra ser Coimbra
- Três coisas há-de contar
- Guitarras, tricanas lindas
- Capas negras a adejar
- Coimbra terra de encanto
- Fundo mistério é o seu
- Chega a ter saudades dela
- Quem nunca nela viveu
Autor desconhecido

JG: É, inegável, que quem passa por Coimbra, sujeita-se a ficar marcado para sempre, por tudo aquilo que tem a ver com a sua dinâmica e particularidade, enquanto cidade de estudantes. É uma cidade especial, única, com uma vivência estudantil própria e profunda. Entre muitas e boas recordações, destaco, as noites estudantis, as serenatas, a festa da queima das fitas, das latadas, mas tenho, sobretudo, saudades daquela liberdade responsável. Porque, em Coimbra é possível levar e viver uma vida estudantil intensa, desde o ir às discotecas, aos bares, às muitas actividades estudantes, sem que ninguém te diga nada no tangente aos teus deveres. Mas, na hora de prestar contas, apenas tens a tua consciência para te lembrar ao que vieste, no fundo, para te lembrar as tuas obrigações enquanto estudante. É esta vivência estudantil característica e singular, que faz Coimbra ter mais encanto na hora de rumar a outras paragens.


2-Conosaba: Dr. Jorge Gomes da Silva, o senhor é guineense? Em que zona da Guiné-Bissau nasceu de concreto? Sente saudades da sua infância e como foi vivida?


JG: Sim. Sou guineense. E sou da Região do Arquipélago dos Bijagós. Nasci, concretamente, na ilha de Bubaque. Mas, mais do que bubaquense, sou um homem da região, um homem das ilhas. Muito embora, tenha tido uma infância repartida, por Bissau, onde vivia a minha família, Bolama, para onde foi transferido o meu pai e onde iniciei o meu ensino pré-escolar (jardim de infância) e Bubaque, para onde a minha família foi viver, após o trágico acidente de viação que vitimou o meu pai, e onde prossegui e conclui o ensino primário, as memórias da minha infância vão maioritariamente para Bolama. E lembram-me dos brinquedos que eu e os meus irmãos recebíamos do nosso pai, as prendas em dia do natal, os passeios no jardim em frente à Administração, ou pela marginal, saudades de uma festa que, para as crianças, era de todo semelhante ao natal, julgo que se designava por “passa-pronto”, ou seja, juramento da bandeira, em que os familiares se deslocavam ao quartel na companhia das crianças, estas vestidas de preferência de roupa nova. Em suma tenho saudades de Bolama daquele tempo.

3-Conosaba: Dr. Jorge Gomes, o senhor confirma que é representante da ASSEMBLEIA DO POVO UNIDO - PARTIDO DEMOCRÁTICO DA GUINE-BISSAU (APU-PDG) na Diáspora Europa, o partido liderado por Eng.º Nuno Gomes Na Nabian?

JG: Confirmo que sou presidente da Direcção da Comissão Instaladora da Assembleia do Povo Unido - partido democrático guineense -APU-PDGB-Secção de Portugal. Lidero uma equipa forte e coesa, que tem como propósito divulgar e fazer conhecer aos nossos concidadãos e não só, na diáspora em geral e Portugal em particular, o que a APU-PDGB tem para oferecer, assim como promover acções e debates de esclarecimentos sobre as linhas mestras do referido projecto, bem como a importância que irá ter na vida das populações.

4-Conosaba: O Senhor hesitou, quando foi abordado e convidado para se integrar ao novo partido político, “Assembleia do Povo Unido – Partido Democrático da Guiné-Bissau”, fundado por Nuno Nabian?

JG: Devo confessar que houve uma certa hesitação da minha parte. Pois, são 21 anos dedicados exclusivamente a minha actividade de Advogado. E o simples facto de embarcar neste grande projecto passava a significar, ter que conciliar as duas coisas: a minha actividade profissional e a actividade partidária. Mas, após ler os estatutos do partido, que também pesaram na minha decisão, dois factores foram determinantes para a minha adesão ao APU-PDGB: 1.º A forma como na nossa 1ª reunião, o Secretário-geral da APU-PDGB, Dr. Juliano Augusto Fernandes, com toda a sabedoria que se lhe reconhece, fez a apresentação do Projecto político do partido, da sua essência, assim como daqueles que o lideram. Pude concluir, que estávamos perante pessoas com credibilidade, porquanto, inspiravam confiança. Muitas delas, como eu, com provas dadas nas suas vidas profissionais ou público-privadas. E que abraçaram este projecto com o único propósito de servir a causa pública, de servir o nosso país, as nossas populações; 2º, o facto de achar que depois de 29 anos fora, sendo 21 dedicados à advocacia, é chegado a hora de retribuir aquilo que o meu país fez por mim. No fundo, entendi que tinha chegado a hora de dar a cara e oferecer-me para participar e contribuir para o desenvolvimento e criação de condições para o bem-estar do meu povo.

5-Conosaba: O seu partido tem programa para governar o nosso país, caso vença próximas eleições legislativas na Guiné-Bissau? Fale, um pouco, sobre principais projetos do partido, por favor...

JG: O meu partido tem o projecto político para o país, do qual a seu tempo, resultará um programa de governo. Mas, seja como for, uma coisa é certa: O meu partido não pode falhar. Não pode, mais uma vez, permitir que as legitimas expectativas do povo guineense, sejam defraudadas. É bom não escamotear que essa foi uma prática recorrente, perpetrada por sucessivos governos ao longo dos 43 anos da nossa existência enquanto país. Aliás, já frisei que embarquei neste projecto, por acreditar no seu propósito, na medida em que credível e inovador, constato que existe uma manifesta vontade, sobretudo politica, para resolver os reais problemas do pais e das pessoas. Por isso, qualquer programa do governo que meu partido venha a submeter a sufrágio, terá que ter em conta o seguinte: temos uma saúde inexistente, um ensino deplorável, uma justiça ineficaz e centralista, um turismo inaproveitado, uma administração desorganizada internamente, um território desordenado e nada atractivo, os jovens fustigados pelo desemprego e uma economia estagnada.

6-Conosaba: O ex-representante da ONU na Guiné-Bissau, Miguel Trovoada, recomendou ao chefe de Estado guineense, José Mário Vaz, que não seja árbitro e jogador ao mesmo tempo, defendendo que tem que estar equidistante da política. Por favor, Dr. Jorge Gomes o que pensa sobre afirmação (em cima mencionada) vindos da boca do Dr. Miguel Trovoada?  

JG: Sinceramente, julgo que o que o nosso Presidente da República, verdadeiramente gostaria era de estar a exercer funções de Primeiro-ministro. E ter-se-á candidatado à presidência da república como último recurso. Só assim se compreende o seu pendor presidencialista, ou melhor, o seu gosto pelas funções reservadas ao chefe do executivo. Só assim, se compreende a sua sistemática ingerência em assuntos da governação. Isso tudo, ao arrepio da Constituição que ele mesmo jurou cumprir e fazer cumprir. Pergunto eu, o Presidente não terá conselheiros que o exortem para a inobservância do importante princípio da separação de poderes? Um dos princípios basilares em qualquer estado de direito e democrático. E é, exatamente, por teimar em ser jogador e ao mesmo tempo árbitro, que o país está mergulhado num imbróglio político-jurídico. Ou seja, é exatamente, pela sua inequívoca falta de isenção (porquanto, está deveras comprometido com uma das equipas em jogo), que o país, as instituições estão estagnados e mais uma vez quem paga e quem sofre é o povo.

7-Conosaba: Se pudesses mudar a nossa Constituição da República, mudarias? Para o melhor? Não sei, deve ter muitas lacunas...

JG: Verdade seja dita, a nossa constituição, no geral está em linha com as constituições tidas como assentes nos princípios do estado de Direito e Democrático. Basta olharmos para o seu artigo 59.º que diz que, são órgãos de soberania o Presidente da República, a Assembleia Nacional Popular, o Governo e os Tribunais, e diz mais, a organização do poder político baseia-se na separação e independência dos órgãos de soberania e na subordinação de todos eles à Constituição. A meu ver o problema reside, ora na interpretação abusiva da constituição ou no recurso a má-fé para a sua interpretação. Ou seja, aquilo que eu chamaria, a conveniência à sua interpretação. Se eu a pudesse mudar suprimiria o nº 2 do artigo 36.º, que abre a porta à existência da pena de prisão perpétua para os crimes a definir por lei. Pois, entra em contradição com o nº 1 do mesmo artigo, que diz que no nosso país, em caso algum haverá pena de morte. Suprimia também a al. m) do Artigo 68.ª que confere ao Presidente a possibilidade de presidir o Conselho de Ministros, quando o entender , pois, num país como o nosso, em que os atropelos à constituição são frequentes, vem gerar mais confusão e funcionar como mais um foco de conflito entre a presidência e a primatura. Mas, o mais importante para mim seria acabar com a chamada traditio constitucional, ou melhor, as denominadas práticas constitucionais enraizadas no nosso ordenamento jurídico. Segundo estas praticas, o Presidente da Republica escolhe ministros para as pastas dos Negócios Estrangeiros, Finanças, Defesa e Administração interna. Eu discordo. Para mim, quem deve poder escolher e propor nomes para a função governativa, deve ser o chefe do executivo, sem quaisquer interferências do Presidência da República. Afinal, quem responde pela acção governativa, quer perante o Parlamento, quer perante o eleitorado, até perante a Presidência da Republica é o chefe do executivo. E não faz sentido, por isso, que responda por actos governativos de quem não escolheu. Aliás, estas práticas constitucionais estão na origem do actual conflito ente a Presidência da República e o então Primeiro-ministro e Presidente do PAIGC.

8-Conosaba: O combate do PAIGC foi uma das mais exemplares lutas de libertação de toda a história das revoluções no mundo, concorda? Então, porque andamos até agora á deriva?

JG: Para mim, esta pergunta comporta duas perspectivas. Numa perspectiva puramente militar concordo, pois, foi uma luta em que um grupo de homens e mulheres, organizado e imbuído da força da razão, numa clara situação de desigualdades de armas, conseguiu derrotar o poderoso exército português, já que não nos podemos esquecer que, Portugal, foi sempre apoiado pelas grandes potências europeias de então. Já discordo, se nos virarmos para uma outra, a global. Aqui é bom não esquecer que a luta do PAIGC foi prodiga em intrigas, conspirações e assassinatos de camarada seus. Pois, nunca foi capaz de abraçar e cultivar a paz interna. Prezando, em substituição, aniquilação física daqueles que ousaram ter opiniões divergentes, o que aliás, foi transportado para a nossa sociedade no período pós luta. No fundo o PAIGC, quer guerrilheiro, quer o que o substituiu até aos dias de hoje, nunca cultivou os princípios da paz, pluralidade de opiniões e da tolerância, expressões pilares daquilo que deve ser uma democracia partidária.

9-Conosaba: União Africana, adotou novas estratégias políticas para desenvolver a nossa África! É para acreditar?

JG: A partir de uma certa altura, deixei de acreditar na União Africana na medida em que entendo que é vítima de conflitos de interesses variados. Que interesses são esses? Interesses dos próprios países, interesses sub-regionais, regionais, mas sobretudo, de interesses e agendas pessoais dos seus dirigentes. Por isso, não passa de um somatório de interesses incompatíveis. Pelo que, quaisquer novas estratégias políticas, se não partirem do pressuposto de harmonização de tais interesses e agendas, desenhando o modelo e definindo os princípios para uma África mais Democrática, onde prevaleça interesses dos cidadãos e não dos dirigentes, a transparência na tomada das decisões, e sobretudo, rompendo com a perpetuidade no poder, tudo não passará de mais uma miragem. E, assim, julgo, que continuaremos mergulhados na descrença.

10-Conosaba: Desta vez, os nossos militares não se meteram ao barulho (ménher ménher), acusavam sempre os militares de serem culpados de tudo! Que nota daria as nossas forças armadas nesta “salada russa, a nossa maneira guineense”? 

JG: Eu sou de opinião que os nossos militares, salvo raras excepções, nunca se meteram ao barulho. Os políticos ávidos de poder, por não possuírem alternativas ao grande emprego do estado, ou por não aceitarem encontrar alternativas, é que tinham por hábito assediar aos militares. Seduzindo-os, fazendo promessas disto e daquilo, como forma de obter coberturas militares para as suas causas. Ou seja, quando cessavam funções governativas, em vez de regressarem as suas actividades público-privadas, ou procurem ser uteis a sociedade num outro prisma recorriam a intrigas e conspirações, apenas com o único objectivo: regressarem ao poder. Até porque, uma parte substancial exibiu sempre um considerável défice de qualidade. Por isso, fazer da função governativa um modo de vida passou a ser um móbil. E, assim, transformou-se em sistemático foco de instabilidade. Só que, desta feita, o actual CEMFA, por ser imune a essa velha pártica, fez saber aos seus homens que o lugar dos militares, em tempo de paz, deve ser nos quarteis. E os políticos, que façam política, mas longe dos quarteis. Posto isto, numa escala de 0 a 10, daria uma pontuação máxima aos nossos militares.

11-Conosaba: É certo que o clima político na Guiné-Bissau está longe de estar saneado. Concorda ou não? Por favor comente...

JG: Concordo plenamente. Olhando para o actual círculo giratório representado pela Presidência, PAIGC, PRS e Assembleia Nacional Popular, é impossível obter algo nos possa colocar ou recolocar no caminho da estabilidade, em prol das nossas populações. Porque todos eles, são movidos por interesses particulares, mesmos observando que aqueles que os elegeram são os mais prejudicados. É aqui que entra o meu partido. A APU/PDGB, é actualmente a única força política capaz de resgatar o nosso país a esses políticos egoístas, sem qualquer sentido de estado e sem qualquer sensibilidade nacional. Mas, para lograr esse desiderato, é preciso apostar numa política diferente. Apostar na capacidade de realização, na competência para decidir e na vontade para fazer. Em suma, em pessoas que estando à altura dos desafios que o país lhes coloca, também são capazes de interpretar, quer o projecto político, quer o programa de governo do partido para o país. Assim como, o seu impulso transformador na sociedade guineense. Por a APU-PDGB estar decidida em protagonizar a mudança do paradigma governativo, é que convocamos todos os homens, mulheres e jovens para se juntarem a nós, para que possamos mostrar às nossas populações e ao mundo, sobretudo, que afinal, é possível desenvolver o nosso país, é possível oferecer o bem-estar ao nosso povo.

12-Conosaba: Guiné-Bissau qualificou-se para a CAN pela primeira vez! O povo guineense está em festa, depois de a sua seleção ter conseguido um inédito apuramento para a fase final da CAN. Apesar do nosso país esta como esta é possível ganharmos a Taça das Nações Africanas?

JG: Acho que a nossa qualificação constituiu motivo de alegria para todos nós. E foi muito importante para recuperar, por instantes, a nossa auto estima, que em boa verdade, anda pelas ruas da amargura. Se é possível vencer a taça das nações? Porque não?

Fim

Porto, 30 de Setembro de 2016.

Pate Cabral Djob


Dr. Jorge Gomes a entregar cartões do partido aos militantes em Lisboa

Jorge Gomes da Silva


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