domingo, 31 de maio de 2020

JUVIANO – EMIGRANTE QUE “TROCOU” EUROPA PARA LIMPAR BISSAU COM MATERIAIS RECICLADOS

[REPORTAGEM] Juviano Leopoldo Correia Landim, conhecido na praça pública como “Homem Novo”, é um emigrante guineense que vivia no norte da Europa, na Noruega. Decidiu deixar tudo com o propósito de regressar ao país que o viu nascer e trabalhar como um voluntário, na remoção de lixos da via pública, bem como na ornamentação das Avenidas com o intuito de transformar a sua capital numa das cidades mais limpa da África. 
O jovem de bairro do Reino (Bissau) deixou a Guiné-Bissau muito cedo à procura de uma vida melhor no velho continente (Europa) e depois de muitos anos já com diplomas nas mãos e uma situação financeira estável, regressou ao país para investir em pequenas iniciativas que iniciou com uma fábrica de gelo, fábrica de embalagens de água e fábrica de blocos.   
Uma equipa de repórteres do Semanário O Democrata “invadiu” o escritório – oficina do ativista social que sonha transformar Bissau na cidade mais limpa da sub-região, para reportar as atividades do jovem empreendedor que sonha transformar um dos países mais pobres da África e com sérios problemas da instabilidade política e governativa que o tornam ingovernável cerca de 4 décadas. 
Apesar destas dificuldades, o “Homem Novo” decidiu investir, do seu próprio bolso, na aquisição de materiais para confecionar equipamentos de recolha de lixo e de limpeza da areia nas estradas. 
HOMEM NOVO ERGUE CENTRO DE TRATAMENTO DE LIXO PARA PRODUZIR BIOGÁS E ADUBO ORGÂNICO
Cercado de pneus e outros materiais velhos que transforma em gamelas para lixo e outros instrumentos da limpeza, na sua oficina, no bairro de Reno, coordenador da “Iniciativa Homem Novo”, Juviano Leopoldo Correia Landim explicou ao Democrata que o seu grande sonho atualmente é finalizar o centro de tratamento de lixo que está a construir num dos bairros da capital (Bissau) que, para além de tratamento de lixo, servirá igualmente para a produção de biogás, adubo orgânico, através da reciclagem de plásticos deitados no lixo, como também fabricar mosaicos e fazer reparações deestradas. Confessou que a sua iniciativa visa tornar a Guiné-Bissau no país mais limpo da África. 
“Este é o meu sonho e admito que é real! Estou a trabalhar duro e estou quase a alcançar o meu sonho de terminar o centro de tratamento de lixo, com o objetivo de reciclargrande quantidade e diferentes tipos de lixos no país”, referiu.
Lembrou na entrevista que sempre que vinha da Noruega para a Guiné-Bissau, antes de regressar definitivamente, organizava jovens do seu bairro para trabalhos de limpeza deruas. Acrescentou que foi dessa forma que começou a promover a mudança, através de ações de limpeza e desaneamento básico. Sublinhou que usou o dinheiro que ganhava das suas fábricas para aquisição de equipamentos delimpeza.  
“Homem Novo é uma iniciativa que começou muito antes de ser denominada assim. É um trabalho de amor à minha terra,que surge da tomada de consciência de que, enquanto guineense, tenho o dever de dar a minha contribuição para o desenvolvimento do país. Quando era emigrante observava o modo como as pessoas viviam lá fora. Nada cai do céu. Trabalham duro e de forma organizada, por isso têm aquele nível de vida”, notou o ativista.
Assegurou que a sua ambição é mudar o estado das coisas no país, por isso não conseguiu resistir à situação lastimável em que se encontrava a cozinha do Hospital Nacional Simão Mendes, fato que o levou a pedir ao diretor-geral daquele estabelecimento hospitalar, na altura, autorização para intervire reabilitar a cozinha.
“Quando o diretor autorizou, fizemos a canalização do gás, recuperamos os fogões de gás. O interior da cozinha estava preto por causa de fumo de lenha que se utilizava para cozinhar e fizemos a reforma. Investimos numa lava louçasnova, fizemos prateleiras para os utensílios, reformamos também o refeitório, portanto acabamos por descobrir que quando se acredita é possível mudar algo…”, contou.
Recordou que a sua ação, depois do hospital, estendeu-se para a escola Salvador Allende, que se encontrava num estado avançado da degradação e sem portões, como também parte da escola estava a ser usada como o vazadouro de lixo. Frisou que decidiu trabalhar na remoção do lixo da escola, como também instalou novo portão e que foi a partir daí que começou a ganhar a consciência e lançou o desafio a si próprio de criar uma estrutura usada para a colocação de lixos nas ruas.
“Nessa base, conseguimos construir naquele período quase mil recipientes de lixo de mão”, enfatizou.
Lamentou que desde o início do trabalho de limpeza, levado a cabo pelo seu grupo, a Câmara Municipal de Bissau não se mostrou interessada em colaborar com o projeto Homem Novo, mas sustentou que nunca desistiram, porque “o que está em jogo é a saúde pública e é isso que nos preocupa”.
JUVIANO TRABALHA NO PROJETO DE CASADE BANHO PÚBLICAS QUE FUNCIONARÃO A ENERGIA SOLAR  
“Queremos que as pessoas tenham acesso ao saneamento básico. Lembro que antes de ser diagnosticado o primeiro caso de Covid-19 na Guiné-Bissau, a minha organização já estava nas tabancas e zonas fronteiriças a sensibilizar a população sobre os cuidados preventivos que se devem tomar sobre essa doença. Distribuímos recipientes de água, sabão e lixívia e orientamos-los para colocarem recipientes de água àporta e à entrada da aldeia. Há pouco tempo, improvisei um lavatório de mãos que funciona a pedais e que colocamos no mercado improvisado de bairro de Ajuda”, explicou o ativista para de seguida, avançar que atualmente, está a trabalhar numa estrutura de casa de banho pública que terá um lavatório e que funcionará a energia solar. 
Revelou que a sua organização dispõe de contentores que serão colocados nos bairros periféricos, frisando que alguns tanques são exclusivamente para a colocação de lixoplásticos, ou metais tipo latas de sumo, de sardinhas ougarrafas, porque “constatamos que são os que mais sujam o país, assim serão a matéria-prima no centro de tratamento de lixo que está a ser construído em Bissau e que dentro de aproximadamente cinco meses estará finalizado”.
Questionado se chegou a receber algum apoio do governo guineense ou de empresas e pessoas individuais para o seu trabalho de saneamento, Lindam afirmou que nunca recebeu apoio do Estado para o seu projeto de transformar a Guiné-Bissau num dos países mais limpa da África. Contudo, diz acreditar que mais tarde o Estado acabará por intervir e dar oimpulso necessário no sentido de tornar realidade o seu sonho.
Admitiu que recebeu muitos apoios da parte das pessoas particulares e algumas organizações que constataram o impacto positivo do seu trabalho na sociedade guineense, “prova disso é que conseguimos o financiamento para a construção do Centro de Tratamento de Lixo, como também outro financiamento que nos ajudou a intervir no bairro de Mindara, na colocação de recipientes de lixo”. Contou ao jornal O Democrata que no bairro de Mindara usam-se esgotos como vazadouro do lixo, uma prática errada, porque “quando chove, o lixo é arrastado para o mar o que não é saudável, tornando-se numa ameaça à saúde pública”.
ATIVISTA DIZ SENTIR-SE PREJUDICADO PELO SISTEMA CORRUPTO DO PAÍS
Interrogado se o investimento que está a fazer, do próprio bolso no voluntariado, para limpar a capital, visa conquistar a simpatia dos citadinos de Bissau para compromissos políticos no futuro, Juviano Correia Landim assegurou que o seu maiorcompromisso é transformar a Guiné-Bissau num país limpo. Contudo, garantiu que em nenhuma circunstância rejeitará quaisquer desafios que considere serem saudáveis e necessários ao ponto de chegar a desenvolver projetos paramelhorar as condições da população guineense. O ativista lembrou, contudo, que neste momento está mais concentrado na juventude e organizações de caris social para desenvolver trabalhos do saneamento básico.
“É necessário criar a mínima condição para os jovens trabalharem, mesmo em regime de voluntariado. É assim que estou a trabalhar, com jovens no voluntariado neste projeto da iniciativa ‘Homem Novo’. Sempre que é possível apoiá-los no estudo local, pagar bilhetes de avião para ir estudar fora, apoiar na questão de saúde nos hospitais e despertar-lhes a consciência para terem um comportamento diferente. Aqui tentamos mostrar aos jovens que a denominação Homem Novo quer dizer ter uma mentalidade diferente, comportar-se de maneira boa na sociedade e ajudar a mudar outras pessoas”, assinalou.
Juviano Leopoldo Correia Landim diz estar satisfeito pelo trabalho desenvolvido até aqui, porque o impacto quecontinua a causar na sociedade guineense demostra os resultados positivos conseguidos. Acrescentou que a eficácia do seu trabalho motivou a instalação, na maioria das regiões do país, a iniciativa do ‘Homem Novo’, bem como a nível de alguns bairros da capital. Adiantou que estão a trabalhar para criar as condições logísticas, nomeadamente: os materiais de limpeza, de proteção e alimentação para os grupos que estão nas regiões e nos bairros de Bissau.  
“Em breve vamos apresentar um projeto de saneamento básico nacional de forma muito séria, numa relação franca com a Câmara Municipal de Bissau (CMB), porque não podemos passar à frente da edilidade camarária, por estarmos simplesmente a cobrir as lacunas desta instituição responsável pela remoção do lixo e tentar ajudá-la a dar respostas a nível de saneamento básico na Guiné-Bissau”, revelou.
Instado a pronunciar-se sobre o montante do seu dinheiro investido neste trabalho de limpeza e colocação de recipientes e tanques de lixo nas diferentes artérias de Bissau, Landimdisse que gastou muito dinheiro neste trabalho, embora não tenha especificado o valor gasto.  
“Gastei muito dinheiro e fui prejudicado por causa deste trabalho, porque o sistema não está preparado para um comportamento sã, porque é um sistema corrupto e que devemos lutar para mudá-lo. Digo que é um sistema corrupto porque senti-o na pele, quando tinha os meus negócios que estavam a funcionar bem”, criticou Landim em alusão àsfábricas de gelo, de água e de blocos, que empregavam vários jovens que recebiam bom salário acima de 100 mil francos CFA e subsídio de natal e férias, prêmio anual e medicamentos, consultas pagas para as famílias. 
“Quando comecei a reabilitar escolas, hospitais e outros tipos de ações, fui confrontado com muitos atos de sabotagem, desde incêndios nas minhas máquinas ao ponto de alguém da EAGB afirmar publicamente que receberam ordens para acabar com os meus negócios. Neste momento, a EAGB deve-me milhões em prejuízo por pagar, mas a Guiné-Bissau é um país bonito que precisa de contribuição de todos os seus filhos”, lamentou.
QUEM É JUVIANO – IDEÓLOGO DA INICIATIVA “HOMEM NOVO”
Juviano Leopoldo Correia Landim nasceu em Bissau a 28 de Maio de 1980. Deixou a Guiné-Bissau quando tinha apenas 15 anos de idade para viver em Portugal. Fez o primeiro ao quarto ano de escolaridade na Escola ’19 de Setembro’ e quinta a nona classe no ciclo Salvador Allende e Taborda. Estudou 10° Ano no Liceu Nacional ‘Kwame Nkrumah’ e seguiu depois para Lisboa onde fez 11° Ano na Escola Secundária Ferreira Dias.
Em fevereiro de 2009 fez um Curso de Segurança na Noruega, país onde fez também um curso de técnicas de exploração de petróleo em 2014 na Escola Técnica ‘BERGEN MARITIME’. Mais tarde cursou gestão e instalação de redes de informática em 2007. Entre 2008 e 2011 fez os cursos de língua inglesa e francesa. Agora quer mudar positivamente a sociedade da Guiné-Bissau.
Por: Aguinaldo Ampa
Foto: A.A  
maio de 2020
Conosaba/odemocratagb

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