sexta-feira, 28 de junho de 2019

"FICAMOS SEM PRESIDENTE DA REPÚBLICA"? - DR. JOÃO ANDRÉ DA SILVA


Considerando o principio da unidade do sistema jurídico, cremos não ser despiciendo convocar algumas normas que melhor, na nossa modesta opinião, poderão ajudar a esclarecer a questão de saber se o mandato do PR cessou ou não e tendo cessado sem no entanto haver outro eleito, qual será a solução a adoptar, uma vez que o Cargo não pode ficar vago:
Ficamos sem PR?;

Continua o cessante? em caso afirmativo com que poderes?;
Pode a ANP deliberar, validamente, que o seu Presidente passe a exercer as funções de PR? se sim, que poderes poderá exercer?

Estas são apenas algumas, entre muitas outras, questões que a cessação do mandato do PR, Dr. José Mário Vaz, coloca a todos os Guineenses.
A resposta a cada uma destas questões decorre da interpretação que fizermos das normas que sobre elas dispõe, quer a Constituição da República da Guiné-Bissau (CRGB), quer a Lei Eleitoral (LE) e ainda outros diplomas que necessariamente terão que ser convocados para sustentar a interpretação a que nos ativermos.
Por isso, ainda que possa ser tido como fastidioso, faremos questão de transcrever, integralmente, algumas disposições legais.
Dispõe o número 1 artº. 9º. do Código Civil (CC) que ""A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada."
O número 2 do mesmo artigo reza que "Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso."
No número 3, ainda do mesmo artigo pode ler-se que "Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados."
Em anotação a este artigo no CC Português, dizem Pires de Lima e Antunes Varela que o "... o sentido decisivo da lei coincidirá com a vontade real do legislador, sempre que esta seja clara e inequivocamente demonstrada através do texto legal, do relatório do diploma ou dos próprios trabalhos preparatórios da lei."

Acrescenta que "Quando, porém, assim não suceda, o Código faz apelo franco, como não poderia deixar de ser, a critérios de carácter objectivo, como são os que constam do n.º 3."( ver anotação 2 ao artigo 10.º do CC Português, volume 1, 4ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora, Limitada)
São, pois, estas as balizas para a interpretação das disposições legais, quaisquer que elas sejam, portanto, também as que adiante referiremos, quer da CRGB, quer da LE.
Diremos ainda que na interpretação das leis não devemos descurar alguns princípios jurídicos, como o da Boa-fé (bona fides) nas suas mais diversas acepções, desde logo o princípio da proibição de venire contra factum proprium.
É que longe vai o reinado do positivismo.
É inequívoco que o mandato do PR cessou. A Lei Magna dispõe no número 1 do seu artigo 66.º que "O mandato do Presidente da República tem a duração de 5 anos"
Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 296.º (Contagem dos prazos) e alínea c) do artigo 279.º (Cômputo do termo), ambas do CC, os cinco anos de mandato do PR, Dr. José Mário Vaz, terminaram no dia 23 de Junho de 2019.
Porém, daí até considerarmos que o país ficou sem PR vai uma grande distância imposta quer pelo direito, quer pela prudência.
O Dr. José Mário Vaz é o ainda PR da Guiné-Bissau.
Coisa bem diversa é defender-se a ideia, diria até peregrina, com todo o respeito por quem pense diferentemente, de que o PR se mantém a exercer os poderes que lhe são conferidos pela CRGB como se o seu mandato não tivesse cessado.
A lei não dispõe, expressamente, sobre esta situação? Verdade.

Porém, existem elementos interpretativos, princípios e elementos integradores a que podemos lançar mão.
Se o legislador tivesse previsto esta situação (a do mandato de PR expirar sem que outro houvesse, por ainda se não ter realizado eleições), que solução consagraria, dentro do espírito do sistema?
É evidente que esta situação foi provocada, diremos mesmo, propositadamente, pelo PR, ao desobedecer ao comando da norma do número 1 do artigo 3.º da LE.
Deixamos já expressa a nossa opinião sobre esta questão. 

A antecedência de que fala a lei nesse caso é relativa ao termo do mandato do PR e não em relação à data marcada para a realização das presidenciais.
O legislador constituinte disse claramente que o mandato PR é de cinco anos, pelo que se quisesse que fosse ou pudesse ser mais longo, o teria dito expressamente.

Defender que os 90 dias de antecedência dizem respeito à data da realização das eleições não encontra qualquer correspondência na letra da lei.
Se assim fosse, o mandato do PR seria de cinco anos, mais 90 dias (nada o impediria de só marcar eleições no último dia do seu mandato), mais o tempo que for necessário para o apuramento dos resultados e ainda o que vai deste até a tomada de posse do PR eleito.
Tem alguma lógica? Sim, o direito é também lógica!
Adensa-se ainda mais a nossa opinião de que José Mário Vaz é ainda o PR (com poderes restringidos), porque apesar de ter desrespeitado o comando do número 1 do artigo 3.º, nisso foi acompanhado por todos os partidos auscultados para a fixação da data das eleições. Não tenho memória de que algum partido tenha contestado a data marcada.
E, apesar de a data marcada se situar entre o lapso de tempo assinalado no número 2 do artigo 3.º da LE, não se respeitou a CRGB.
Esta disposição da LE fere a CRGB, sendo desconforme com o seu artigo 66.º, número 1.
Ninguém levantou esta questão da inconstitucionalidade desta disposição legal e, por conseguinte, da marcação da data para eleições.
Portanto, inequívoco é que o Dr. José Mário Vaz é o PR devendo poder, por analogia, ( a lei não prevê em lado nenhum o que deve acontecer em situações como esta em que nos encontramos, logo termos que recorrer a analogia) exercer apenas poderes que são conferidos pela CRGB a um PR interino.
Não há, pois, nenhuma necessidade de prorrogação de mandato do PR que é, aliás uma figura inexistente na nossa Ordem Jurídica.
De tudo quanto foi exposto, depreende-se que, obviamente, não seguimos a doutrina dos que entendem que a nomeação do Presidente da ANP para o exercício do Cargo de PR é a solução.
Eis o resultado do exercício a que nos propusemos, sobretudo, motivados pela ideia adiantada de que o PR ainda poderia exercer plenamente os poderes que constitucionalmente lhe são conferidos, mesmo havendo cessado o seu mandato.
NUNCA!
Quem melhor souber que diga da sua justiça!



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