Quando lhe apontaram uma pistola, Armando Nhaga virou costas e fugiu da pista de aviação da ilha de Bubaque, Guiné-Bissau, onde trabalha como guarda.
Armando, 60 anos, testemunhou ao longo da última década a aterragem de voos clandestinos que se suspeita estarem ligados ao tráfico de cocaína da América do Sul para a Europa.
"Na hora em que chegavam diziam-me: 'sai'. E eu saía. Não ficava para ver o que faziam. Não queria problemas. Eu tinha medo e fugia, corria para casa na vila", Bubaque, onde nasceu e reside com uma família de 10 filhos.
"Eu só tenho esta catana. É o meu trabalho", cortar o capim que cresce na pista de aviação com um quilómetro de extensão, em terra batida, e onde há sempre mais vacas a pastar que aviões.
Quem já viajou nas pequenas aeronaves turísticas para Bubaque, capital do arquipélago dos Bijagós, sabe que a primeira passagem rente à pista serve para assustar os animais e só depois se tenta aterrar.
Quando está programada a chegada de turistas há um funcionário dos serviços de imigração que se desloca ao local e faz o registo dos passageiros - sendo que, hoje, as leis aprovadas pelo Governo só deixam ali aterrar aviões que tenham descolado de Bissau.
"Mas podem continuar a aterrar outros que violem as regras", reconhece Mário Valentim, administrador local da ilha - representante do Estado, à falta de autarquias no país.
"Os aviões podem chegar que nós não temos meios para lá ir investigar", nem viaturas, nem combustível, acrescenta.
A presença de crime organizado abrandou, depois de em 2013 as autoridades norte-americanas terem capturado militares da Marinha guineense envolvidos no tráfico de cocaína, mas o arquipélago continua a servir de esconderijo.
Numa operação realizada em agosto de 2015, a Interpol detetou nas ilhas cinco pessoas que "entraram como turistas, mas tinham um mandado de captura internacional", recorda Mário Valentim.
"Esta zona insular é vulnerável", realça Luís Cabral, secretário de Estado da Administração Interna.
"Os malfeitores aproveitam-se da situação e por isso entendemos por bem que temos que reforçar as estruturas", acrescenta.
Na última semana, as Nações Unidas inauguraram na ilha um escritório permanente que se espera tenha, desde logo, um efeito "dissuasor", explicou à Lusa, Antero Lopes, um dos responsáveis pela missão política da ONU na Guiné-Bissau.
"Haverá uma série de planos que se poderão implementar e que não seria possível se não tivéssemos uma presença permanente no terreno", referiu.
De acordo com Antero Lopes, "os próprios parceiros internacionais e nacionais precisam de um ponto de contacto" para "troca de informações" e "convergência de esforços para responder a necessidades de investigação".
Pelo ar ou pelo mar, através das mais diversas embarcações, o arquipélago dos Bijagós, com cerca de 80 ilhas e ilhéus, continua praticamente sem vigilância e o novo escritório da ONU é um primeiro passo.
Outros poderão ser dados se as forças de segurança e autoridades da Guiné-Bissau partilharem melhor os meios que já foram oferecidos nos últimos anos a cada uma delas - barcos, viaturas e equipamentos.
Esse apelo à eficiência foi feito durante uma conferência sobre segurança marítima que decorreu a par da inauguração do espaço permanente das Nações Unidas.
Foi também anunciado o plano, apoiado por parceiros internacionais, de construir uma esquadra e instalações para a Polícia Judiciária.
O tempo o dirá se as ideias vão passar à prática rapidamente ou se se vão juntar à antiga placa que, numa das ruas de Bubaque, sinaliza os terrenos destinados à PJ.
A ferrugem que corrói o letreiro mostra que o combate ao crime é uma intenção antiga, inacabada.
Lusa/Conosaba
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