[REPORTAGEM_fev.2022] O abate e a venda de carne de porco nos diferentes mercados improvisados, vulgos tchikeros, no país sobretudo na capital Bissau, preocupa o especialista veterinário, que alertou para o risco e a ameaça à saúde dos consumidores da carne de porco e outros animais abatidos para comercialização, sem exames dos técnicos veterinários. A preocupação do especialista vem na sequência de denúncias feitas pelos criadores de porcos e vendedeiras da carne que alegam que pagam pela assistência médica aos seus animais, mas que nunca recebem essa assistência.
Os criadores e as vendedeiras denunciaram a falta da assistência médica dos técnicos veterinários aos seus porcos, mas alegam que são obrigados a pagar 300 a 350 francos FCA por cada porco, a fim de beneficiarem da tal assistência médica. Os criadores acrescentaram que pagam esses valores aos serviços veterinários, mas os seus porcos não recebem nenhuma assistência, sobretudo nos últimos tempos que se registou a mortalidade dos porcos sem que se tenha determinado que tipo de enfermidade estaria a provocar as mortes destes animais.
O Democrata apurou que o tchikero situado ao lado do porto de canoa, em Bissau, é o mais procurado todos os dias para a compra de porcos, mas particularmente para a compra da carne de origem suína, onde dezenas deles são abatidos, sem passar pela inspeção de um médico veterinário.
PORCOS IMPORTADOS DO SENEGAL SÃO EXAMINADOS NOS POSTOS DE CONTROLO
Rui Indi, um dos vendedores ambulantes, explicou à repórter que há mais de uma semana que lhes falta água que, segundo a sua explanação, é um elemento muito importante para as suas atividades de cria e do abate de suíno para venda.
“Antes, não tínhamos nenhum problema em termos de funcionamento e de execução do nosso trabalho, a Associação das Mulheres de Actividade Económica, onde estamos afiliados, tem-nos ajudado a canalizar água com dois depósitos de quatrocentos litros”, disse, acrescentando que a água estocada nos depósitos permitia-lhes trabalhar normalmente, mas os depósitos estão agora sem água e devido à falta deste líquido nos últimos tempos acabaram por consumir toda água de reserva dos depósitos.
Relativamente à higiene, disse que pode-se constatar que o espaço está limpo e os animais são lavados todos os dias.
“Não podemos ficar sem fazer a higiene deste local, sobretudo deixar de cuidar e lavar os porcos, porque o contacto com animais deste género, que são abatidos para a comercialização, é necessário mantê-los limpos e criar um ambiente de higiene no espaço para deixar confortável os clientes”, contou uma vendedora numa conversa mantida com a repórter de O Democrata.
Em relação ao controlo sanitário dos animais, Rui Indi disse que a maioria dos animais são importados do Senegal e logo que entram no território nacional são examinados nos postos de controlo dos serviços veterinários, como também são inspecionados em diferentes postos de controlo até chegarem à Bissau.
“Os animais são examinados em três postos de controlo, designadamente: Ingoré, João Landim e Safim”, contou.
Indi informou que na verdade, não pagam nenhuma taça aos serviços da Câmara Municipal de Bissau (CMB), tendo assegurado que cada barraca paga mensalmente um valor de cinco mil francos CFA ao serviço da Capitania que controla o espaço do mercado improvisado.
“O mercado está junto ao porto que é controlado pelo serviço de Capitania, por isso é que somos obrigados a pagá-los pela ocupação do espaço”, esclareceu.
O vendedor ambulante revelou que pagam igualmente 300 a 350 francos CFA aos serviços de veterinários para a assistência dos seus animais se adoecerem, mas não beneficiam de nenhuma assistência neste sentido. Revelou ainda que cada dia morrem mais de dez porcos por falta de assistência médica, causando-lhes prejuízos enormes.
“Compramos porcos nas zonas de fronteira entre a Guiné-Bissau e o Senegal. Cada porco custa entre 25 a 30 mil francos CFA”, disse.
Em termos de afluência dos clientes, Rui Indi afirmou que antes, havia muita afluência de clientes, mas com a crise sanitária da pandemia do novo coronavírus que assola a Guiné-Bissau e o mundo, não tem sido a mesma e porque também o poder de compra enfraqueceu.
“A crise sanitária da covid-19 fez as pessoas ficarem sem dinheiro porque também deixou-se de organizar eventos culturais. A realização de eventos culturais leva as pessoas a procurarem animais e carne, mas nos últimos tempos isso diminuiu muito”, lamentou.
Não entrou em detalhes relativamente à quantidade de suínos abatidos diariamente para a venda da sua carne, mas disse que é um número significativo.
Questionado se alguma vez receberam apoio do governo no período de confinamento, assegurou que nunca receberam nenhum apoio nem do governo, nem da Câmara Municipal de Bissau.
Em relação à questão de segurança, a equipa de reportagem apurou que são os próprios vendedores e criadores que se mobilizaram e se organizaram para garantir a segurança ao mercado e pagam para isso 120 mil francos CFA por mês.
“Assumimos esse encargo para garantir a segurança dos nossos animais”, precisou.
CRIADORES E VENDEDORES DE PORCOS OBRIGADOS A SAÍR DO ESPAÇO SEM NENHUMA CONDIÇÃO
Os criadores e vendedores de Porcos denunciaram que a Câmara Municipal de Bissau obrigou-os a abandonar o local num período de 72 horas, sem lhes convocar previamente para uma reunião e apresentar uma proposta de espaço alternativo para prosseguirem as suas atividades.
Denunciaram igualmente várias tentativas de agentes da Câmara Municipal para obrigá-los a pagar o espaço, mas sempre se recusaram, visto que o espaço pertence ao serviço de Capitania que lhes cobra uma soma de cinco mil francos CFA mensais por cada barraca.
“O espaço que nos foi cedido de volta não oferece condições para criação, nem para o abate de porcos, porque não tem água. O pior é que aquele local já foi ocupado por alguns citadinos de Bissau que residem naquele lugar há muito tempo e não dá para a criação de porcos, tendo em conta a questão sanitária. Não temos espaço para armazenar as fezes dos porcos ou para evacuá-los”, notou.
“É OBRIGATÓRIO EXAMINAR ANIMAIS ANTES E DEPOIS DO ABATE PARA O CONSUMO HUMANO” – VETERINÁRIO
Em reação, o diretor-geral dos serviços veterinários da Guiné-Bissau, Bernardo Cassamá, afirmou que é necessário e obrigatório examinar animais antes e depois do abate, para verificar se a carne pode ou não ser comercializada para o consumo humano.
Segundo Bernardo Cassamá, no processo do abate, são realizados aos animais dois tipos de exames: o primeiro exame é ante mortem, que se faz antes do abate, e a inspeção pós mortem, que ocorre depois do abate.
Em entrevista ao jornal O Democrata, Bernardo Cassamá revelou que dentro do matadouro existe um espaço de lazer, onde os animais passam 24 horas para que o médico veterinário possa realizar os exames necessários aos suínos ou bovinos, ou seja, para detetar se possuem alguma maleita ou algum outro problema.
“É no exame ante mortem que se rejeita ou não o abate dos animais que não estão em condições. Todos os animais que não têm condições ou possuem algum defeito são rejeitados. No pós mortem, os médicos verificam a condição dos próprios abatedores dos animais. Depois passa-se a fase de verificação de todos os órgãos internos de animais. Só depois desta fase é que a carne pode ter o carimbo de conformidade para o consumo humano”, detalhou.
O director-geral de Serviços Veterinários nega que sejam verdade as denúncias feitas pelos criadores e vendedores de porcos, que acusam a veterinária de cobrar trezentos francos CFA por cada porco, mas quando os criadores e vendedores de porcos solicitam os serviços veterinários para tratar os porcos, eles recusam.
“A única coisa que pedimos-lhes era que preenchessem uma ficha de números de abates diários para permitir que tivéssemos dados estatísticos de Bissau e das regiões para poder controlar o abate a nível nacional “, frisou.
Bernardo Cassamá reconheceu que oficialmente os técnicos dos serviços veterinários não fazem inspeção na aldeia dos porcos, porque o espaço não é apropriado para o abate de animais.
“Todo o abate para o consumo público deve ser no matadouro, segundo a Lei, para que técnicos veterinários possam efetuar as inspeções em conformidade com a lei, não em casa e nem na rampa”, indicou.
De acordo com Bernardo Cassamá, os serviços veterinários não têm a autorização para a legalização dos locais para o abate de animais, porque ” se legalizarmos espaços e procedermos às cobranças estaremos a agir à margem da lei e das regras sanitárias”.
O diretor-geral dos serviços veterinários da Guiné-Bissau disse, na entrevista, ter já instruído os seus serviços de controlo, inspeção e higiene pública veterinária que não podem fazer inspeção em casa, na rampa e nem em qualquer outro local, porque” uma vez feita inspecção e cobrado dinheiro significa estar a legalizar o abate, o que está fora da norma”.
Por: Carolina Djemé
Fotos: Marcelo Na Ritche
Conosaba/odemocratagb