Abdelaziz
Vera Cruz
Para
percebemos um discurso é necessário conhecermos o contexto da sua
enunciação e o discurso político não foge à regra, quem não
conhece o contexto político da Guiné-Bissau dificilmente poderá
analisar ou chegar às entrelinhas do discurso de Sua Excelência
Senhor Presidente da República.
Para
começar, parece-me que Presidente da República não centralizou a
sua atenção na "substância das questões de interesse
nacionais", ou seja, se tivesse em consideração esse
aspeto não estaria a gastar muito tempo do seu discurso numa troca
de palavras com a ANP relativamente à convocação ou não da sessão
extraordinária, até ao ponto de recorrer aos manuais portugueses
para explicitar como ele poderia gozar de um direito (convocar a
sessão extraordinária da ANP), aliás todo o argumento apresentado
por Presidente da República é zero, porque nós não temos nenhum
órgão chamado Assembleia da República, mas sim Assembleia
Nacional Popular, a nossa constituição não é igual à de
Portugal, as nossas leis não são iguais às de Portugal. Se ele
quisesse "encontrar, na base do diálogo político,
fórmulas de resolução das nossas diferenças e problemas"
poderia resolver essa questão com a Mesa da ANP, sem passar pela
praça pública, pouparia assim o país e o povo a mais um problema
de desentendimento político e jurídico. Até parece que, agora, o
STJ deveria estar sempre presente em todos os atos de cada um dos
órgãos de soberania para que pudessem fazer as coisas direitas.
Tudo o que indica, de acordo com o discurso do Presidente da
República, os seus assessores jurídicos estão mais avançados, por
isso, trabalham apenas com as normas portuguesas, porque as nossas
estão atrasadas e caducadas!
Presidente
da República faz uma exposição da sua chamada de atenção aos
atores políticos para "promoverem
a cultura de diálogo e a coesão interna"
e pergunto: como promover a cultura de diálogo sem diálogo? E
coesão interna aonde? Nos partidos políticos? Na ANP? No Governo?
Nos Tribunais? Ou na Presidência? Mas se formos para as entrelinhas
podemos afirmar que a coesão interna a que Presidente da República
pretende referir-se no seu discurso é a que se encontra no seio do
PAIGC, esqueceu-se simplesmente que ele é Presidente de todos os
guineenses e não de um grupinho do partido. Melhor
dizendo, Presidente da República tomou partido claramente ao
declarar que procurou juristas que "não
são parte da luta política interna, não têm interesse, é bom
referi-lo, não têm interesse no resultado dessa luta política".
Com que finalidade procurou o parecer jurídico? Quem faz parte da
luta política interna? Por um lado, estão Presidente e os 15, por
outro estão o PAIGC e a Mesa da ANP, entretanto, Presidente da
República esqueceu-se simplesmente que foi eleito para ser árbitro
de todo o jogo político e não para ser parte de uma luta política.
Foi eleito para ajudar a procurar e promover as soluções políticas
viáveis e não para ser o bloqueio de uma solução política ou
arquiteto de arranjos parlamentares.
O
Presidente refere "consensos
políticos duradoiros que promovam e garantam a estabilidade
político-governativa até ao fim da presente legislatura",
esquecendo-se de que esta legislatura já está viciada, logo não há
nenhuma solução a não ser por via das urnas, devolver o poder ao
povo através de eleições legislativas. Contudo, não podemos estar
a fazer eleições para vir a recorrer aos arranjos desarranjados,
arranjos coxos que a priori não têm pernas para andar.
Presidente
declara abertamente que, caso o PAIGC não abra a mão para integrar
os 15 – quer
a nível da sua bancada, quer a nível do Governo –
haverá outra
configuração parlamentar que resultará num arranjo no seio do
parlamento que terá como finalidade sustentar um Governo que vai ser
criado, por ele. Ora vejamos "poderemos
ser forçados, dentro do quadro parlamentar, a considerar outras
opções governativas",
por isso, ele não tenciona dissolver o parlamento.
Para
terminar, o presidente apresenta duas soluções: uma em que ele se
sentirá confortável com a integração dos 15 dentro do Governo,
porque no parlamento o STJ já ditou a sentença (vão continuar como
deputados) e outro em que ele refere "desordem
parlamentar"
em que ele é obrigado a assumir a sua responsabilidade como
Presidente da República. Portanto, há uma coisa que ficou por
esclarecer, os 15 já não fazem parte do PAIGC e não fazem parte
também do PRS. E agora Presidente? Em que é que ficamos?
Tudo
isto mostra que o discurso de Presidente da República não
contribuiu para promover o tal almejado diálogo político, porque
falta uma tomada de decisão em pôr fim à dita crise política, que
no fundo é a crise do cruzamento de interesses dos nossos políticos.
Nostan!!!
Abdelaziz
Vera Cruz
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