As mulheres senegalesas vendedeiras de peixes no porto artesanal de Soumbédioune, em Dacar, capital do Senegal, reivindicam o acesso ao crédito bancário para a expansão das suas atividades e para que possam criar a resiliência e a sustentabilidade das suas atividades, ter uma autonomia financeira e exportar o produto para os mercados europeu e asiático.
Soumbédioune é um porto de pesca artesanal situado no coração de Dacar. Uma antiga vila de pescadores que continua a ser ensombrada pela atividade da pesca artesanal e que se transformou num santuário de pescadores, de vendedores e de escamadores de peixes, provenientes de diferentes bairros periféricos da grande cidade de Dacar para ganhar a vida na corrida contra relógio para a sobrevivência. Havendo peixe ou não, o porto é um destino obrigatório para os seus utentes, pescadores, antigos pescadores em reforma, vendedores e escamadores de peixe, para passar o dia e espreitar o mar de forma monólogo com os peixes.
MAIS DE MIL PESSOAS INUNDAM O PORTO À PROCURA DE ALGUNS FRANCOS CFA PARA SUSTENTO FAMILIAR
O Democrata constatou, na chegada ao porto, cerca de 100 canoas de pesca ancoradas na área. Algumas estavam em reparação técnica, enquanto outras aguardavam o anoitecer para se fazerem ao mar para mais uma jornada de pesca na costa e outras iriam até ao alto mar a procura do pescado, que está a ser difícil nas zonas mais próximas do porto.
Diariamente, de acordo com os pescadores abordados, cerca de 70 canoas desembarcam no porto com pescado, correspondendo entre 50 a 65 toneladas de diferentes espécies de pescado vendidos naquele porto e outras são exportadas para a Europa. O pequeno porto alberga mais de 1000 pessoas que trabalham todos os dias neste pequeno empreendimento, entre pescadores, vendedores do pescado e os escamadores de peixes que também procuram melhorar a sua vida com alguns francos cfa que ganham nesse serviço.
A reportagem de O Democrata foi feita no âmbito de uma formação destinada aos jornalistas de diferentes países da África Ocidental sobre a pesca ilegal, não declarada e não regulamentada com o intuito de saber do impacto das ações de pesca ilícita nas atividades de pescadores e de vendedores do pescado.
A formação foi realizada por Iniciativa Global contra o Crime Organizado Transnacional (GI-TOC), com o apoio do Departamento da Embaixada dos Estados Unidos da América para a Guiné-Bissau e o Senegal. No caso específico no porto artesanal de Soumbédioune, O Democrata concentrou-se nas atividades de vendedores do pescado e escamadores de peixe.
A associação de vendedores do peixe criada em 2010, de acordo com o seu presidente, conta com 320 membros na sua maioria mulheres e que cada associado é obrigado a ter uma carteira profissional emitida pelas autoridades em colaboração com a associação. A carteira é uma peça que autoriza e habilita quem a tem para exercer a atividade da venda do pescado a nível local, como também para exportar para o estrangeiro, conforme a sua capacidade.
Os escamadores de peixes, um grupo constituído por mulheres e jovens que também procuram ganhar alguns francos cfa para pagar as contas de casa e os cursos profissionais, estimam-seem cerca de 100 pessoas. Os preços praticados nesta atividade dependem essencialmente da quantidade de peixe que o cliente entrega para ser escamado, contudo informam que às vezes numa operação conseguem arrecadar entre cinco ou sete mil francos cfa.
O maior handicap de utentes do porto era um local confortável para exercer as suas atividades, dado que o pequeno mercado estava totalmente degradado, razão pela qual improvisam barracas para a venda do pescado, enquanto outros vendem os seus peixes debaixo do sol, em pequenas mesas de madeira.
A ONU-MULHER respondeu à solicitação da associação, reabilitando o mercado do porto e aumentando a sua capacidade para 100 lugares que serão distribuídos aos vendedores do pescado e escamadores de peixes.
PESCA – UMA HERANÇA DE FAMÍLIA TRANSFORMADA EM NEGÓCIO PARA A SOBREVIVÊNCIA
Sokhna Saouf, uma vendedeira de peixe há 15 anos no porto de Soumbédioune, vem de uma família de pescadores e casadacom um pescador, fez um retrato da atual situação da precariedade das mulheres vendedeiras de peixe.
“Há dias difíceis para nós aqui. Se não há peixe, não trabalhamos e ficamos aqui de manhã à noite sem fazer nada. Levantamo-nos cedo das nossas casas para virmos ao porto à espera das pirogas. Organizamos tudo para entregar aos grandes clientes que vão vender noutros mercados”, disse, acrescentando que precisam de apoio das autoridades para que possam ter mais capacidade de conservação do pescado, sobretudo que se criem as condições para os pescadores terem maior capacidade de pesca.
A vendedora explicou que recebe peixes do seu marido para vender aos seus clientes, na sua maioria pequenos vendedores que compram o pescado para vender noutros mercados.
Sokhna Saouf explicou que, no porto onde operam, não fazem a transformação do pescado por causa do espaço, por isso fazem todo o esforço para vendê-los no mesmo dia e uma das estratégias é entregar o pescado aos pequenos vendedores para venderem ou fazer um contrato com grandes clientes que compram grande quantidade de peixes.
“O que imploramos sempre ao governo é que sirva de garantia junto dos bancos ou de outros parceiros para que possam financiar a nossa atividade. Isso pode ajudar-nos a criar as condições, ter a capacidade técnica e meios de conservação do pescado para exportar o nosso produto para o mercado europeu, asiático e para alguns países africanos desta nossa zona”, contou, afirmando que alguns dos seus colegas conseguem exportar para a Europa, mas precisam de apoios para exportar diretamente sem um intermediário, pois só assim conseguem ganhar mais dinheiro.
“BARCOS DE PESCA NÃO RESPEITAM O REPOUSO BIOLÓGICO E PERTURBAM OS PESCADORES ARTESANAIS”
O presidente da associação de vendedores de peixe no Porto Artesanal de Soumbédioune, Hamidou Siye, disse que as suas atividades são sustentadas pelos pescadores artesanais, por isso “sentimos na nossa pele qualquer dificuldade enfrentada pelos pescadores no alto mar”. Acrescentou que se os pescadores não conseguem peixes, todas as consequências são sentidas, porque “isso paralisa todas as nossas atividades”.
“Os pescadores deparam-se com muitas dificuldades no alto mar. Os barcos da pesca industrial pescam até a 40 milhas das nossas costas, zonas onde se pratica a pesca artesanal. Quando isso acontece, os pescadores artesanais são obrigados a irem até 90 milhas à procura de peixe, porque se continuarem nas zonas onde os barcos pescam não conseguem fazer nada”, disse, denunciando que os barcos industriais não respeitam o repouso biológico e bombardeiam tudo com as suas redes capazes de arrastar tudo o que encontram no seu caminho.
Enfatizou que a associação que dirige conseguiu reunir-se com o ministro das pescas sobre este assunto e pediu ao governo que a prática de pesca industrial na costa seja, pelo menos, até 90 milhas da costa.
Questionado sobre o impacto que esta ação da pesca industrial causa na atividade de vendedores de peixe, respondeu que um dos impactos imediatos é que não podem emprestar dinheiro ao banco para desenvolver as suas atividades de venda, porque “os pescadores que nos fornecem os peixes têm dificuldades em conseguir o pescado”.
“Como podemos trabalhar assim? Por isso estamos a implorar ao governo no sentido de regular a ação da pesca industrial”, insistiu.
“O nosso trabalho é simplesmente comprar o pescado dos pescadores e revende-lo ao consumidor final. Se não há pescado, não conseguimos pagar o dinheiro emprestado ao banco. Essa situação tem grande impacto nas nossas vidas, porque somos obrigados a pagar o dinheiro emprestado ao banco, caso contrário não vamos conseguir empréstimos, nem trabalhar”, relatou.
Assegurou que os vendedores estão habituados a esta situação, tendo afirmado que não podem fazer mais nada, se não venderem o pescado. Lembrou, neste particular, que desde 1996 que começou a exercer a atividade da venda de peixes.
Questionado sobre os mecanismos que a organização pretende utilizar para fazer face às dificuldades enfrentadas e, consequentemente, ajudar os seus associados a desenvolverem as suas atividades, explicou que neste momento encontraram um parceiro que apoia as iniciativas de desenvolvimento do empreendedorismo, através do qual conseguiram um financiamento para capitalizar as atividades dos associados.
“Eu pessoalmente, recebi um financiamento desta entidade num valor de três milhões de francos cfa. Utilizei este fundo para financiar alguns vendedores de peixes e manipuladores de peixes. Eu escrevi à organização solicitando um fundo e felizmente decidiram apoiar o projeto. Colocaram o dinheiro na conta num banco e o pessoal do banco informou-me do dinheiro depositado na conta”, sublinhou.
Informou que ajudou também os seus colegas, grandes vendedores, a obterem fundos dessa entidade para desenvolverem as suas atividades, porque “o mercado está a cada dia mais difícil e o pescado cada vez mais carro”.
“O financiamento permite-nos trabalhar sem grandes constrangimentos e sossegados. Atualmente, consigo comprar peixes de qualidade para vender no mercado Europeu, de acordo com as solicitações dos clientes. Recebo as solicitações dos clientes, por exemplo, trabalho com uma empresa na Europa que me envia a lista das espécies que quer. Compro essas espécies, de acordo com os quilogramas indicados e levo-as para o aeroporto. Fazemos a reserva no aeroporto. Primeiro, o pescado é observado pelos especialistas antes de emitirem todos os documentos necessários para a exportação “, narrou.
“ESCAMADORES DE PEIXES RELATAM SUAS DIFICULDADES E A LUTA ENFRENTADA PARA A SOBREVIVÊNCIA”
A escamação de peixes é um negócio com pouco rendimento, mas algumas mulheres com parcos meios financeiros para comprar os peixes e revender, optaram por este negócio de escamar peixes e ganhar um pouco para sobreviverem.
As escamadoras cobram em função do volume de peixe disponibilizado para escamar e cortar em pedaços, mas deacordo com as informações recolhidas o preço indicativo começa em mil francos e pode subir até aos cinco mil francos cfa.
Sohna Joof, uma mulher de 40 anos de idade, que está entre as cerca de 100 mulheres que ganham a vida escamando peixes no pequeno porto artesanal de Soumbédioune, explicou que nos últimos tempos tem-se registado um declínio nas suas atividades e que às vezes nem sequer conseguem pagar o transporte para voltar as suas casas no fim de tarde.
“Porque nem sempre conseguimos peixes. Se os pescadores não conseguem peixes, não trabalhamos. Quando acontece essa situação, ficamos aqui sentadas ou a dormitar até à tarde, com esperança que apareça uma canoa com peixes para podermos trabalhar ou conseguir alguma coisa para o nosso consumo”, lamentou Sohna, moradora de Medina, um dos maiores bairros de Dacar, em representação das mulheres escamadoras de peixes.
Por: Assana Sambú
Conosaba/odemocratagb.