domingo, 21 de fevereiro de 2021

Zona de fronteira: CENTENAS DE REBELDES FUGIRAM DE SAKUM PARA O LESTE DA GUINÉ-BISSAU

 

[REPORTAGEM_fevereiro_2021] Centenas de rebeldes de uma das facções do Movimento das Forças Democratas de Casamansa (MFDC), dirigidos pelos comandantes Adama Sané e Ibrahima “Kompass” Diatta fugiram na calada de noite de suas bases de Sakum, no Senegal, em direção ao leste da fronteira da Guiné-Bissau, de acordo com as informações avançadas pelas populações das aldeias da linha da fronteira, que afirmaram terem visto um grande número de rebeldes a noite com armas e munições, fugindo dos ataques do exército senegalês.

A região de Casamansa que fica no Sul do Senegal, fazendo fronteira com o norte da Guiné-Bissau voltou a ser, pela quinta vez, palco de mais um conflito militar entre uma das facções dos rebeldes do MFDC e as Forças Armadas da República do Senegal, iniciada a 26 de janeiro (2021) último, e com o objetivo de destruir as bases dos rebeldes e reinstalar as populações deslocadas nas aldeias situadas na linha de fronteira.

O Democrata apurou que os rebeldes estão a procura de uma nova base na linha da fronteira e que reúna as condições adequadas para se instalarem e reabrirem o seu Estado-Maior, para reorganizar e preparar uma resposta às ofensivas das tropas do Senegal.  

“Os rebeldes de Casamansa não têm rosto que os distinga do cidadão comum do Senegal ou da Guiné-Bissau. Nem têm fardas que os distingam da população. Ninguém sabe o que estarão a fazer para conseguirem novo esconderijo nas florestas do Senegal nem onde estarão em concreto? Ou se estarão a desenvolver alguma iniciativa para iniciar uma ofensiva que lhes permita dar resposta aos militares do Senegal”, assegurou um dos habitantes da aldeia da linha de fronteira, interpelado pela nossa reportagem.

ATAQUES AOS REBELES PODEM LEVAR A REUNIFICAÇÃO DAS FACÇÕES PARA SE DEFENDEREM

Os analistas abordados pelo jornal O Democrata afirmam que a ofensiva desencadeada pelo exército senegalês sob o comando da zona militar nº. 05, chefiado pelo Coronel Souleymane Kandé, pode levar as facções (Grupos de Salif Sadio, de Ibrahima Diatta “Kompass” – comandante da base L’2 e Adama Sané, Comandante de base de Sakum) a reunificarem-se para se defenderem da ofensiva do Senegal.

Os estrategas da guerra de guerrilha garantiram à nossa reportagem que os rebeldes de Casamansa têm uma experiência nas técnicas de guerrilha e utilizam árvores de grande porte e palmeiras para se esconderem, também conseguem fazer ataques espontâneos e limitados com quatro homens.  

Os ataques de limpeza desencadeados pelas tropas senegalesas com recurso a armas pesadas e helicópteros, com os quais destruíram as bases dos rebeldes, obrigaram as facções do MFDC à negociação para uma possível reunião, de forma a defenderem-se em conjunto.

Para o grupo de Ibrahima “Kompass” e Adama Sané, é urgente encontrar um novo espaço na floresta de “Tchedoukou” para instalar o seu Estado-Maior, para poderem analisar novas estratégias, a nível interno e externo, como também as consequências dos bombardeamento das tropas senegalesas.

As pesadas derrotas e a destruição das suas bases com armas pesadas levou os guerrilheiros do MFDC a acusarem as Foças Armadas Revolucionária do Povo (FARP) da Guiné-Bissau de envolvimento no teatro de guerra, sobretudo ao permitir que os “Jambaars” – forças especiais senegalesas utilizem o território guineense para “caçar” os rebeldes.

A colaboração do exército guineense que é recusada pelas autoridades nacionais na linha da fronteira foi evidenciada pelo próprio comandante senegalês da zona militar nº. 05 (Ziguinchor), o Coronel Souleymane Kandé, que dirige as operações que, numa das suas declarações, enalteceu o que considera “a boa colaboração” das forças da defesa e de segurança da Guiné-Bissau, através de informações precisas para as suas operações de “destruições das bases dos bandos armados” e consequentemente o reassentamento das populações que há mais de 30 anos fugiram das vilas situadas na linha de fronteira, designadamente: Billas, Albondi, Nhadju, Samilique e Late Madina, ambos da secção de Bitupa Camaracunda.   

Sobre o envolvimento das tropas da Guiné-Bissau no referido conflito, as forças rebeldes liderados por comandante Ibrahima Diatta “Kompass” advertiu as FARP, através de um comunicado à imprensa, para não se envolver na guerra que os opôs contra o exército do Senegal.  

Os rebeldes do MFDC perderam o seu Estado-Maior e estão neste momento em fuga. Ninguém sabe muito bem onde estão escondidos. Quem chega às Tabancas de Papia, Nhalon, Mangomica 1º, Mangomica 2º, e Brenguilon situadas a dois  quilómetros da linha da fronteira com a República do Senegal e a escassos metros do seu Estado-Maior, não se encontra nenhuma alma viva dos rebeldes do MFDC. O seu Estado-Maior situado na floresta de Sikum é agora irreconhecível, porque sofreu um forte bombardeamento dos helicópteros e canhões das forças especiais senegalesas.

O fogo do incêndio em consequência dos bombardeamentos consumiu não somente as bases dos rebeldes do MFDC, mas também os pomares de cajú dos agricultores guineenses que se encontram na linha da fronteira. Esse fato levou as FARP e a Brigada da Guarda Nacional que garante a segurança de todas as tabancas guineenses na linha de fronteira a declararem todas as quintas e plantações de cajueiros e campos de cultivo de benon como zonas de risco. Proibiram, por isso, as populações de se deslocarem em todas as zonas de plantações agrícolas situadas a menos 500 metros da fronteira.

Os militares guineenses consideram que existe risco enorme de alguns agricultores pisarem minas que os rebeldes do MFDC poderão ter enterrado nos terrenos agrícolas próximos ou situados na linha da fronteira.

ALDEIAS FRONTEIRIÇAS SENTEM-SE SEGURAS GRAÇAS ÀS PRESENÇA DE MILITARES GUINEENSES

As FARP e a Brigada da Guarda Nacional presentes em todas as tabancas da linha da fronteira aconselharam os habitantes daquela zona a não se deslocarem à zona de risco, o que levou os populares a declararem à imprensa, “não vimos aqui nenhum rebelde”.

Todas as tentativas para encontrar uma explicação plausível para a fuga dos guerrilheiros do MFDC do seu Estado-Maior, na floresta de Sikum, teve sempre como resposta, “não vimos aqui nenhum rebelde”. Todos os habitantes das Tabancas de Papia, de Nhalon, de Mangomica 1º, Mangomica 2º e de Brenguilon que a reportagem abordou sobre a fuga dos rebeldes do MFDC, tiveram como resposta a mesma frase como se fossem programados.

O exemplo mais sintomático destas respostas programadas foi o do Comité de Tabanca de Papia, Barrato Ianca, que disse à nossa reportagem que desde o início das operações de limpeza na floresta de Sikum que não via um rebelde do MFDC na sua Tabanca. Curiosamente, ninguém na povoação junto a fronteira sabe explicar como é que os rebeldes que, quase todos os dias, conviviam com eles fugiram da floresta de Sikum.

Eram os rebeldes que os vendiam quase todos os dias carne de caça de qualidade para o seu consumo familiar. Aliás, havia entre eles uma enorme amizade e camaradagem.  

“Desde que as tropas senegalesas desencadearam a operação de limpeza na floresta de Sikum onde viviam os rebeldes do MFDC, nunca mais vimos por aqui na Tabanca um rebelde. Ou a passar por aqui na nossa estrada como era frequente “, explicou a nossa reportagem o ancião da Tabanca de Papia, Barrato Ianca, que garantiu ainda que com a chegada das FARP e da Brigada da Guarda Nacional, a sua Aldeia jamais teve a visita de um rebelde.

Também pelo mesmo diapasão afinou o Comandante das forças militares guineenses estacionadas na Escola Básica da Tabanca de Papia, Ansumane Djata que garantiu a nossa reportagem que desde que chegou naquela Tabanca da linha da fronteira nunca viu um rebelde do MFDC.

“Desde que cheguei aqui com os meus homens não vimos nenhum rebelde do MFDC. Todas as informações de fuga de populações e de que nós estamos a deter rebeldes em fuga é pura e simplesmente ‘Fake News'”, explicou a nossa reportagem.  

Na Tabanca de Nhalon a dois quilómetros da linha da fronteira, o espírito de medo e de susto generalizado que reinava no início, quando os militares senegaleses desencadearam o bombardeamento, já passou. A presença das FARP e da Brigada da Guarda Nacional trouxe a população local uma enorme confiança que acabou com o medo. Ninguém pensa agora abandonar a sua casa para se refugiar no interior da seção de Ingore ou das tabancas do setor de São Domingos.

Nas Tabancas de Mangomica 1º e Mangomica 2º, situadas a três quilómetros da linha de fronteira os jovens já não se preocupam com o barrulho dos bombardeamentos dos aviões das tropas de Senegal ao Estado-Maior dos rebeldes do MFDC. Quando a nossa reportagem chegou nas duas Tabancas no início da noite, os jovens estavam começar uma festa de batizado da criança (rapa), com uma aparelhagem de sons que fazia um enorme barrulho. Com certeza os seus antigos vizinhos da floresta Sikum que foram bombardeados pelas tropas do Senegal e obrigados a esconder algures nas tabancas vizinhas não gostaram de ouvir esse barrulho.

Instados a pronunciar se o barrulho da música da sua festa não poderia levar os rebeldes do MFDC atacarem as duas tabancas, a opinião dos jovens foi unânime que neste momento a população das Tabancas que vivem na linha de fronteira está muito bem protegida pelas tropas guineenses.

BOMBARDEAMENTO SENEGALÊS QUEIMA POMARES DE CAJÚ DE AGRICULTORES GUINEENSES

Para além de não haver segurança para desenvolver, neste momento, as atividades agrícolas nas propriedades situadas a menos de 500 metros da linha da fronteira, o fogo das bombas senegalesas destruíram algumas quintas de Cajú na zona de risco. Foi o que aconteceu com Uié N’Doque, o agricultor de Tarreiro, cuja quinta foi totalmente consumida pelo fogo das bombas dos helicópteros senegaleses

Com 17 membros na sua família, Uié N´Doque perdeu uma quinta de Cajú de 155 metros de largura e 255 metros de cumprimentos. Tudo porque a sua quinta está situada quase em cima da linha da fronteira com o Senegal e a escassos metros do Estado-Maior dos rebeldes na floresta de Sikum, seção de Bitupa Camaracunda.  

Mal se chega a Quinta de Uié N’Doque, na linha de fronteira percebe-se logo que, na verdade, os rebeldes do MFDC estão em fuga do seu Estado-Maior. Ninguém sabe para onde fugiram nem quantos é que perderam a vida. Na floresta de Sikum reina agora o silêncio total. A única voz que se ouve agora nas árvores de grande porte de Sikum é chilrear dos pássaros, quando não há bombardeamentos.

O exército senegalês canta o sucesso das suas operações de destruição das bases dos rebeldes, mas as populações que vivem na linha da fronteira lamentam a perda ou a fuga dos seus “camaradas” ou clientes que outrora lhes vendiam carne da caça da primeira qualidade. Os rebeldes não vendiam apenas a carne de caça aos habitantes da linha da fronteira, como também utilizavam as pequenas infraestruturas rodoviárias das tabancas da linha da fronteira para vendar madeira aos empresários estrageiros interessados que vivem na Guiné-Bissau e no Senegal.

SENEGALESES PERSPETIVAM O REGRESSO ÀS SUAS ALDEIAS ABANDONADAS HÁ MAIS DE TRINTA ANOS

Para os habitantes das aldeias da secção de Bitupa Camaracunda, a opinião é unânime que a operação da limpeza dos rebeldes do MFDC na floresta de Sikum visa acompanhar de perto o regresso da sua população e protegê-los, para poderem levar a cabo as suas actividades agrícolas tranquilamente. A população das aldeias próximas da floresta de Sikum deixaram os seus campos agrícolas há 39 anos, desde que a guerra fustiga as vidas humanas naquela seção.

Acreditam ainda que os militares dirigidos pelo Comandante da Zona Militar número cinco, Coronel Souleymane Kandé estão a combater também o tráfico ilegal de madeira. Por isso, aplaudiram quando, a 28 de janeiro de 2021, os militares anunciaram a intenção de neutralizar os elementos do MFDC que estabeleceram o seu Estado-Maior na floresta de Sikum, que abusavam na população.

No início de 2018, ressurgiu em Casamansa a violência com o massacre na floresta de Bofa, que ceifou a vida de 14 homens que foram cortar madeira. O exército do Senegal, prendeu na sequência desses acontecimentos 20 suspeitos que ainda estão a espera de julgamento.

Entretanto, analistas senegaleses criticam o silêncio do atual responsável pelo processo de negociações de paz em Casamansa entre os rebeldes MFDC e o governo do Senegal, Robert Sanhá e asseguram que perdeu agora uma boa oportunidade de convocar as duas partes para a mesa de negociações.

Para os analistas, Robert Sanhá deveria aproveitar logo no dia 26 de Janeiro quando se ouvia os primeiros tiros de ataques do exército do Senegal, convocar as partes em conflito para uma reunião de negociações de um processo de paz duradouro para discutir, pelo menos, a autonomia da região em relação ao governo de Dacar.

Os rebeldes sob a liderança do Movimento das Forças Democratas de Casamansa (MFDC) iniciaram o conflito nas florestas de Casamansa a 26 de dezembro de 1982, quando um grupo de jovens casamansenses liderados por Abade Augustin Diamacoune Senghor tiraram a bandeira do Senegal na administração de Ziguinchor e colocaram a bandeira branca de Casamansa, fato que desencadeou o conflito até a data presente com o propósito de lutar pela independência total da grande região de Casamansa, contudo os rebeldes, depois de vários anos, acabaram por dividir-se em facções, por causa do protagonismos de alguns chefes militares. 

Durante esse conflito registaram-se perdas incalculáveis de vidas humanas das populações civis e dos militares e rebeles, como também registaram-se vários deslocados de guerra e milhares dos refugiados em território da Guiné-Bissau.

Casamansa é uma região localizada no sul do Senegal e também ao sul da Gâmbia e a norte da Guiné-Bissau. Está dividida em baixa Casamansa (região de Ziguinchor) e alta Casamansa, região de Sédhiou e de Kolda, este último que se encontra a leste da Guiné-Bissau, concretamente nas zonas do setor de Perada, região de Gabú. 

Recorde-se que, foi na convenção entre Portugal e França de 1886 que Casamansa, na altura, o “coração” de império português na região passou para o domínio da França, integrando assim no território senegalês. Durante os 243 anos da presença portuguesa naquela região, nada mais restou em Ziguinchor senão o crioulo-português.

Por: António Nhaga, Enviado Especial

Conosaba/odemocratagb

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